António Costa muda de discurso e já admite regresso à vida política
No espaço de pouco mais de um mês, desde o pedido de demissão, o primeiro-ministro endureceu as críticas a Marcelo e à PGR e voltou a ser amigo de Lacerda Machado, arguido na Operação Influencer.
Há dois Antónios Costa: o do humilde pedido de demissão e o do demitido já de cabeça erguida, a disparar contra Marcelo e disposto a voltar à cena política, provavelmente já num palco europeu, quando este ciclo terminar. No espaço de pouco mais de um mês, entre o anúncio da exoneração e a entrevista desta segunda-feira à CNN Portugal, o discurso do primeiro-ministro mudou: tornou-se mais duro e acutilante, mas também “frustrado” e “magoado”.
Do “obviamente” demite-se, a 7 de novembro, com a convicção de que é “evidente que esta é uma etapa da vida que se encerrou”, o primeiro-ministro demissionário, António Costa, desamigou e voltou a amigar Lacerda Machado, arguido na Operação Influencer, criticou a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Presidente da República, responsabilizando-o por uma eventual “barafunda” de direita, como a dos Açores, que resulte das eleições antecipadas, e já admite regressar à vida política, quando o processo judicial terminar, confiante de que sairá inocente.
Ainda assim, o primeiro-ministro continua conformado e reconhece que teria apresentado a demissão mesmo sem o parágrafo da PGR que o envolveu na investigação sobre suspeitas de corrupção ligadas aos negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines. O caso dos 75 mil euros em numerário escondidos no escritório do seu então chefe de gabinete, Vítor Escária, arguido na Operação Influencer, seria motivo suficiente para António Costa pedir a demissão, revelou, em entrevista à estação televisiva.
Sem este facto, António Costa ainda estaria em plenas funções e o País não iria para umas eleições antecipadas: “Provavelmente teria aguardado pela avaliação do juiz de instrução do conjunto de indícios que existia. Como sabe, em menos de uma semana o juiz de instrução concluiu que várias das suspeitas que existiam não foram indiciadas”.
Um mês antes, a 7 de novembro, o primeiro-ministro não questionava sequer a PGR: “Obviamente apresentei a minha demissão ao Presidente da República. Fui surpreendido com a informação oficialmente confirmada pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral República que já foi ou irá ser instaurado um processo-crime contra mim. Estou totalmente disponível para colaborar com a justiça em todo o que é necessário para apurar toda a verdade”.
A partir da residência oficial do primeiro-ministro, revelou que iria sair da cena política: “Esta é uma etapa da vida que se encerra e que encerro com a cabeça erguida, de consciência tranquila e com a mesma determinação de servir Portugal e os portugueses. Não, não me vou recandidatar ao cargo de primeiro-ministro”.
Logo no sábado seguinte, a 11 de novembro, António Costa convocou a comunicação social para justificar a importância da ação política na agilização de investimentos importantes no País, tentando assim desvalorizar as suspeitas de corrupção do Ministério Público.
Nas declarações aos jornalistas, confessou que, afinal, Lacerda Machado não era seu amigo, porque “um primeiro-ministro não tem amigos”, reforçando a ideia de que, “com a duração previsível deste processo judicial, não exercerei, com grande probabilidade, mais qualquer cargo público”.
Ora estas declarações já mudaram, tendo António Costa dado o dito pelo não dito. Ainda antes da entrevista à CNN Portugal, na passada quinta-feira, dia em que Marcelo assinou o decreto da demissão, o primeiro-ministro já admitia regressar à vida política: “Aguardemos simplesmente que a justiça cumpra a sua missão. Quando a cumprir, logo veremos se ainda há tempo para a política. Logo veremos, nessa altura, se ainda há tempo para a política”.
Ambição europeia?
A ambição de chegar a um alto cargo na Europa, como presidente do Conselho Europeu, ainda existe. Mas as eleições são já em junho do próximo ano. Se, até lá, António Costa for completamente ilibado das suspeitas de corrupção, poderá, eventualmente, aspirar a tal promoção. Mas, tendo em conta a lentidão da justiça, essa expectativa ficará frustrada, muito provavelmente.
Em relação à amizade com Lacerda Machado, parece que os dois já reataram. Depois de ter dito que “um primeiro-ministro não tem amigos”, afirmou, em entrevista à estação de Queluz de Baixo, que voltou a ser amigo de Lacerda Machado: “Sim, é meu amigo”.
Já demitido e apenas em modo de gestão, António Costa deixou para trás a humildade e endureceu o discurso, disparando contra Marcelo Rebelo de Sousa e a procuradora-geral da República, Lucília Gago.
Atirou contra o Chefe do Estado por ter decidido dissolver o Parlamento em vez de permitir a formação de um novo Governo do PS, eventualmente liderado pelo atual Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno: “Devia ter-se feito tudo menos uma crise política. O Presidente fez uma avaliação errada e só espero que das eleições de março resulte uma situação mais estável do que a que temos hoje”.
Costa considera, agora, que Marcelo está refém dos resultados que saírem de 10 de março, responsabilizando-o por uma eventual “barafunda”, termo que usou para designar o acordo de incidência parlamentar de direita nos Açores que empurrou a região autónoma para umas eleições antecipadas, na sequência do chumbo do orçamento regional para 2024.
“Obviamente, todos nós, com cada decisão que tomamos, somos depois julgados necessariamente pelos resultados das nossas decisões. Eu acho, sinceramente, que o Presidente da República tinha todas as condições para encontrar uma solução alternativa que poupasse o País a esta crise, tenho a certeza absoluta de que quem nos está a ouvir em casa não deseja ir a eleições”, afirmou.
Para António Costa, o Presidente “errou”: “Não conheço nenhum manual de Direito Constitucional que legitime a ideia de que quando o primeiro-ministro sai, por muito que tenha contribuído ele próprio para o resultado eleitoral, isso determina a dissolução da Assembleia”. E acrescentou: “Foi uma teorização que o próprio Presidente da República fez logo na tomada de posse do Governo – eu na altura disse-lhe que não concordava com essa interpretação”.
Também não poupou críticas à forma como o processo judicial foi conduzido desde o início: “Estou magoado, mas estou conformado. Aguardo o que a justiça vai fazer: se vai mesmo avançar com o inquérito, se vou ser constituído arguido (…) Eu sei o que fiz e o que não fiz. Não tenho a menor dúvida que isto acabará com uma não-acusação, com um arquivamento ou absolvição se chegarmos à fase de julgamento. Tenho a minha consciência absolutamente tranquila”.
Sobre o parágrafo incriminatório da da PGR, Costa diz que foi “claramente acrescentado àquele comunicado para dar notícia pública de que há uma suspeita sobre o primeiro-ministro que está a ser investigada”. “Ainda hoje não sei qual é a suspeita”, lamentou.
E acrescentou, mais uma vez, atirando contra Marcelo e a PGR: “Hoje faria exatamente o mesmo que fiz no dia 7. É uma decisão da qual não há retorno. O que pode é perguntar a quem fez o comunicado [da PGR] e a quem tomou a decisão de dissolver a Assembleia da República se fariam o mesmo perante o que sabem hoje”.
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