António Mendonça Mendes, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, antecipa a saída de Luís Montenegro e um acordo do PSD com o Chega se tal for necessário. E defende o papel do PCP.
António Mendonça Mendes foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, desde novembro de 2022, passou a ser secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro. Em entrevista exclusiva ao ECO, o governante defende a herança da geringonça entre 2015 e 2019, mas recusa fazer comentários sobre cenários futuros. Mas arrisca fazer cenários futuros sobre o PSD. “Já que me põe na situação de comentar o futuro, diria que o mais provável é o PSD desenvencilhar-se do seu líder, arranjar um líder novo e tratar do assunto que tem que tratar. Eu não tenho dúvidas nenhumas sobre isto: O PSD, se tiver hipóteses de governar e para governar tiver que governar com o Chega, assim o fará. Não tenho dúvidas sobre isso“. Sobre o seu futuro político, deixa a resposta para depois do congresso do PS.
O modelo de geringonça é repetível?
Eu não vou fazer comentário político relativamente a cenários futuros. O que acho que devo registar é que os portugueses têm boas memórias da governação entre 2015 e 2019. Os portugueses, as instituições europeias, os investidores. Portugal teve excelentes resultados entre 2015 e 2019. A recuperação de rendimentos, o cumprimento de regras orçamentais… Quando entramos no Governo em 2015, uma maioria de esquerda, tinha a braços problemas muito sérios no sistema financeiro. E foram resolvidos. Tínhamos um problema gravíssimo com as regras orçamentais que não estavam a ser cumpridas, e um procedimento por défice excessivo e não houve sanções exatamente durante a nossa governação. O que me assusta não é uma maioria de Esquerda no parlamento, é uma maioria de Direita, porque é essa que põe em causa não é apenas o Estado social, é também aquilo que é a qualidade das nossas contas públicas, porque eles nunca foram capazes de fazer é que o que a esquerda foi capaz.
Historicamente, o PSD tem tido o trabalho de chegar ao poder para corrigir o que foi feito pelo PS.
Peço imensa desculpa, o Dr. Mário Soares liderou um governo em 1983, depois de um Governo da AD em que um dos ministros das Finanças foi o professor Cavaco Silva. Portanto, sobre bancarrotas e direita, a verdade histórica não é essa.
Disse que os portugueses têm boa memória da geringonça. Então, se o PS não ganhar as eleições e a esquerda tiver uma maioria, deve repetir o modelo e não viabilizar um governo minoritário do PSD?
Eu estou muito convencido que o PS vai ganhar as eleições. E não só estou convencido como estou bastante empenhado em que o PS ganhe as eleições.
E se não ganhar, que papel cabe ao PS na responsabilidade de evitar o Chega no Governo?
Vamos ver, o PSD não hesitou, quando perdeu as eleições dos Açores, em colocar o Chega na solução governativa, assim como aqui ao lado, em Espanha. É só olharmos o que é que aconteceu aos vários discursos do PP relativamente ao Vox e aquilo que fizeram em todas as comunidades autónomas em que tiveram que tirar a esquerda, no caso o PSOE, para poder governar.
Falemos de Portugal…
…não, não, mas é importante falar do estrangeiro para perceber o que é que se passa. Estamos a falar de governos autonómicos que, trazendo a extrema direita, proíbem peças de teatro, revertem direitos das pessoas LGBT. É dessa gente que estamos a falar e quem não se quer meter com essa gente nem sequer lhes dá troco.
Luís Montenegro foi muito claro ao afirmar que não fará qualquer acordo com o Chega.
O que acho que é importante é que o Chega é uma responsabilidade da direita…
Não é da esquerda, também?
Não. Quando eu vejo a Iniciativa Liberal, e mesmo o PSD começou mais timidamente, mas já vai seguindo, seguir o mesmo estilo, a mesma agressividade dos dirigentes e deputados do Chega têm…
Põe no mesmo plano a Iniciativa Liberal e o Chega?
O que eu vejo é que o estilo da Iniciativa Liberal mudou muito, aproximando-se muito daquilo que é o estilo do Chega naquilo que é a sua intervenção política…
E nas propostas?
Vamos ver, o Chega, no início do seu programa político, queria desmantelar o Serviço Nacional de Saúde. A Iniciativa Liberal, acho que o que defende é tal liberdade de escolha, e a liberdade de escolha acaba sempre no mesmo, que é o Estado a pagar. Essa é a parte que os liberais têm, depois, muita dificuldade em explicar. A liberdade de escolha que querem na saúde é o Estado a pagar a cada um para ir onde quiser no privado, mas, ao mesmo tempo, não querem impostos.
É a diferença entre um serviço público que é financiado pelo Estado, mas pode ser prestado pelo privado. As PPP na saúde era um serviço público prestado pelos privados.
Deixe-me fazer aqui um parêntesis. Eu acho legítimo haver outras opiniões e outros modelos, era o que mais faltava se não achasse. Pode haver outras opiniões e há outros modelos, é bom é depois discutirmos esses modelos a fundo.
Já que me põe na situação de comentar o futuro, diria que o mais provável é o PSD desenvencilhar-se do seu líder, arranjar um líder novo e tratar do assunto que tem que tratar. Eu não tenho dúvidas nenhumas sobre isto: O PSD, se tiver hipóteses de governar e para governar tiver que governar com o Chega, assim o fará. Não tenho dúvidas sobre isso.
Regressemos à política. Se o líder do PSD diz “eu só ficarei se ganhar as eleições e não farei nenhum tipo de acordo com o Chega, não cabe também responsabilidade ao PS permitir que o PSD governe sem o o Chega?
Já que me põe na situação de comentar o futuro, diria que o mais provável é o PSD desenvencilhar-se do seu líder, arranjar um líder novo e tratar do assunto que tem que tratar. Eu não tenho dúvidas nenhumas sobre isto: O PSD, se tiver hipóteses de governar e para governar tiver que governar com o Chega, assim o fará. Não tenho dúvidas sobre isso.
Mesmo que isso custe a demissão do seu próprio líder?
Nem que isso custe.. nestes anos todos, não sei quantos líderes tiveram, 19, 20, mas não terão muita dificuldade em fazê-lo. Não tenho a menor dúvida, depois do que vi nos Açores, que o farão e, aliás, temos um exemplo muito recente na Madeira. Na Madeira, o presidente do Governo Regional tinha dito que se demitiria se não tivesse maioria absoluta e, na noite das eleições, isso já não valia. Digo-lhe sinceramente, eu até acredito que o Dr. Luís Montenegro queira cumprir a sua promessa, o que acho, sinceramente, é que o PSD mais facilmente se desenvencilhará do seu líder se, para governar, o precisar de fazer e precisar do apoio de Chega. Aliás, o Chega é um produto do PSD…
Ou um produto do falhanço das políticas do PS e do chamado bloco central?
O doutor André Ventura era militante do PSD, e não era um militante qualquer, era mesmo candidato a uma câmara muito importante da capital. Em relação a essa candidatura, o CDS, honra lhe seja feita, teve a decência de retirar o apoio, mas o PSD não teve. E é este PSD, não é o outro PSD.
O PS não deveria fazer o mesmo em relação a um partido como o PCP, que apoia a Rússia?
As posições do PS e do PCP estão há muito separadas. Aliás, acho muito engraçado agora a Direita falar do 25 de novembro… O 25 de novembro é um produto de Mário Soares, das manifestações da Alameda, da Esquerda.
Mas parece que a esquerda tem vergonha do 25 de novembro.
Nenhuma, mesmo, e isso definiu bem a diferença entre o socialismo democrático, social democracia e aquilo que eram as intenções do Partido Comunista. Mesmo em 2015, quando se celebraram as posições conjuntas, tudo o que foram temas relativamente à defesa e política externa ficaram expressamente de fora, não há entendimento possível sobre sobre sobre essas matérias.
O PSD pode fazer o mesmo com o Chega…
Agora, não compare um produto instantâneo como é o Chega com um partido com a história do PCP. Eu discordo de muitas coisas do PCP, mas o PCP tem na sua história gravado o sangue e a vida de milhares e milhares pessoas que lutaram quando era muito difícil lutar pela democracia em Portugal. Eles lutaram como uns heróis…
…pelo fim da ditadura, porque o passo seguinte não foi exatamente defender a democracia.
Eu tenho muito respeito, histórico, pelo papel do partido comunista. E mais, tenho muito respeito pelo papel histórico que o Partido Comunista teve ao longo dos 50 anos de democracia, de procurar que a contestação social fosse dentro do marco da democracia. Eu não comparo porque é absolutamente incomparável e digo-lhe mais, acho que até é insultuoso para a democracia fazer esse fazer essa comparação. Agora, tenho divergências profundíssimas com o PCP. Do ponto de vista histórico, quer a unicidade sindical que queriam, quer o Estado mais estatizante. Discordo totalmente da posição que assumiram relativamente à guerra contra a Ucrânia, nem a consigo entender.
Mas isso não é suficientemente grave para levar o PS a fazer uma cerca também ao PCP?
Não vamos comparar o PCP com partidos que, objetivamente, são xenófobos e anti-sistema. É só ruído, são partidos que não dignificam as instituições.
E o seu futuro político, qual vai ser?
Não tenho nenhuma preocupação relativamente a isso.
Não participou na campanha interna do PS?
Eu não participei na campanha interna do PS, sou líder de uma federação distrital e entendi que, ao anunciar qualquer tipo de apoio, teria que me envolver na campanha interna. As funções que tenho no Governo são muitíssimo absorventes. Nesta conjuntura em particular, achei que deveria canalizar toda a minha energia nas funções governativas. Do ponto de vista político, aquilo que vou fazer no futuro mais próximo é participar muitíssimo ativamente na campanha do PS.
Vai integrar as listas ao Parlamento?
Percebo a questão, mas digo-lhe que depois do congresso se verá.
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