António Mendonça Mendes, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, alerta que o país não pode voltar para trás no objetivo de redução do peso da dívida pública.
António Mendonça Mendes foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, desde novembro de 2022, passou a ser secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro. Em entrevista exclusiva ao ECO, defende o legado económico de oito anos de governação do PS e acusa o PSD de ser o maior risco para o equilíbrio das contas públicas. Recusa-se a comentar se o Estado tem condições para devolver o tempo integral de serviço aos professores, uma promessa de Pedro Nuno Santos, mas alerta que sempre há um aumento de despesa, tem de haver uma contrapartida em mais receita. E insiste na necessidade de manter o objetivo de redução do peso da dívida pública no PIB.
O próximo Governo deve manter o objetivo de acelerar a redução da dívida pública em percentagem do PIB?
Já lá vamos à redução da dívida pública, mas vamos começar ao contrário. O resultado da dívida pública, assim como o resultado orçamental, não são um princípio, são mesmo o fim, porque são resultado das políticas. A partir de janeiro, o que é que o novo ano nos reserva? Reserva-nos um aumento salarial nacional de 760 euros para 820 euros, reserva-nos um aumento do abono de família em 22 euros, aumentos na função pública entre 3% e 5%. gratuitidade dos passes dos estudantes até aos 23…
Um verdadeiro eleitoralismo.
…Uma enorme diminuição de impostos através da entrada em vigor do IRS. E as medidas do orçamento foram apresentadas numa altura em que não se vislumbrava haver eleições. Nós vamos começar o ano com boas notícias. Os pensionistas vão ter aumentos de 6% e vamos ter aumentos nas pensões ao mesmo tempo que o Relatório de Sustentabilidade Financeira da Segurança Social mostra que entre 2015 e 2023 aumentámos em 40 anos a sustentabilidade do nosso sistema.
Há um relatório de sustentabilidade de uma comissão técnica que só vai ser divulgado depois das eleições.
Não dará seguramente resultados diferentes daqueles que estão no relatório anexo ao orçamento de 2024. O robustecimento que tivemos do nosso sistema de segurança Social decorre precisamente do aumento das contribuições sociais. Aliás, muitas vezes se demoniza aquilo que é a imigração e os nossos imigrantes têm contribuído de forma muito excedentária para a sustentabilidade da Segurança Social. Estamos a aumentar as prestações sociais ao mesmo tempo que conseguimos equilibrar as contas públicas e reduzindo o rácio da dívida pública.
O saldo orçamental equilibrado que temos, a redução da dívida que vamos ter para baixo dos 100%, são conquistas enormes dos portugueses. Repare que ainda agora se aprovaram as novas regras orçamentais e nós já não estamos no clube daqueles que têm que fazer o maior esforço de diminuição da despesa, estamos dentro daquele grupo que já tem um nível de dívida pública que é mais sustentável. Portanto, acho que este ciclo foi muitíssimo importante, com muito bons resultados para os portugueses, e não podemos voltar para trás.
Pedro Nuno Santos admitia que Portugal poderá prosseguir um ritmo de redução do peso da dívida mais lento, para responder a necessidades como a do tempo de serviço dos professores.
O maior risco para o equilíbrio das contas públicas é uma maioria de direita no Parlamento. A maior garantia de equilíbrio das contas públicas e mesmo de uma maioria de esquerda.
Porquê?
Eu digo porquê. Nunca a direita conseguiu os resultados orçamentais que a esquerda conseguiu. Entre 2015 e 2019, conseguimos evoluir de uma situação em que estávamos em procedimento de défice excessivo para uma situação de excedente orçamental e esse caminho continuou entre 2019 e 2022. É, portanto, a maior garantia da política de quotas certas e mesmo de uma maioria de esquerda. A direita nunca conseguiu ter equilíbrio das contas públicas, apesar de todos os ciclos governativos ter aumentado impostos e cortado na despesa.
O Governo PS, nos últimos oito anos, cativou mais que o Governo que herdou a bancarrota que o PS deixou em 2011.
Sobre as cativações, queria sugerir-lhe uma coisa… Até vou cometer uma inconfidência que espero que o João Leão [antigo ministro das Finanças] não se importe. Quando o João Leão saiu de ministro das Finanças, ofereci-lhe um livro de que gosto muito, ‘O Principezinho’. E há uma parte fabulosa, que é quando se pede para cativar é que se explica o que cativar. Portanto, as cativações orçamentais não são necessariamente o demónio que a direita quer dizer, porque essas cativações não foram mais do que a gestão orçamental prudente e sempre que foi necessário descativar para acorrer a terminar a despesa, ela foi feita. Mais: Eu quero pôr o tema dos serviços públicos e o tema do dinheiro. Estivemos a poupar, tivemos resultados orçamentais, mas depois temos serviços públicos como estão. Eu acho esse raciocínio errado.
Porquê?
O Serviço Nacional de Saúde teve um crescimento no seu orçamento de mais de 70% entre 2015 e 2024, hoje todos concordamos que o problema central do Serviço Nacional de Saúde não é um problema de financiamento.
Não sei se os médicos concordam e se o ministro da Saúde concorda.
Repare, o primeiro problema resolvido durante estes oito anos ao nível da saúde: Acabou a suborçamentação crónica da saúde. Acabou. Os serviços de saúde têm os meios financeiros necessários, o que é preciso é uma reforma da sua organização, que é, aliás, uma reforma que está em curso, com várias dimensões, como a separação entre aquilo que é a definição de políticas e aquilo que é a gestão operacional do serviço e a sua gestão em rede, porque não é expectável que nos próximos oito anos o país tenha capacidade de fazer crescer em mais de 70% o orçamento do SNS. Aí está um bom exemplo como alocamos recursos e os recursos financeiros permitiram os resultados.
Quais resultados?
Tem mais consultas, mais cirurgias, mais episódios de urgência atendidos. Agora, se temos que melhorar, claro que temos, não há dúvidas sobre isso.
Quem afirmou que o SNS passaria em novembro pela pior momento de capacidade de resposta da sua história às necessidades dos portugueses foi o gestor executivo do SNS, Fernando Araújo.
Esta altura do ano é sempre na altura muito critica, há uma maior afluência normal ao sistema. A frase do professor Fernando Araújo não é sequer contraditória com aquilo que estou a dizer. Nós alocámos mais recursos financeiros, com mais recursos financeiros, temos mais 25% de recursos humanos, e é óbvio que tem que haver uma melhor organização.
Desde o professor Correia de Campos que se criaram as unidades de saúde familiar, ou seja, as pessoas passaram a ter não só médico de família, é o médico, é o enfermeiro, são os assistentes, todos os profissionais de uma equipa do centro de saúde que se juntam e que, em função daquilo que são as necessidades daquela comunidade, fazem o seu projeto de saúde com indicadores objetivos e, cumprindo esses objetivos, recebem mais, são incentivos bastante incentivadores. O que queremos é que, ao nível dos hospitais, seja feito exatamente o mesmo modelo, quer nas equipas de urgência, quer nas equipas Medicina Interna, quer noutro tipo de especialidades, se possam fazer os Centros de Responsabilidade Integrada. Essa reforma está em curso, é uma reforma de maior importância que não devemos perder tempo.
Ainda não respondeu sobre a prioridade à dívida pública, mas noto que o Governo descobriu ao fim de oito anos as virtudes das reformas. Já falou da reforma da habitação, agora da saúde. E o primeiro-ministro até tido dito que não gostava da palavra “reforma”.
Este Governo tem tido uma força tranquila, que permite mudar aquilo que tem que ser mudado. Não há maior transformação estrutural neste país do que a centralidade que foi dada aos rendimentos, ao aumento do rendimento disponível das pessoas. É preciso melhorar ainda mais? Claro que é. Os problemas não se resolvem todos de uma só vez, porque as reformas em Portugal têm sido conotadas com algo desestabilizador, que coloque pessoas na rua, que coloque manifestações. Não, não é assim. As coisas são feitas de forma tranquila e esta alteração que se está a fazer no Serviço Nacional de Saúde está planeada, estudada, com meios. Não é construir castelos na areia, sabe? Um dos problemas que leva todos os professores a manifestarem-se é uma enorme frustração legítima que têm pela irresponsabilidade de governos anteriores que prometerem uma coisa que não era possível. Nada me vale fazer uma grande carreira hoje para que, daqui a dez anos, as pessoas digam “afinal, fui enganado, porque, afinal, o país não tem capacidade de sustentar esta carreira”. Fazer alterações organizacionais implica termos a certeza de que o que estamos a fazer tem sustentabilidade.
Então, o Estado tem capacidade de, no futuro, devolver todo o tempo de serviço congelado aos professores?
Eu percebo a pergunta que me está a colocar, aguardemos pelos programas eleitorais, mas há uma coisa que me parece hoje muitíssimo evidente. Portugal tem boas condições em termos de finanças públicas, conseguiu equilibrar o nível de despesa com nível de receita, e isso permite, para quem tem que decidir, tomar as melhores opções. Sempre que estou a aumentar despesa, tenho que garantir os correspondentes impostos para pagar essa despesa. É nessa compatibilização entre a decisão que tenho que tomar ao nível das receitas e as decisões que tenho que tomar relativamente às despesas que, depois, tenho tomar as várias decisões. Agora, a possibilidade de Portugal ter adquirido o estatuto de poder escolher e ter voltado a ter a liberdade de escolha das suas políticas públicas é um legado importante dos últimos oito anos.
Portugal tem boas condições em termos de finanças públicas, conseguiu equilibrar o nível de despesa com nível de receita, e isso permite, para quem tem que decidir, tomar as melhores opções. Sempre que estou a aumentar despesa, tenho que garantir os correspondentes impostos para pagar essa despesa. É nessa compatibilização entre a decisão que tenho que tomar ao nível das receitas e as decisões que tenho que tomar relativamente às despesas que, depois, tenho tomar as várias decisões.
Nesse sentido, é importante continuar esse objetivo de redução do peso da dívida ou podemos parar por aqui porque já estamos numa posição confortável?
Em termos económicos, diria que o país está numa situação de dívida pública bastante tranquila se não tiver a dívida pública acima de 60%, 70%. Acima de 70%, a aproximar-se muito rapidamente dos 100%, aí tem um problema. isto é muito simples. Portanto, em relação ao futuro, a dívida pública deve-se manter num rácio relativamente à riqueza que seja comportável. Evidente que a riqueza tenderá a aumentar, mas é bom que a dívida nominal também não vá aumentando à mesma proporção.
Portanto, o trabalho de redução do peso da dívida não está terminado?
Nós não nos podemos cansar de cumprir. Para nós, o equilíbrio orçamental é fundamental para garantir as políticas públicas do presente e do futuro e, portanto, esse equilíbrio orçamental, enquanto existir, contribui para a diminuição da dívida e a diminuição da dívida, enquanto for existindo, vai libertando recursos para as políticas públicas.
É um risco nos próximos quatro anos?
Vou voltar a repetir aquilo que disse há pouco. O maior risco para a estabilidade das contas públicas é a existência de uma maioria de direita. Acho que podem estar estar muito tranquilos relativamente a uma governação do Partido Socialista, relativamente àquilo que é a conjugação que fizemos nos últimos oito anos entre o equilíbrio das contas públicas e o investimento no rendimento das pessoas, nos serviços públicos.
Vai ser possível fechar o ano de 2023 com o rácio dívida pública inferior a 100%?
Como sabe, só em fevereiro é que saem esses dados…
O Governo está a trabalhar para esse objetivo?
Nessa altura, veremos qual é o valor final. Aquilo que é o valor neste momento é o que está inscrito no Orçamento de Estado [cerca de 101% do PIB], estamos ali a atingir aquele marco histórico de poder chegar abaixo dos 100%, veremos quando. O que é relevante é exatamente o sinal de confiança que se dá ao país, um sinal de superação coletiva.
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Reduzir peso da dívida? “Não nos podemos cansar de cumprir”
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