“Qualquer que seja a decisão do novo aeroporto, é melhor do que nenhuma”

"O que penaliza o país é a falta de decisão", afirma Carlos Mota Santos em entrevista ao ECO. Pede novas políticas de imigração e formação para dar condições às empresas portuguesas de construção.

Carlos Mota Santos, presidente da Mota-Engil há quase um ano, escusa-se a comentar as conclusões do relatório da Comissão Técnica Independente sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. “O que eu acho que é importante é de facto que haja decisões no melhor interesse da nossa economia e, consequentemente, o melhor interesse das empresas“.

Em entrevista ao ECO, o gestor garante que as empresas portuguesas de construção têm capacidade para responderem às exigências, mas aponta riscos. “O que o setor de construção necessita em Portugal é, uma vez mais, de um quadro de previsibilidade“. Carlos Mota Santos explica, por outro lado, que há um problema grave de mão-de-obra, que passa por duas estratégias, a imigração no curto prazo e a formação no médio e longo prazo.

Acabou de ser anunciado pela Comissão Técnica Independente que a melhor solução para o novo aeroporto de Lisboa é uma opção dual, isto é, construir um novo aeroporto em Alcochete, mantendo durante um período de tempo alargado o atual aeroporto da Portela. É a melhor solução?

O relatório final da Comissão Técnica Independente, a mim, não me cabe avaliar se é bom ou mau, nem tão pouco à Mota-Engil, não temos essa valência, nem essa capacidade, e muito menos essa função. O que eu acho que é importante é de facto que haja decisões no melhor interesse da nossa economia e, consequentemente, o melhor interesse das empresas. É nesse sentido que gostaria, como cidadão e como responsável de uma empresa, que, de facto, houvesse uma decisão em relação a esse dossiê, independentemente da localização.

O que penaliza mais o país é a falta de decisão, é falta de previsibilidade e, de facto, as empresas o que necessitam é de quadros de previsibilidade, e até mesmo o cidadão comum precisa de maior previsibilidade. Nesse sentido, qualquer que seja a decisão técnica e, depois, uma decisão tem uma validade política, com certeza será uma decisão melhor do que não haver decisão nenhuma.

Portanto, para a Mota-Engil, a localização não é o mais importante?

A Mota-Engil será sempre pela decisão de uma localização que seja a que melhor beneficia o país, a que mais beneficia a economia do país, independentemente se é na localização A, B ou C.

Este modelo de comissão independente para avaliação de infraestruturas é uma boa prática?

Acho que sim. Todas as decisões em termos de investimento em infraestruturas devem ser avaliadas sob um ponto de vista puramente técnico e conduzido puramente técnico, com as várias valências. Desde uma valência mais técnica em termos de infraestruturas de engenharia, obviamente sob o ponto de vista da dimensão ambiental, a económica, a social. Uma avaliação técnica independente, seja qual for a infraestrutura, levará sempre um carimbo de validade técnica. Claro está que, depois, tem de haver a decisão política, que é decisão que prevalece e para isso é que existem os decisores políticos eleitos pelos cidadãos.

É importante uma decisão política sobre a alta velocidade ferroviária prévia à decisão do aeroporto?

A alta velocidade está num processo mais adiantado. Segundo sabemos, ao todo, o concurso vai ser lançado no próximo ano, ou pelo menos os dois primeiros troços relativamente ao tramo entre Porto e Lisboa, e nesse sentido é uma decisão que já terá passado a fase da validade técnica e aparentemente também ultrapassada a fase de decisão política para o lançamento desse concurso…

A Mota-Engil está num consórcio na alta velocidade e também vai candidatar-se à construção do novo aeroporto, além do novo hospital de Lisboa ou linhas do metro. Há várias infraestruturas ao mesmo tempo, as empresas portuguesas têm capacidade de responder a tanta necessidade de construção?

As empresas portuguesas e a engenharia portuguesa, em particular, são empresas com capacidade muito, muito significativa. E a engenharia portuguesa, na minha opinião, é das melhores do mundo, reconhecida por esse mundo fora. O que o setor de construção necessita em Portugal é, uma vez mais, de um quadro de previsibilidade.

E não tem tido esse quadro?

Não tem tido, não tem tido… Infelizmente, não tem tido esse facto. Os projetos, e não estou a falar de um passado recente, estou a falar de um passado mais longínquo. Os projetos têm quadros de previsibilidade muito baixos e calendários muito pouco certos. Havendo um calendário definido, uma previsibilidade que seja assegurada, as empresas portuguesas terão a capacidade não só de se prepararem e de investirem para acomodar a capacidade necessária serem competitivas e, porventura, virem a ser adjudicatárias desses projetos de forma, depois, a materializá-los com qualidade, em prazo e em custo. E também, dessa forma, dotar as empresas de valor acrescentado que lhes permita crescerem e que lhes permita, de facto, terem processos de internacionalização mais robustos, mais capazes, mas sempre numa lógica de continuidade e de previsibilidade.

Carlos Mota dos Santos, CEO da Mota Engil, em entrevista ao ECO - 06NOV23
Carlos Mota dos Santos, CEO da Mota Engil, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

O setor da construção em Portugal sofreu uma espécie de choque a partir de 2007, 2008, e parte dele foi destruído, foi a falência. Hoje há capacidade e densidade do setor, ou a Mota-Engil é uma espécie de oásis no meio de um setor que perdeu muita capacidade instalada?

O setor sofreu um tsunami há cerca de 15 anos. Infelizmente, se fizer uma comparação das 20 maiores empresas em 2011 ou 2010, verá que cerca de 13 ou 14 dessas empresas, pura e simplesmente, já não existem. Nesse sentido, foi mau para a indústria da construção e para a fileira da construção portuguesa, com isso perdeu-se muito valor por um lado, mas também houve uma saída massiva de recursos humanos que, infelizmente, é muito difícil recuperar.

Quando me pergunta se o setor da construção tem mais densidade, [respondo que] tem uma densidade diferente. O setor tem uma capacidade regenerativa muito interessante e muito importante. Continuamos a ter boas escolas de formação, não só a nível de engenharia, mas em todas as valências da fileira da indústria da construção. Acho que temos que apostar ainda mais na formação profissional como um dos problemas que as empresas enfrentam em Portugal, no setor da construção, mas também noutros setores, como o setor de serviços. É a falta de mão-de-obra, e falta de mão-de-obra qualificada, por isso Portugal deveria ter uma atenção especial neste tipo de profissões, e também a uma política de imigração de qualidade que nos permita colmatar esta falta de recursos e nos permita ter empresas mais competitivas.

Mas, só para concluir, em termos de densidade e da qualidade das empresas de construção portuguesas, a verdade é que assistimos a uma nova geração de empresas que apareceu, muitas delas com capacidade de internacionalização e, apesar de tudo, restam empresas portuguesas de referência, grandes escolas de engenharia que, felizmente, subsistem e têm sido importantes parceiros da Mota-Engil, não só em Portugal, mas também no estrangeiro.

Mas há capacidade da indústria de construção portuguesa para responder ao volume de obras que se apontam?

Há. Uma vez mais, e respondendo de uma forma muito concreta: Haja previsibilidade e a indústria de construção portuguesa tem a capacidade de dimensionar e de se dotar da escala…

Neste caso, vai precisar mesmo de crescer…

…e irá crescer. Agora, o que é preciso é de facto haver essa previsibilidade e planeamento para que as empresas se consigam dotar dessa capacidade e, depois, dar o salto da internacionalização.

A Mota-Engil acabou de ganhar o concurso para mais uma linha do Metro de Lisboa, em concorrência sobretudo com empresas espanholas. Seguramente, vamos assistir ao mesmo fenómeno na alta velocidade e no novo aeroporto. A indústria portuguesa tem capacidade de concorrência com a indústria de construção espanhola ou está em desvantagem?

Tem capacidade de concorrência? Sem dúvida. O exemplo que temos tido recentemente em Portugal ilustra isso mesmo. Agora, as empresas espanholas têm algumas vantagens em relação às portuguesas em termos de competitividade…

Quais?

Por exemplo, em termos de fiscalidade. A fiscalidade espanhola, nomeadamente sobre os rendimentos individuais dos colaboradores destas empresas, é mais baixa.

Mas isso não é só na construção.

Não é só na construção, mas competem com recursos com fiscalidades distintas. Por isso, sob o ponto de vista fiscal, seja em termos dos recursos individuais, seja em termos de fornecedores, tem uma maior competitividade. Por outro lado, as empresas espanholas têm um custo de financiamento mais baixo que as empresas portuguesas e, nesse sentido, a sua capacidade de investimento tem um custo mais baixo, logo, serão mais competitivas sob esse ponto de vista. E por último, a economia espanhola tem tido acesso a mais recursos humanos, a mais imigração, coisa que tem sido um problema para a economia portuguesa, nomeadamente para as empresas da indústria de construção.

Tem capacidade de concorrência? Sem dúvida. O exemplo que temos tido recentemente em Portugal ilustra isso mesmo. Agora, as empresas espanholas têm algumas vantagens em relação às portuguesas em termos de competitividade… Por exemplo, em termos de fiscalidade. A fiscalidade espanhola, nomeadamente sobre os rendimentos individuais dos colaboradores destas empresas, é mais baixa. Não é só na construção, mas competem com recursos com fiscalidades distintas. Por isso, sob o ponto de vista fiscal, seja em termos dos recursos individuais, seja em termos de fornecedores, tem uma maior competitividade. Por outro lado, as empresas espanholas têm um custo de financiamento mais baixo que as empresas portuguesas e, nesse sentido, a sua capacidade de investimento tem um custo mais baixo, logo, serão mais competitivas sob esse ponto de vista. E por último, a economia espanhola tem tido acesso a mais recursos humanos, a mais imigração, coisa que tem sido um problema para a economia portuguesa, nomeadamente para as empresas da indústria de construção.

Carlos Mota Santos

Já tocou dois vezes no tema da mão-de-obra. O que é que pode ser feito para corrigir esse problema? É preciso imigração, isso é certo?

Na minha opinião, sim, não há recursos em Portugal suficientes. Portugal deveria ter um plano para atentar não só à indústria de construção, mas também a outros setores. Especificamente sobre o setor da construção, deveria ter um plano em duas fases ou com duas fases distintas. Um plano para suprir as necessidades mais imediatas, que tem que passar por uma imigração, mas uma imigração de qualidade, e quando digo uma imigração de qualidade, é uma imigração direcionada para mercados ou países de língua oficial portuguesa em África e também no Brasil, onde de facto existem profissionais de construção com disponibilidade para trabalharem em Portugal. Mas não tem havido, digamos, uma missão em termos de capacidade de atrair essas pessoas em termos de emissão de vistos.

É relativamente fácil ou, diria, bastante fácil para as empresas portuguesas atraírem essas pessoas, não só porque muitas dessas empresas operam nesses mercados, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Brasil.

Então, porque é que não chegam?

Porque há uma dificuldade grande de emissão de vistos, ou seja, sob o ponto de vista da nossa política de emissão de vistos e de imigração, não tem havido uma sintonia com as empresas e com as necessidades reais da economia. Isso tem sido uma realidade. Eu acho que se tem vindo a fazer algumas coisas. A pandemia travou muitos dos processos que estavam em curso. Agora, temos acesso ao mercado de trabalho, a um mercado de trabalho com recursos qualificados, a um mercado de trabalho em que essas pessoas têm uma proximidade cultural e linguística com Portugal e que, por outro lado, já podem estar comprometidos com as empresas portuguesas.

E a médio e longo prazo?

Não vou falar sobre políticas de natalidade, não sou minimamente especialista nesta matéria, Acho que temos de ter uma política de formação profissional, Ou seja, se conseguirmos dotar de capacidade de formação, reavivar as antigas escolas profissionais, será muito importante para este setor da construção, mas para outros também, para que, a médio prazo, consigamos ter umas fornadas de formação que nos permita ter as empresas mais dotadas deste tipo de recursos.

  • Diogo Simões
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