ACT já fez 861 participações ao Ministério Público sobre trabalho nas plataformas digitais

Inspetora-geral apresentou balanço provisório da ação da ACT em 2023, destacando que foram identificados 2.609 "alegados prestadores de atividade" em 16 plataformas.

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já fez quase 900 participações ao Ministério Público relativas ao potencial reconhecimento de vínculos de trabalho dependente entre os estafetas e as plataformas digitais. Este número foi avançado esta quinta-feira pela inspetora-geral Fernanda Campos, num balanço provisório do trabalho feito pela ACT ao longo de 2023.

“Fizemos até ao momento 861 participações ao Ministério Público“, adiantou a responsável, que revelou também que, no total, os inspetores da ACT identificaram, entre junho e dezembro, 2.609 “alegados prestadores de atividade” (isto é, estafetas) em 16 plataformas e 593 locais de trabalho (isto é, sítios com maior concentração de estafetas).

Na base destas ações da ACT, está a alteração ao Código do Trabalho, que entrou em vigor a 1 de maio e veio abrir a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores por conta de outrem das plataformas digitais, como a Glovo e a Uber Eats.

Ainda antes dessa mexida, a lei laboral já previa um mecanismo de presunção de contrato de trabalho, mas este não estava adaptado às características especiais da relação entre os estafetas e as plataformas.

Ora, numa altura em que em diversos países se discute se está em causa ou não uma relação de trabalho dependente, Portugal decidiu avançar com um mecanismo de presunção de contrato de trabalho específico, que determina que o estafeta pode ser considerado trabalhador dependente, caso sejam identificados indícios de subordinação. Por exemplo, se a plataforma fixar a retribuição ou tiver poder disciplinar, pode estar em causa um laço de subordinação.

A meio de novembro, a ministra do Trabalho anunciou no Parlamento que já tinham sido desencadeadas cerca de mil ações de reconhecimento de contratos de trabalho entre os estafetas e as plataformas digitais.

Esta quinta-feira, a inspetora-geral da ACT precisou que em 2023 foram feitas 1.133 notificações, neste âmbito. Porém, perante a recusa das plataformas em integrar os estafetas enquanto estafetas, estas ações estão agora a ser encaminhadas para o Ministério Público, a quem cabe “nos termos legais impulsionar a ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho“, explicou Fernanda Campos.

Em reação a estes dados, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, deixou claro que “não podemos permitir que as novas formas de trabalho sejam velhas formas de escravatura“. “A ACT é o grande agente que dá voz a milhares de pessoas, que tradicionalmente não têm voz”, salientou a governante.

Também o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, comentou estes dados, sublinhando que “há espaço para as plataformas“, mas é preciso que respeitem as boas práticas e “não nos tomem a todos por incautos” dizendo que estão em causa apenas prestadores de serviço, “o que não é certamente o caso”.

ACT quer fazer 50 mil visitas inspetivas em 2024

PAULO NOVAIS/LUSA PAULO NOVAIS/LUSA

Na sessão desta quinta-feira, a inspetora-geral da ACT aproveitou também para avançar os dados provisórios das demais ações realizadas ao longo de 2023 e destacar as metas para 2024.

No que diz respeito às visitas inspetivas, em 2023 a meta estava fixada em 40 mil, o que ficou alinhado com o efetivamente registado. Já em 2024 a intenção da ACT é fazer 50 mil visitas inspetivas. “Temos uma proposta ambiciosa para um objetivo de alcançarmos as 50 mil visitas inspetivas“, sublinha Fernanda Campos.

Por outro lado, quanto às entidades intervencionadas, a meta estava fixada em 26.200. No total, foram intervencionadas em 2023 28 mil entidades empregadoras, ou seja, superou-se a meta. Já para 2024 o objetivo é agora chegar a 35 empregadores intervencionados.

“Estamos absolutamente apostados — porque também temos a certeza que a equipa consegue fazer — em pelo menos atingir a meta de 35 mil entidades empregadoras intervencionadas pela ACT. Não queremos só estar com as empresas que estão no radar. Temos de ampliar a eficácia do radar. Temos de ser bastante assertivos e competentes”, defendeu a inspetora-geral.

Por outro lado, quanto aos trabalhadores abrangidos pelas ações da ACT, a meta para 2023 estava em 350 mil. Ora, os dados provisórios apontam para 300 mil abrangidos em 2023, mas Fernanda Campos sublinhou que estes dados ainda podem ser revistos. O objetivo para 2024 é agora chegar aos 400 mil trabalhadores abrangidos.

“Os trabalhadores são sujeitos de direitos e deveres. Quanto melhor informados estiverem, melhor exercem os seus direitos de cidadania“, sublinhou Fernanda Campos, que acrescentou ainda que em 2023 foram registados 37.700 procedimentos inspetivos e foram aplicadas 13.500 sanções.

Já quanto ao pessoal da ACT, é importante notar que, neste momento, há 44 dirigentes superiores e intermédios (de 44 vagas), 239 técnicos superiores (de 285 vagas), 455 inspetores do trabalho (de 493 vagas), 14 informáticos (de 22 vagas), 166 assistentes técnicos (de 204 vagas) e 25 assistentes operacionais (de 31 vagas).

“Nos inspetores de trabalho, nos últimos anos tem havido um investimento enorme no treino e capacitação de novos inspetores“, notou a inspetora-geral, reconhecendo, ainda assim, que há margem para crescer (visto que há ainda vagas por preencher).

Por outro lado, a sessão desta quinta-feira serviu para dar conta da transformação digital em curso na ACT, que visa, nomeadamente, tornar o trabalho mais eficiente, libertar recursos e prestar um melhor serviço aos cidadãos e às empresas, enumerou o subinspetor-geral Nelson Ferreira.

Em jeito de balanço, esse responsável adiantou que em 2023 o novo portal online da ACT contou com 16 milhões, os simuladores digitais com seis milhões de acessos e o chatbot com meio milhão de interações. Para este ano, o foco estará no novo sistema de gestão de processos inspetivos, revelou Nelson Ferreira.

Atualizada às 16h04

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