O bastonário da Ordem dos Economistas, António Mendonça, considera que a indecisão na escolha do novo aeroporto "é a expressão da crise política e institucional que estamos a atravessar".
“A Administração Pública está profundamente fragilizada, desmotivada e, em muitos domínios, perdeu o sentido de serviço público“, afirma o bastonário da Ordem dos Economistas, que considera que a crise política e a demissão do Governo deve-se em “grande parte” a essa degradação. António Mendonça pede um pacto de crescimento que junte partidos e sociedade civil.
“Grande parte dos problemas políticos atuais, da crise institucional, da própria demissão do Governo deve-se à inexistência de uma Administração Pública com prestígio, com sentido de serviço público, que atue, que dê resposta a muitas das soluções”, diz o professor catedrático do ISEG em entrevista ao ECO.
António Mendonça considera que o resultado das próximas eleições é muito incerto e que “a estabilidade política é um bem económico que está em risco”. E deixa um apelo a entendimentos: “As forças políticas mais responsáveis têm que pensar no país antes de pensarem nelas próprias”, o que “não tem acontecido”.
O antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Telecomunicações do Governo de José Sócrates, que considera que a incapacidade de decidir sobre a localização do novo aeroporto “é a expressão da crise política e institucional que estamos a atravessar”. António Mendonça prefere o Campo de Tiro de Alcochete ao Montijo. “Não devemos cair na tentação de, procurando resolver problemas imediatos e conjunturais, sacrificar opções de natureza estrutural”, sustenta.
A estabilidade política é o maior desafio que a economia portuguesa vai enfrentar no próximo ano?
Do ponto de vista económico, a situação já se estava a degradar não apenas a nível nacional mas também internacional. A última semana foi pródiga em projeções nos Estados Unidos, na Europa e do próprio Banco de Portugal e há uma coincidência no reforço da tendência de desaceleração da economia internacional e da economia portuguesa também, por arrasto, agora na parte final do ano. As perspetivas para o próximo ano também são negativas em termos de desaceleração. É evidente que a crise política, tal como ocorreu, vai introduzir elementos adicionais de complexidade a vários níveis. Em primeiro lugar, porque vai aumentar a incerteza. A estabilidade política pode ser considerada do ponto de vista económico um bem em si mesmo, porque isso gera condições de confiança para os agentes económicos, quaisquer que eles sejam, para desenvolver as suas atividades. E, de facto, o que vai resultar das próximas eleições é uma incógnita.
Olhando para as sondagens, diria que esse bem económico que é a estabilidade política pode estar em risco?
Pode, se nós entrarmos num ciclo de instabilidade, de não termos maiorias estáveis e até ver se conseguimos formar governo. Nós temos tendência sempre a construir cenários relativamente ao futuro e julgo que é de aguardar com alguma serenidade o que vai acontecer. Uma das coisas que nós temos que salientar é que a democracia funciona. O problema que tem de ser olhado por todas as forças políticas é a capacidade de chegar a entendimentos, que é fundamental.
O novo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, não mostrou abertura para viabilizar um governo do PSD. Gostava que houvesse essa abertura dos dois maiores partidos para um entendimento que permitisse uma solução de governo?
Acho que é importante. Temos que ultrapassar estereótipos antigos. Continuo a ouvir sempre esquerda, direita, extrema-esquerda, extrema-direita. A realidade de hoje não é a mesma que era há 200 anos e nós continuamos a utilizar os mesmos esquemas, as mesmas referências. Quando nós olhamos para as grandes transformações que estão a ocorrer a nível global, elas vão produzir também novas referências políticas. Temos que ter a capacidade de olhar para aquilo que está a ser feito, não com os olhos do passado, mas com os olhos do presente e, sobretudo, com os olhos do futuro.
As forças políticas mais responsáveis têm que pensar no país antes de pensarem nelas próprias. Aliás, elas só têm razão de ser porque estão a servir os interesses do país.
Acha que isso não tem acontecido.
Acho que não tem acontecido, de forma alguma. Basta ver aquilo que está a ocorrer no domínio do confronto político entre os dois principais partidos. É tudo muito personalizado. Não se vê uma discussão em termos de projetos, em termos de ideias, de propostas para o país. Nós temos que atacar os problemas da saúde, da educação, do crescimento. Quando nós olhamos para aquilo que é tendência, o que se constata é que o país está praticamente estagnado há duas ou três décadas. Curiosamente, coincidindo com a própria constituição do euro. Temos que olhar para isso com profundidade. O país precisa de propostas e de ações de natureza estrutural, de natureza estratégica, que é o que tem faltado.
Nós olhamos, seja para este Governo seja para qualquer outro, com um sentido de frustração. Não cumprem os objetivos que se propõe e fica aquém das nossas próprias expectativas.
Essa estagnação significa que, no plano económico, o balanço que pode ser feito dos oito anos do Governo de António Costa é negativo?
Nós olhamos, seja para este Governo seja para qualquer outro, com um sentido de frustração. Não cumprem os objetivos que se propõe e fica aquém das nossas próprias expectativas. Agora, é importante ver também que foi um período muito complexo. Nós passamos pelo covid, pela guerra da Ucrânia, a subida dos preços energéticos, a guerra no Médio Oriente. Houve uma série de choques externos que perturbariam qualquer planificação. Não sou daqueles que me sinto satisfeito e contente, dizendo que foi um balanço extremamente positivo. Mas também não ousaria dizer que tudo é negativo.
Quando nós olhamos para os últimos dois anos, por exemplo, há aspetos positivos na performance da economia portuguesa, seja em termos de crescimento, o próprio turismo. Do ponto de vista das finanças públicas, houve um equilíbrio financeiro e redução da dívida. Há também outra componente que é independente da ação governativa, que é a inflação. Toda a gente condena, mas acabou por ser positiva do ponto de vista das receitas e gerar grande parte do alívio e uma reserva financeira que pode ser importante para o país utilizar em 2024 para fazer face a eventuais deteriorações da situação económica.
O ministro das Finanças, Fernando Medina, considera que a redução da dívida pública foi a grande reforma do Governo no plano económico. Concorda?
Eu não acho que isso seja uma reforma. É o resultado. Como eu disse, aconteceu em parte devido à ação governativa, mas em grande parte deve-se à evolução objetiva da economia. Não é nada de novo, já aconteceu no passado. Quando nós olhamos para as dívidas que se geraram no período posterior à Segunda Guerra Mundial, nós vemos que parte significativa dela foi paga precisamente com a inflação.
Faltaram reformas nos últimos anos?
Eu julgo que sim. Houve falta de reformas e falta de pensamento estratégico. É incrível que as grandes bandeiras que nós temos a oferecer, até ao estrangeiro, sejam coisas que foram feitas no passado, por exemplo Sines, Alqueva, etc. O que que é estamos a semear para o futuro?
Não estamos a semear.
Eu tenho dúvidas relativamente a que estejamos a fazer alguma coisa nesse sentido. O país precisa efetivamente de reformas a vários níveis.
Tem de haver uma grande preocupação, seja qual for a solução governativa que vier a ser encontrada no pós-eleições, para atacar a fundo a questão da Administração Pública. E não é criar mais Estado ou menos Estado. É criar um Estado que seja eficaz, que seja competente.
Voltando à redução do défice e da dívida. Já estamos na prática em campanha para as legislativas e ouvido uma série de promessas com grande impacto no aumento da despesa pública e redução da receita, como a reposição integral do tempo de serviço dos funcionários públicos e novas descidas de impostos. Teme que o caminho de redução do endividamento do Estado seja interrompido nos próximos anos?
Todos os partidos falam da necessidade de contrariar, de repor condições que foram retiradas nos últimos anos. Acho que isso tem que ser feito com com cabeça, com programação. Os riscos de derrapagem existem sobretudo se houver uma desaceleração da atividade económica. Tem de haver discernimento de fazer a gestão.
Por exemplo, a questão da Administração Pública é essencial no país. Grande parte dos problemas políticos atuais, da crise institucional, da própria demissão do governo deve-se à inexistência de uma Administração Pública com prestígio, com sentido de serviço público, que atue, que dê resposta. O recurso que o Estado faz atualmente ao outsourcing, comissões para isto e para aquilo, não se justifica.
Temos uma Administração Pública fragilizada?
Eu acho que a Administração Pública está profundamente fragilizada, desmotivada e, em muitos domínios, perdeu o sentido de serviço público. Tem que haver uma grande preocupação, seja qual for a solução governativa que vier a ser encontrada no pós-eleições, para atacar a fundo a questão da Administração Pública. E não é criar mais Estado ou menos Estado. É criar um Estado que seja eficaz, que seja competente e que seja capaz de fazer as coisas que são necessárias à sociedade, seja da gestão corrente, seja na modificação estrutural.
Indecisão sobre aeroporto é “expressão da crise política e institucional”
O envelhecimento da população vai trazer menos população ativa e uma maior despesa com pensões e saúde. O Conselho de Finanças Públicas divulgou recentemente um relatório sobre os principais riscos orçamentais onde aponta para um crescimento médio de 1,2% da economia portuguesa até 2037. Não é muito pouco para os desafios que o país enfrenta?
É uma perspetiva de crescimento muito baixa. O problema é que as perspetivas de crescimento para a Europa no seu conjunto também não são muito melhores. Na Ordem o que defendemos é um pacto para o crescimento, que deve abranger os partidos políticos, instituições económicas, os parceiros sociais, no sentido de ver o que é que nós podemos fazer para tentar, no fundo, promover uma trajetória de crescimento. É preciso uma visão de longo prazo.
Nós não podemos estar a discutir internamente questões do género do aeroporto. É dramático que, depois de nós termos uma Comissão Técnica Independente, que ao longo de um ano andou a discutir onde é que se deveria situar o novo aeroporto, haja quem faça uma nova comissão técnica para analisar os resultados da comissão técnica. O próprio Governo diz que o relatório ainda permite todas as decisões. É a expressão da crise política e institucional que estamos a atravessar, esta incapacidade ou este medo de decidir. Eu acho que é mais um medo de decisão do que propriamente incapacidade de decisão. Quando a questão do aeroporto é uma questão mais do que estudada.
Ficou satisfeito com a recomendação do relatório da Comissão Técnica Independente, que aponta o Campo de Tiro de Alcochete como a solução com mais vantagens?
Sinceramente, eu não estava à espera de que a decisão fosse outra. A solução de Alcochete já tinha sido muito estudada. Do ponto de vista pessoal, com os elementos que eu tenho neste momento, diria que aquela que reúne mais condições efetivamente é Alcochete, do ponto de vista técnico, ambiental, dos custos.
Mas em relação aos custos, a ANA – Aeroportos de Portugal, aponta que Alcochete terá custos para os contribuintes.
Eu não conheço ainda o modelo de financiamento e é importante ver. Temos que fazer uma análise de custo-benefício. Quais são os benefícios que o país tira da existência do novo aeroporto da zona de Lisboa e quais são os custos para obter esses benefícios.
O benefício pode justificar um custo do novo aeroporto para os contribuintes.
Pode justificar. A análise já foi feita no passado e ela justificava precisamente o investimento no novo aeroporto.
A Confederação do Turismo de Portugal defende que o país precisava de uma solução mais rápida. O Montijo, entenda-se.
Eu tenho sérias reservas relativamente ao Montijo, mas percebo. A necessidade de alguma coisa nova é urgente, mas nós não devemos cair na tentação de, procurando resolver problemas imediatos e conjunturais, sacrificar opções de natureza estrutural que são fundamentais para sustentar o próprio crescimento do país a médio e longo prazo.
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Crise política deve-se “a Administração Pública sem sentido de serviço público”, diz bastonário da Ordem dos Economistas
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