“A Mota-Engil é um grupo de infraestruturas”

A Mota-Engil vai atingir os cinco mil milhões de faturação em 2023, revela Carlos Mota Santos. Apostado na internacionalização, diz que o grupo tem de mostrar melhor a sua história aos investidores.

Carlos Mota Santos explica a estratégia de internacionalização de um grupo que é hoje mais do que uma empresa de engenharia e construção, mas de infraestruturas. “O nosso objetivo em 2026 é que o EBITDA [resultado operacional] gerado fora dos negócios de engenharia e construção valha pelo menos 40% do total“, afirma em entrevista ao ECO. O gestor antecipa uma faturação superior a cinco mil milhões de euros em 2023, e o mercado da América Latina vai ter um contributo significativo.

O mercado de capitais não está a reconhecer o valor da Mota-Engil, lamenta o presidente do grupo, facto explicado pela dimensão do mercado português, pelo valor reduzido de ‘free float‘ e, sobretudo, pela necessidade de o grupo mostrar o que é a sua história.

O que é a condição necessária para uma internacionalização com sucesso, como está a ser a da Mota-Engil?

São várias. Primeiro, antes de tudo, é preciso ter know-how, ter experiência, ter gente capaz de levar a cabo os projetos, ou seja, de materializar os projetos. Por outro lado, é preciso ter capacidade financeira, é preciso ter robustez de balanço, é preciso ter capacidade de financiar o início da atividade, não só em termos de prospeção comercial, mas há o início da própria atividade e, depois, a capacidade, que acho que as empresas portuguesas têm de se entrosarem nos meios locais, de estabelecerem parcerias, de conseguirem gerir com quadros locais, de conseguirem criar talento local, de conseguirem relacionar-se com fornecedores locais, com os sindicatos, com as leis laborais.

Há uma mudança de perfil de internacionalização no grupo Mota-Engil? A fundação da Mota Construções foi em Angola, em Portugal nasceu a partir de Amarante, Houve um momento em que a África e depois de Europa ganharam peso, mas nos últimos anos a América Latina passou a ser também um mercado muito importante.

O nosso objetivo, em termos estratégicos, é ter um equilíbrio entre os diversos mercados ou entre as diversas regiões, como dizemos lá em casa. Ou seja, um equilíbrio entre África, América Latina e Europa, tendo em conta que temos mais negócios para além de engenharia e construção, nomeadamente no ambiente e serviços.

Quanto pesa a engenharia e construção?

Tem um peso muito significativo, pesa cerca de 80% da nossa atividade…

…e quer que venha a pesar menos em termos relativos?

O nosso objetivo em 2026 é que o EBITDA gerado fora dos negócios de engenharia e construção valha pelo menos 40% do total. Ou seja, engenharia industrial, sobretudo de Oil & Gas, ambiente e serviços e concessões de infraestruturas. Mas, respondendo à sua pergunta, o nosso objetivo é ter regiões balanceadas. É verdade que, circunstancialmente, uma região tem maior atividade ou maior volume de negócios do que outra, dependendo dos exercícios em que estamos. Em 2023, a região que vai contribuir mais será a América Latina, à semelhança de 2022, sendo que o México continuará a ser um mercado com maior peso peso dentro do grupo. Mas a verdade é que, pese embora tenhamos nascido em Angola, tivemos um processo de internacionalização, numa primeira fase, para outros países da África, depois para a Europa Central, a partir da Polónia, e, mais recentemente, a partir de 2008, na realidade com maior expressão, decidimos expandir para mercados da América Latina. Soubemos aproveitar as oportunidades, mas soubemos fazer as parcerias corretas com os parceiros locais.

A América Latina vai ser o mercado mais importante do grupo?

A América Latina, em 2023, é o mercado com maior volume de negócios do grupo, sim. E vai manter o nível de atividade para 2024 e perspetivamos para 2025, eventualmente, com reequilíbrio entre mercados. Ou seja, provavelmente com o crescimento do Brasil nos próximos dois anos.

A Europa deixou de ser um mercado interessante? Conhece bem a Polónia, onde viveu e trabalhou…

Sim, vivi na Polónia, é verdade. O mercado europeu, em particular o mercado do norte europeu, é mais difícil para empresas portuguesas, também sob o ponto de vista cultural, seja do ponto de vista linguístico, do ponto de vista do contexto de organização das empresas… Há empresas muito fortes, e, na realidade, com menos oportunidades em termos de infraestruturas, pelo que temos maior competitividade em mercados como os da América Latina e de África, em termos de infraestruturas. Faz a diferença.

Qual é a carteira de encomendas do grupo, olhando nomeadamente para Portugal, África e América Latina?

Temos uma carteira de encomendas, anunciada no terceiro trimestre, de 13,6 mil milhões de euros. Ou seja, pese embora tenhamos tido no terceiro trimestre um volume de negócios na ordem dos quatro mil milhões de euros…

Superior à totalidade de 2022…

…conseguimos aumentar a carteira de encomendas, ou seja, iniciamos o ano com 12,6 mil milhões, consumimos quatro mil milhões e aumentamos mil milhões. Na realidade, ganhamos cinco mil milhões, feitas as contas de uma forma simples. Dessas, o peso maior em termos carteira de encomendas é África, o que não quer dizer que a África tenha um volume de negócios muito superior à América Latina e também à Europa. O que é distinto é que o tempo de maturação ou do consumo da carteira [de encomendas] em África é ligeiramente mais longo que o tempo de consumo da carteira na América Latina, onde os projetos são feitos de uma forma mais célere. Respondendo à sua pergunta, Portugal representa pouco hoje em termos de volume de negócios, representa menos de 10% no que diz respeito à construção.

Mostra bem a internacionalização do grupo.

Mostra bem a internacionalização. A nossa atividade em Portugal tem duas componentes importantes, a engenharia e construção, pela qual a Mota-Engil é a mais conhecida, e a gestão ambiental, tratamento e recolha de resíduos sólidos urbanos, e cada uma pesa cerca de 50% em termos de volume de negócios. Mas no que respeita à engenharia e construção, de facto é menos de 10% do nosso volume total de faturação. A nossa carteira de encomendas em Portugal tem vindo a subir de uma forma bastante moderada, mas a expectativa de facto é que consigamos ter um ano de 2024 interessante sob o ponto de vista de volume de faturação. Este ano também será. E claro, estarmos posicionados para para sermos competitivos nos concursos que aí vêm.

Carlos Mota dos Santos, CEO da Mota Engil, em entrevista ao ECO - 06NOV23
Carlos Mota dos Santos, CEO da Mota Engil, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

A Mota-Engil ganhou o concurso para o novo hospital Central de Lisboa. Este contexto político mudou alguma coisa?

Estamos numa fase pré-contratual, diria assim, a nossa expectativa é que assinemos os contratos dentro das próximas semanas, não sei se vai ser este ano, se será no próximo ano, mas digamos que é um processo que já nada tem a ver com o momento político. É um projeto que já foi decidido, o concurso lançado, a adjudicação efetuada, o financiamento já está estabelecido. Agora, é uma questão de negociação a minuta contratual.

Estava a falar dos resultados nos primeiros nove meses, que são um recorde. A Mota-Engil vai passar os cinco mil milhões de faturação em 2023?

Vamos passar isso, sem sombra de dúvidas, vamos estar acima dos cinco mil milhões de euros.

O que é que mudou para este salto tão significativo na faturação? Era previsível há dois ou três anos?

Era, era. Acho que é o fruto de uma estratégia que foi delineada já há dois ou três anos. A estratégia passava por ter menos projetos, mas de maior dimensão. E o facto é que estávamos nos mercados corretos onde esses projetos iriam acontecer. Em África, na América Latina, sobretudo, e conseguimos com esta estratégia, que é uma estratégia comercial mais cautelosa, mas mais focada em projetos de maior dimensão, porventura mais complexos, mas onde também haverá eventualmente margens maiores e com um perfil de cash-flow mais de acordo com aquilo que são os nossos objetivos.

Estão no maior projeto ferroviário da América Latina, no México.

É o que vai ser agora inaugurado, o primeiro tramo no dia 15 de dezembro. A partir do momento que conseguimos ser adjudicatários deste tipo de projetos, de grande dimensão, e a partir do momento que os conseguimos executar e entregar em qualidade, em tempo e em custo, de facto a máquina começa a rolar. Somos, não é provavelmente, é seguramente, a empresa europeia que tem maior número de quilómetros em construção de ferrovia. E não estou a falar de Portugal, pese embora termos dois projetos em Portugal na área ferroviária. Estou fora da América Latina, em concreto no México, onde estamos envolvidos em quatro grandes projetos do trem Maia, mais dois metros, o Metro Monterrey e a nova linha do metro Guadalajara, na Colômbia com o metro de Medellín, em África, com o maior projeto de sempre da Mota-Engil, que é a linha de Kano-Maradi, na Nigéria, que vale 1800 milhões de euros, que é o maior projeto que temos num único contrato. E depois, por exemplo, a concessão do corredor ferroviário do Lobito, que ganhámos há cerca de um ano em parceria com a Trafigura, uma concessão a 30 anos, de 1200 quilómetros.

Como é que se garante a capacidade financeira para todos estes projetos?

Temos sabido encontrar soluções financeiras, nomeadamente soluções financeiras para os nossos clientes, através de multilaterais, banca comercial, EFI. Temos sabido trabalhar muito na área das concessões, nomeadamente na América Latina, com parceiros financeiros e com a nossa experiência, nas quais temos posições minoritárias, mas, depois, somos responsáveis pelo projeto de engenharia e pela construção e temos sabido fazer a rotação desses ativos de forma a alavancar novas oportunidades. Há muita ginástica, mas sobretudo muita competência, sem qualquer tipo de falsa modéstia.

O novo acionista chinês, a CCCC, que é uma das grandes construtoras do mundo, tem relevância nessa capacidade financeira?

O nosso acionista foi importante sob diversos pontos de vista. A sua entrada, por um lado, deu uma capacidade, real e aparente, de maior capacidade de execução, diria que mais percecionada do que real. Sob o ponto de vista de concursos, projetos de maior dimensão, nomeadamente com clientes também privados, conseguimos ter uma melhor perceção sobre essa capacidade, isso foi importante sob esse ponto de vista comercial. Sob o ponto de vista financeiro, também é importante porque, de facto, abre-nos a oportunidade para outro tipo de instrumentos financeiros, nomeadamente outro tipo de banca, asiática em concreto, e sob o ponto de vista da rentabilidade, também foi importante porque abriu-nos um mercado de procurement, o mercado chinês. Ou seja, a partir do momento que temos acesso a um mercado de procurement, seja de materiais, seja de equipamentos na China, dá-nos alguma competitividade, nomeadamente em projetos em África e na América Latina.

Disse, não há muito tempo, que o mercado de capitais não está a reconhecer o valor da Mota-Engil. Como é que isso se explica?

Por um lado, é o facto de o mercado de capitais portugueses ter a dimensão que tem e nós sermos uma empresa que atua sobretudo fora de Portugal. Acho que isso é um fator. Por outro lado, o facto da geografia acionista da Mota-Engil conduzir a que tenhamos um free-float na ordem de 26%, ou seja, a liquidez da ação não é muito elevada, isso é uma realidade, e é com essa realidade que temos que conviver. E por último, a Mota-Engil tem a obrigação de explicar melhor a sua história e de explicar melhor o que é. Nós não somos uma empresa de engenharia e construção, somos um grupo de infraestruturas, um grupo de infraestruturas que nasceu da construção, que continua a ter a construção como a sua atividade principal, mas que é um grupo que é muito mais do que isso, nomeadamente em áreas como a área ambiental, onde somos o maior operador português…

Que não é muito reconhecido…

…Diria que o valor destes negócios, se calhar, é maior que o valor da construção e hoje o mercado só reconhece, sobretudo, o valor da construção. E quando se pensa no negócio ambiental, e com os projetos que existem, não só aqui em Portugal, mas sobretudo nos mercados externos, na nossa área das concessões, hoje temos participações em cerca de 16 concessões entre a América Latina, Portugal e África… é nossa obrigação materializar e, digamos, demonstrar esse valor. E se olharmos para os exemplos dos nossos concorrentes espanhóis, foi isso mesmo que fizeram. As empresas espanholas conseguiram transformar o seu pitch de uma empresa de construção para uma empresa de concessões ou por uma empresa. A vantagem que a Mota-Engil tem e que, de facto, tem esses negócios, agora cabe-nos a nós ter a arte e o engenho, por um lado, de os fazer crescer, por outro lado, de tirar maior rentabilidade e, finalmente, demonstrar isso ao mercado. Por isso é que digo que, hoje, a Mota-Engil, pese embora esteja avaliada em cerca de 1200 milhões de euros, continua a ser insuficiente face ao valor real do que é a empresa.

Este ano, fizemos uma emissão de obrigações dirigida a profissionais, pequena, de 50 milhões de euros, e que fazia parte da estratégia que tínhamos em termos financeiros para 2023. A marca Mota-Engil é apetecível, não só de confiança como reconhecida, por isso, é uma opção que poderemos vir novamente a usar, não sei se para o ano ou daqui a dois anos. A verdade é esta: Em termos de financiamento para os próximos anos, a Mota-Engil tem o seu plano financeiro já completamente estabilizado. Agora, se as oportunidades surgirem, nomeadamente das taxas de juro baixarem, pode ser uma oportunidade interessante numa lógica de alongamento das maturidades da dívida.

Carlos Mota Santos

O financiamento pode ser feito para o mercado de capitais, mas o grupo está a recorrer a emissões de obrigações, nomeadamente ‘verdes’. Vão continuar com esta estratégia?

Este ano, fizemos uma emissão de obrigações dirigida a profissionais, pequena, de 50 milhões de euros, e que fazia parte da estratégia que tínhamos em termos financeiros para 2023. A marca Mota-Engil é apetecível, não só de confiança como reconhecida, por isso, é uma opção que poderemos vir novamente a usar, não sei se para o ano ou daqui a dois anos. A verdade é esta: Em termos de financiamento para os próximos anos, a Mota-Engil tem o seu plano financeiro já completamente estabilizado. Agora, se as oportunidades surgirem, nomeadamente das taxas de juro baixarem, pode ser uma oportunidade interessante numa lógica de alongamento das maturidades da dívida.

O plano financeiro está estabilizado, qual é o papel da banca neste processo?

A banca ainda tem um papel relevante. A banca representa mais de 50% da nossa estrutura de financiamento, sendo certo que, os nossos rácios relacionados com a dívida têm vindo a melhorar, ou seja, a diminuir. Temos como objetivo estar sempre abaixo de duas vezes o ‘net/debt’ sobre EBITDA, e abaixo as quatro vezes o ‘gross/debt’ sobre EBITDA, e de ter uma autonomia financeira acima de 15% em 2026. Em 2022, já alcançamos o rácio de ‘net/debt’ sobre EBITDA e, em 2023 vamos manter esse rácio abaixo das duas vezes, o ‘gross/debt’ sobre EBITDA já vai estar abaixo das quatro vezes e a autonomia financeira vai crescer face ao ano anterior.

E qual será a política de dividendos, perante estes números?

A nossa política de há anos, que está explícita, é de distribuição entre 50%/75% dos resultados. Claro está que é apenas um guidance e nada mais. Sobre o financiamento, o que para nós é essencial é o financiamento, não tanto à expansão internacional, mas ao crescimento desses negócios fora da engenharia e construção, concessões, ambiente e serviços e, nesta área, um negócio de grande exigência sob o ponto de vista de investimento, também na engenharia industrial, e, por outro lado, o grande desafio que temos em termos financeiros é encontrar mecanismos de financiamento para os nossos projetos, ou seja, dívida ‘off balance sheet‘, aos nossos clientes, sejam eles públicos, sejam eles privados.

A banca portuguesa tem um papel, diria, mais limitado. Tem capacidade de financiar um grupo com esta dimensão ou faz sentido o financiamento nos mercados onde está, com as instituições financeiras locais?

A Mota-Engil tem cada vez mais financiado a sua atividade em cada um dos mercados, e na moeda local caso estejamos expostos essa moeda. O caso da América Latina, sobretudo, pese embora os riscos cambiais na América Latina sejam bastante limitados, nomeadamente no México, que tem uma moeda muito aderente ao dólar. A banca local tem tido um papel relevante e cada vez mais importante ao longo dos últimos anos no que diz respeito ao financiamento da nossa atividade internacional, mas, independentemente disso, a banca portuguesa continua a ter um papel fundamental, não só na nossa atividade nacional, mas também nalguma expansão em termos de novos negócios e em termos de atividade internacional.

Mas vê disponibilidades da banca nacional para o financiamento às empresas ou está a perder essa capacidade de risco?

Acho que a banca nacional está a perder, não sei se é capacidade de risco, se é essa valência. Acho que os bancos portugueses ainda têm esse ADN, e não vale a pena estar a nomear os seus nomes, mas são poucos. Os bancos espanhóis têm mais apetência para financiar consumo e banca de retalho, ou seja, não vejo grande financiamento às empresas portuguesas tenho que ser sincero.

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