António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, diz que é cedo para avaliar o trabalho dos bancos centrais no combate à inflação e assinala que o BCE está dependente das decisões da Fed.
“O BCE não é tão independente em matéria de política monetária como nós pensamos. É muito dependente daquilo que os Estados Unidos decidem”, assinala o bastonário da Ordem dos Economistas, que diz ser cedo para avaliar se os bancos centrais cumpriram bem o seu papel.
António Mendonça alerta que “os países desenvolvidos correm o risco de ser submergidos pela pressão das pessoas que chegam dos países com baixo nível de desenvolvimento“, pondo em risco as sociedades democráticas.
Por isso, defende “uma reformulação das relações económicas internacionais com o reforço de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Intencional, e que as agências de financiamento estejam mais ativas na promoção de projetos de investimento” nos países em vias de desenvolvimento.
Temos, por um lado, a boa notícia do alívio na inflação e até uma perspetiva de descida das taxas de juro. Por outro, temos a continuação dos conflitos na Ucrânia, na Faixa de Gaza e uma crise no imobiliário ainda não resolvida na China. A economia mundial vai ser mais desafiante em 2024?
Vai ser muito mais complexo, a vários níveis. Há aqui um elemento que temos que reforçar, que é a necessidade de cooperação. Eu vim agora de uma conferência da International Economic Association, da qual a ordem faz parte e que agrupa muitas organizações de economistas e académicas, em que foi apontada precisamente esta necessidade de reforçar a cooperação internacional. Instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as próprias Nações Unidas têm que pensar também a fundo em termos da reorganização das regras da economia mundial, que hoje estão completamente postas em causa a vários níveis.
A que níveis?
Em primeiro lugar, fazer face ao problema da relação entre países ditos desenvolvidos e países em desenvolvimento ou com baixos níveis de desenvolvimento. As situações estão a ficar explosivas do outro lado do mundo. É importante também levar para lá o desenvolvimento, fatores de crescimento. Porque senão os países desenvolvidos correm o risco de ser submergidos pela pressão das pessoas que chegam dos países com baixo nível de desenvolvimento. É importante haver aqui uma reformulação das relações económicas internacionais com o reforço de instituições como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, que as agências de financiamento estejam mais ativas na promoção de projetos de investimento específicos.
Pensar estrategicamente é fundamental e neste momento há um défice de pensamento estratégico, seja nos planos nacionais seja das instituições internacionais.
Porque corremos o risco de se gerarem vagas migratórias insustentáveis.
Já estamos a sofrer, isso. Corremos o risco de se acentuar até limites que podem ser insuportáveis até para o funcionamento das sociedades mais avançadas e do próprio funcionamento dos regimes democráticos dessas sociedades. Pensar estrategicamente é fundamental e neste momento há um défice de pensamento estratégico, seja nos planos nacionais seja das instituições internacionais.
Com a fratura crescente que vamos vendo entre blocos, com os Estados Unidos de um lado e a China do outro, não há o risco de ser cada vez mais difícil um entendimento e essa perspetiva estratégica global?
Há. O risco é enorme. Agora, isso não significa que nós não tentemos remar contra a maré. Esse é o papel das agências internacionais. Passámos por outras situações ainda mais dramáticas, grandes crises, guerras, etc. Conseguimos resolver com a cooperação. As lições da Segunda Guerra Mundial julgo que são importantes. O desenvolvimento da Europa teve muito a ver com o que foi acordado. Há uma tendência para o fracionamento, para a criação de blocos, de rivalidades entre esses blocos. Acho que é importante trabalhar para tentar encontrar denominadores comuns que possam construir uma alternativa para o futuro.
A economia da Zona Euro já estará a atravessar uma recessão que se espera curta e ligeira. Ainda assim, a presidente do BCE afirmou na última reunião que não foi discutida uma descida dos juros, ao contrário do que aconteceu na Reserva Federal. Há o risco de que venha a atuar demasiado tarde?
Com Mario Draghi havia claramente uma orientação de natureza estratégica, que foi extremamente positiva para salvar o próprio euro. Sou daqueles que tem uma admiração imensa pelo Mario Draghi. Teve de alguma forma o papel do banqueiro central americano Marriner S. Eccles, que nos anos 30 atuou contra aquilo que eram as referências dominantes da época, que eram fundamentalmente o padrão ouro.
Lagarde começou no início por seguir as pesadas do Draghi e parece que recentemente infletiu. Mas repare, o BCE não é tão independente em matéria de política monetária como nós pensamos. É muito dependente daquilo que os Estados Unidos decidem, porque nós vivemos num espaço de liberdade no movimento de capitais e, portanto, quem determina o nível das taxas de juro é a economia americana, que é mais forte do que o euro.
Percebe-se uma perda de sentido estratégico da própria Europa, que anda a reboque daquilo que for a decisão americana.
O BCE tem de ir a reboque.
O BCE de certa maneira tem que ir um bocado a reboque, sob pena de haver aqui movimentos de capital que podem pôr em causa a estabilidade da economia europeia. Percebe-se uma perda de sentido estratégico da própria Europa, que anda a reboque daquilo que for a decisão americana.
Os bancos centrais foram muito criticados pelos governos, incluindo o português, pela subida das taxas de juro. A subida muito agressiva, mas a inflação está de facto a descer. Diria que, no fim do dia, os bancos centrais acertaram na fórmula?
À partida, olhando para aquilo que está a acontecer, eu teria algumas reservas, mas também sou suficientemente aberto para ver o que vai acontecer no final do próximo ano e reconsiderar. Posso chegar à conclusão de que estão certos, mas para já tenho algumas dúvidas sobre isso.
Considera que a subida foi demasiado violenta.
Foi demasiado violenta. Não é uma inflação pelos custos, pelos salários, não tem nada a ver com isso. Tem fatores mais de oferta, com a incapacidade da oferta em acompanhar a retoma económica que ocorreu depois da covid. E depois o preço dos produtos energéticos e dos produtos alimentares não transformados que subiram substancialmente.
Há depois efeitos de segunda ordem.
Evidente que há efeitos de segunda, terceira ordem. Mas o detonador foi outro. Repare, combater o aumento dos preços energéticos também tem a ver com as estruturas de mercado a nível internacional, poderes de monopólio, ações de natureza política que importa pôr na equação. Não é pura e simplesmente dizer que são os salários mais elevados que estão a provocar a inflação. É estar a atacar a parte mais fácil e não propriamente aquilo que é a substância do problema.
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