António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, critica a falta de diálogo na revisão dos estatutos e diz que as ordens levaram com eles "pela goela abaixo".
O bastonário da Ordem dos Economistas é muito crítico do processo de revisão dos estatutos, que diz ter sido “mal feito do princípio ao fim” e com “um objetivo preciso e claro de diminuir, senão mesmo destruir, o papel que as ordens têm na sociedade portuguesa”.
António Mendonça, que é presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais, contesta a existência de uma maioria de membros externos no Conselho de Supervisão e que os memos tenham de ser académicos. No caso da Ordem dos Economistas, está contra a criação da figura do provedor, que diz ser redundante com a do bastonário.
Discorda também da inclusão da revisão dos estatutos nas medidas necessárias para o país receber os desembolsos do dinheiro do PRR. “Tenho as maiores dúvidas que essa tenha sido efetivamente necessária”.
Faz dois anos que foi eleito bastonário da Ordem dos Economistas. Que balanço faz do mandato até ao momento?
Esse balanço em primeiro lugar tem que ser feito pelos membros da Ordem. O balanço que eu faço pessoalmente é positivo. Julgo que a ordem se reforçou, se afirmou. Hoje é uma instituição de referência, chamada para as mais diversas iniciativas, incluindo pelos poderes públicos. A Ordem, como sabe, não é uma instituição obrigatória. As pessoas não têm que se inscrever para exercer as atividades normais, têm que se inscrever para serem reconhecidas com o título de economistas. Há também uma preocupação em garantir que o exercício profissional enquanto economista é feito na base de rigorosos princípios éticos.
A revisão dos estatutos da Ordem foi o principal desafio que enfrentou?
Foi. E foi praticamente este ano todo e parte do ano anterior também.
Que balanço faz do resultado final?
Todo o processo foi mal feito do princípio ao fim. Acho que houve aqui um objetivo preciso e claro de diminuir, senão mesmo destruir, o papel que as ordens têm na sociedade portuguesa. E nem sequer houve a preocupação de tratar as ordens na sua diversidade, nas suas características próprias. Fez-se uma discussão transversal e as ordens são muito diferentes e têm papéis muito diferentes. Umas são herdeiras de instituições que já vêm muito de trás, que evoluíram, outras nasceram recentemente. A Ordem dos Economistas tem 25 anos. Agora, o que as ordens têm em comum? São instituições que emanam diretamente da sociedade civil e, portanto, qualquer governo deve ter a preocupação de trabalhar com as ordens, de discutir, porque as ordens agrupam à volta de 500 mil membros que são os mais altamente qualificados do país.
Têm que ser mobilizados no sentido de dar o seu contributo para a sociedade e não serem tratadas meramente como instituições que podem ser corporativas, que querem defender os interesses imediatos. A preocupação fundamental é a defesa do interesse público e garantir que não se vende gato por lebre na sociedade.
Mas também não é, de facto, um instrumento de restrição no acesso à profissão?
Não, de forma alguma. A Ordem dos Economistas impede de aceder à profissão? O que as ordens procuram é introduzir regras, precisamente como estava a dizer, digamos, de garantir que a competência e a qualidade que a ética no exercício profissional. Quantas pessoas não exercem a profissão por ação das ordens?
Em primeiro lugar têm que ser as instituições de ensino que têm de garantir a competência e a formação, mas depois há a prática.
Em Portugal, por exemplo, ninguém é médico sem estar inscrito na Ordem dos Médicos.
Eles têm essa característica. A Ordem dos Economistas e outras não têm. Mas você aceitava ser operado por um médico que não fosse reconhecido pelos seus pares como competente?
A partir do momento em que uma instituição de ensino diz que aquele senhor é formado como médico, tem as competências necessárias e experiência.
Eu estou de acordo com isso. Em primeiro lugar têm que ser as instituições de ensino que têm de garantir a competência e a formação, mas depois há a prática. Eu tenho até pessoas nas minhas relações que são licenciadas em medicina mas que nunca exerceram. Agora não é de um momento para o outro que a pessoa pode dizer: “a partir de agora vou por aqui um letreiro e sou médico”. Isto para os médicos, os advogados ou outra profissão qualquer. A ordem também tem o papel de acompanhar o percurso profissional dos seus membros.
Na Ordem dos Economistas, uma das modificações estatutárias que é positiva foi o alargamento das categorias de membros. Antes nós tínhamos membros estagiários e membros efetivos. Agora nós acrescentámos a categoria de membros estudantes, já para criar o espaço de relacionamento dos futuros economistas com a classe profissional, mas também dentro dos efetivos introduzimos as categorias de membro sénior, para quem tenha 15 anos de experiência profissional comprovada, e membro conselheiro para quem tenha um mínimo de 25 anos. A preocupação é, também perante a sociedade, fazermos uma avaliação daquilo que é a experiência profissional dos membros.
O que é que ficou nos estatutos que discorda frontalmente?
Há princípios que estão mal aplicados. Vou-lhe dar um exemplo. Nós temos até agora na Ordem dos Economistas um Conselho de Supervisão e Disciplina, que é conjunto com membros da Ordem. Agora vamos ter obrigatoriamente uma maioria de membros externos ligados à academia. Nós nunca recusámos a ter membros externos nos órgãos de gestão.
Mas não a maioria.
Não é só uma questão de maioria. Em vez de ser um membro académico porque não é um representante, por exemplo, do meio empresarial? E, depois, no nosso caso, há listas que nós temos que fazer para os órgãos. Não estou a ver membros externos a estarem numa lista ou outra a concorrer às eleições. Era muito melhor posteriormente às eleições haver uma proposta dos órgãos internos à assembleia representativa para os membros externos. Aí está uma coisa mal feita.
E tenho sérias reservas que a maioria sejam membros externos. Ligado a isso há também a criação de uma figura do provedor, que nalgumas ordens já existia, mas que era facultativa. O provedor é uma figura completamente externa e, no fundo, é uma substituição daquilo que é o papel do bastonário. Os bastonários da Ordens já são os provedores dos utilizadores finais, portanto, não faz sentido. No nosso caso, que não temos órgãos remunerados, é o único órgão que estatutariamente o vai ser.
Depois a ligação às verbas do PRR, que eu tenho as maiores dúvidas que essa tenha sido efetivamente necessária. Eu não sei se foi a Europa que exigiu, se foi o próprio Governo português que disse ponha aí e depois nós internamente fazemos aquilo que queremos.
Na revisão estatutária que ocorreu em 2015, por exemplo, as ordens fizeram os seus estatutos e propuseram. Agora nós levámos com os estatutos pela goela abaixo. Não tivemos praticamente tempo de refletir sobre eles e as alternativas que foram propostas na sua parte substancial não foram consideradas.
Mas é uma velha reivindicação. Vem do tempo da troika.
Sim, mas a realidade é que nunca foi posta em prática.
Foi sempre defendida pela Comissão Europeia.
Mas podia ser feita doutra maneira. Na revisão estatutária que ocorreu em 2015, por exemplo, as ordens fizeram os seus estatutos e propuseram. Agora nós levámos com os estatutos pela goela abaixo. Não tivemos praticamente tempo de refletir sobre eles e as alternativas que foram propostas na sua parte substancial não foram consideradas.
O Presidente da República promulgou vários estatutos e vetou outros. Preferia que tivesse vetado também o da Ordem dos Economistas?
Não nos sentimos desconfortáveis com a decisão que ele tomou. Eu queria elogiar a atitude do Presidente da República porque ele teve uma reunião com todas as ordens, mesmo as que não pertenciam ao Conselho Nacional das Ordens Profissionais, logo em março. Após a aprovação pela Assembleia da República também tivemos uma reunião. O senhor Presidente da República avaliou cada ordem em particular. Houve promulgações puras, houve vetos e chamadas de atenção para rever os estatutos numa próxima oportunidade.
O dia da votação é surrealista, quando quer o partido maioritário quer a generalidade dos partidos diz que aquilo tinha sido um processo que não era digno da tradição das instituições democráticas em Portugal. E eles próprios disseram que tinha de ser revisto, o que é inconcebível.
Todo o processo foi mal conduzido. Inicialmente a proposta de revisão geral invertia dois pontos em relação às atribuições das ordens. Em primeiro lugar aparecia a defesa dos interesses dos membros e só depois a salvaguarda dos interesses dos utilizadores finais. Isso é que justificava dizer que as ordens eram corporativas. Foi alterado, felizmente.
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