António Mendonça Mendes, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, aponta o dedo ao Presidente da República. A demissão de Costa não obrigava à dissolução do Parlamento.
António Mendonça Mendes foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, desde novembro de 2022, passou a ser secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro. Em entrevista exclusiva ao ECO, é contido nas palavras, mas o alvo é claro na origem da crise política. “Acharmos que podemos colocar como pré-condição para a manutenção do Parlamento a decisão pessoal de uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja o primeiro-ministro, e estou a falar em termos teóricos, não me parece que seja um critério que devamos aceitar como a generalidade da opinião pública foi aceitando.“.
António Mendonça Mendes, afinal, um Governo de maioria absoluta não é garantia de estabilidade política.
A estabilidade política não é um bem em si mesmo. A estabilidade política é relevante se for a estabilidade de políticas. É aquilo que eu acho que o país beneficiou muito nos últimos oito anos foi precisamente da estabilidade das políticas, políticas essas que deram bons resultados.
Já lá vamos aos resultados das políticas. Mas quando hoje sinaliza os oito anos de governação, dividido em três ciclos, a geringonça de quatro anos, uma geringonça instável de dois anos e uma maioria absoluta que tinha condições para ser estável, mas caiu, a fonte de instabilidade não foi o próprio Governo e o próprio primeiro-ministro?
Nos últimos oito anos, o PS foi impedido de governar duas vezes. Por duas vezes foram interrompidos os mandatos dos governos do Partido Socialista, e esse é o facto. Durante quatro anos houve uma maioria parlamentar de esquerda, durante dois anos houve um Governo já sem acordos formais no Parlamento, mas que foi impedido de prosseguir o seu rumo com chumbo do Orçamento de Estado. E agora…
E agora, foi impedido por quem?
Os factos são conhecidos…
Mas a leitura dos factos não é consensual.
Os factos resumem-se no seguinte: Há um primeiro facto que é a demissão do primeiro-ministro, uma decisão que teve a ver única e exclusivamente com o tema da ética republicana, para preservar a função. Depois há outra decisão do senhor Presidente da República, que dissolveu o Parlamento. São duas coisas distintas.
O primeiro-ministro demite-se apenas por causa de um parágrafo [de um comunicado da PGR que revela um inquérito judicial que lhe é dirigido] ou a ética republicana também resultou da acumulação de casos, do ano anterior e, obviamente, de ter o chefe do chefe de gabinete detido e o seu melhor amigo detido?
O primeiro-ministro tomou uma decisão que comunicou primeiro ao Presidente da República e depois ao País. Foi uma decisão muito clara, foi tomada, do meu ponto de vista, com um grande sentido de ética republicana, com grande desprendimento relativamente ao poder e com grande sentido de Estado.
Portanto, separa os dois momentos na avaliação da crise política que o país vive?
Do ponto de vista constitucional, o Governo responde perante a Assembleia da República, não responde perante o Presidente da República. E, portanto, a dissolução do Parlamento é um poder que assiste ao Presidente da República, nas circunstâncias e no critério que o Presidente da República entende. A nossa História, do ponto de vista constitucional, quer com o general Ramalho Eanes, quer com o Dr. Mário Soares, quer com o Dr. Jorge Sampaio, quer mesmo que o professor Aníbal Cavaco Silva, foi sempre a de esgotar todas as hipóteses de estabilidade dentro do Parlamento para tomar uma decisão de dissolução do Parlamento. A demissão do primeiro-ministro e a demissão do Governo não implicam a dissolução da Assembleia da República. A dissolução é uma exclusiva responsabilidade de decisão do Presidente da República.
O primeiro-ministro António Costa já se arrependeu da decisão de se demitir?
Terá que fazer essa pergunta ao primeiro-ministro, mas acho que [António Costa] foi muito claro na forma como anunciou ao país o motivo pelo qual saía do cargo…
Mas concorda essa decisão?
…Fê-lo com sentido de ética republicana, que eu acho que a generalidade dos portugueses reconhece ao primeiro-ministro que é uma pessoa que, ao longo dos últimos 30 anos, serviu nos mais diversas posições o país, e penso que sempre serviu bem.
Mas percebe a decisão? Deixaram de existir condições políticas para se manter em funções?
Eu respeito a decisão do primeiro-ministro, não vale a pena estarmos a falar dessa decisão. E tenho a certeza que a história assim olhará para este momento.
Na sua avaliação, depois do que tinha dito ao país sobre as condições em que dissolveria o Parlamento, o Presidente da República tinha condições políticas para permitir que o PS indicasse Mário Centeno sem ir a eleições?
Vamos ser claros. Eu penso que não devemos dramatizar excessivamente as situações e a minha análise é a de quem acompanha a vida política há muitos anos, de quem também é jurista, também teve a sua formação em Direito Constitucional… Todos nós temos sido demasiado benevolentes com a ideia de que a dissolução da Assembleia da República é algo que se pode fazer por critério pessoal. Não, a dissolução da Assembleia da República não se faz por critério pessoal, mas, naturalmente, por um critério de avaliação política.
Nas eleições legislativas elegemos 230 deputados e esses 230 deputados merecem, todos, o mesmo respeito. A eleição legislativa é uma eleição do Parlamento. A dissolução do Parlamento tem acontecido sempre ao longo da nossa história constitucional quando os Presidentes da República consideram que, dentro das maiorias formadas no Parlamento, não há condições de governabilidade. Ou então, no caso da dissolução decidida pelo Dr. Jorge Sampaio, foi depois de ter dado hipótese à maioria parlamentar de gerar uma solução governativa que considerou que não estava em sintonia com aquilo que era a realidade do país. Toda a nossa tradição, do nosso sistema democrático e do nosso sistema constitucional é no sentido de que a centralidade está no Parlamento, e é o Parlamento que gera os governos. Portanto, acharmos que podemos colocar como pré-condição para a manutenção do Parlamento a decisão pessoal de uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja o primeiro-ministro, e estou a falar em termos teóricos, não me parece que seja um critério que devamos aceitar como a generalidade da opinião pública foi aceitando.
A decisão que é tomada de dissolução na Assembleia da República vincula exclusivamente o Presidente da República que decidiu.
Vamos ser claros. Eu penso que não devemos dramatizar excessivamente as situações e a minha análise é a de quem acompanha a vida política há muitos anos, de quem também é jurista, também teve a sua formação em Direito Constitucional… Todos nós temos sido demasiado benevolentes com a ideia de que a dissolução da Assembleia da República é algo que se pode fazer por critério pessoal. Não, a dissolução da Assembleia da República não se faz por critério pessoal, mas, naturalmente, por um critério de avaliação política.
A crise política deve-se ao Presidente da República?
O Presidente da República decidiu dissolver a Assembleia da República, e esse é o facto. Tem essa legitimidade, porque é um poder que lhe assiste, e tem essa legitimidade, explicando os critérios que entende que foram adequados para tomar essa decisão, pois podemos concordar ou discordar com a decisão. Agora, o que é um facto é que havia um parlamento com uma maioria parlamentar que foi dissolvido.
Se sair um Governo instável das eleições de 10 de março, a responsabilidade cabe ao Presidente da República?
Eu não gostaria de colocar as coisas nessas circunstâncias, porque a vida política tem muito a ganhar com a tranquilidade… Com a tranquilidade com que aceitamos as críticas e com que discutimos as decisões de cada um, porque isso não implica menor respeito pela decisão que é tomada… Agora, evidentemente que a partir do momento em que se dissolve um Parlamento que tem uma maioria estável, aquilo que todos nós esperamos é que possa ser gerada uma maioria estável.
Mário Centeno era uma solução que daria a estabilidade pretendida, desde logo dentro do PS?
Eu não vou discutir cenários noticiados…
…foi o primeiro-ministro que o noticiou.
Acho que o que é importante é podermos olhar para o futuro e é no futuro que devemos estar concentrados.
A Procuradoria-Geral da República e a procuradora fizeram bem em escrever um parágrafo que revelava a existência de um inquérito ao primeiro-ministro?
Eu não vou fazer nenhum comentário sobre sobre essa matéria. Penso que muito já tem sido dito sobre o assunto e não quero acrescentar mais.
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“Nos últimos oito anos, o PS foi impedido de governar duas vezes”
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