Num país em que as grandes empresas são “encaradas como demónios” e há “preconceito com o investimento e os lucros”, Sandra Santos, CEO da BA Glass, admite que também falta ambição aos empresários.
A CEO da BA Glass assume estar “muito preocupada” com a falta de um “plano real de industrialização” em Portugal e com o facto de as grandes empresas serem “encaradas como demónios” num país que tem “preconceito com o investimento e os lucros” e em que “os políticos têm feito um trabalho péssimo na promoção da criação de riqueza para todos”.
Em entrevista ao ECO, Sandra Santos frisa que “o Estado não tem nenhuma competência para orientar absolutamente nada sobre quais as indústrias que o país deve atrair” e reconhece, por outro lado, que há empresários com “muito pouca ambição” e que limitam o crescimento das suas próprias empresas “porque não são os melhores líderes”
Como é que olha para o atual estado da economia portuguesa?
Com grande preocupação. Só não olho com mais preocupação porque acredito nos empresários portugueses. Há empresas fantásticas em Portugal, que passaram a exportar e a investir fora do país. Essas empresas estão sólidas e a fazer um trabalho brilhante. Do ponto de vista de desenvolvimento económico do país, estou muito preocupada porque não há nenhum plano real de industrialização de Portugal – uma coisa é falar, outra coisa é executar. E Portugal tem oportunidades magníficas para ser industrializado. O turismo é uma coisa magnífica, mas gera pequenos empregos e baixos salários, como em todo o mundo. Os países onde o turismo é a atividade principal são países pobres. Temos de aumentar o peso das atividades de maior valor acrescentado, onde se paguem salários maiores.
Como é que Portugal pode ser atrativo para essas empresas?
Criando infraestruturas para energia, reduzindo a carga fiscal que é muito maior aqui do que noutros sítios, criando regras que simplifiquem o estabelecimento de atividade. Se não o fizermos, ninguém vai querer vir para cá. Há aqui muito boa mão-de-obra, há muito boa energia neste país. Temos de lhes mostrar essas coisas boas. França, por exemplo, perdeu substancialmente atividade industrial porque se converteu num país em que gerar lucros para investir é mau. Nós vendemos para lá, mas não quero ter atividade industrial em França – zero – porque é um problema. E corremos o risco que isso possa acontecer também em Portugal.
Porque é que diz isso?
Os jornais publicam todos os dias o mau que é ter lucros, quando são bons para se poder fazer investimento. Se não tivemos lucros e não fizermos investimento, somos e seremos pobres. O preconceito com o investimento e os lucros vem de há muito tempo e, obviamente, os nossos políticos, sejam lá de que cor forem, têm feito um trabalho péssimo naquilo que é a promoção da criação de riqueza para todos. Não faço parte da família [que controla a BA] e tenho claríssimo que esta empresa só cresce porque gera lucros. E gerando lucros cria trabalho e, particularmente, melhores salários. É com isso que devíamos estar todos preocupados.
Não é com Ubers e com [esse tipo de atividades] que vamos gerar postos de trabalho com valor acrescentado. Acho que os políticos não estão nada preocupados com isso. É tudo muito mais imediato. Veja-se a discussão em torno do salário mínimo. É evidente que os salários têm de crescer, qual é a dúvida?! E quais são as empresas em Portugal que pagam melhores salários? Não são as empresas pequeninas, que contratam gente à volta por meia dúzia de tostões.
O debate está centrado em demasia no salário mínimo?
Exatamente. Devíamos estar a discutir o salário médio e não o mínimo. Achamos que pagar 800 euros é uma coisa razoável? Claro que não é. Nós não temos nenhum trabalhador com o salário mínimo. Aqui em Portugal, o salário mais baixo, e que é pago a pouquíssimas pessoas, anda à volta dos 1.100 euros. E são poucas porque senão não conseguíamos atrair ninguém. O nosso salário médio é muito maior que isso. Os nossos trabalhadores ganham muito mais que isso. Se não ganhassem, não trabalhavam aqui.
É evidente que os salários têm de crescer, qual é a dúvida?! E quais são as empresas em Portugal que pagam melhores salários? Não são as empresas pequeninas, que contratam gente à volta por meia dúzia de tostões.
Quais os motivos para que, como referiu, seja complicado instalarem uma nova atividade em Portugal?
Não é por falta de qualidade dos recursos humanos nem, por exemplo, por falta de energia, de que a atividade industrial precisa. Aliás, é mais complicado na Alemanha, onde energia verde há muito pouca. A indústria europeia está à procura de países em que a energia seja ou possa ser renovável a longo prazo.
Havendo essas condições, quais são então as maiores pedras na engrenagem?
É a burocracia em torno da atividade industrial — e não é só no licenciamento. É esta ideia que há em Portugal de que crescer e ter lucros é uma coisa má, quando devia ser uma coisa boa. Há uma ideia de pequenez.
E os empresários portugueses não têm responsabilidade nessa perceção de que os lucros são maus, pela forma como gerem as suas empresas?
Claro que têm. E os salários baixos são pagos por empresários. É um círculo virtuoso: se uma empresa tiver lucros e a perspetiva de fazer crescer a rentabilidade, para crescer tem de ter bons trabalhadores e para isso tem de lhes pagar bons salários. Se tiver trabalhadores médios não cresce. Também não vai conseguir pagar bons salários porque não aumenta o valor. E depois há empresários que, eles próprios, limitam o crescimento das empresas porque não são os melhores líderes. Uma coisa é ser dono e outra é ser gestor — e alguns limitam-se por isso. E para crescer também é preciso ser capaz de o fazer. Os empresários aí têm total responsabilidade. Há muito pouca ambição em Portugal, que também é uma questão cultural.
Vejo isso quando os estrangeiros que não conhecem Portugal vêm visitar boas empresas portuguesas. Ficam admirados porque vendemos uma imagem muito pobre de Portugal, quando temos coisas maravilhosas e profissionais e empresas que são incomparavelmente melhores do que outros que vejo pela Europa fora. Nós sonhamos pouco. Queremos pouco. A maior culpa dos empresários é não sonharem. E depois há empresários que não querem ter complexidade, quando as atividades com mais valor acrescentado são também mais complexas. Gerir indústria é mais complexo do que gerir empresas de serviços. É uma complexidade diferente. Dito isto, também não quero menosprezar todas as indústrias de serviços. Em Portugal, a indústria da saúde, por exemplo, está a evoluir e dá cartas na Europa. Tenho pena é de ver pouca indústria porque a indústria gera outras atividades.
Dentro da indústria, em que áreas é que vislumbra maior potencial?
Em qualquer uma. Em todas as que são de muito valor. Não acredito nada nessa coisa de termos uma indústria para servir Portugal. É para servir o mundo.
Há dias, um candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos (PS), disse que “o Estado tem a obrigação de fazer escolhas quanto aos setores e tecnologias a apoiar”.
O Estado não tem nenhuma competência para orientar absolutamente nada sobre quais as indústrias que o país deve atrair. Devíamos procurar indústrias que vão estar cá no futuro, sem nenhum critério. O importante é criar atividade a partir de Portugal. Não deve haver grande preocupação com a indústria que trazemos.
Não acredita então numa lógica de clusters em que o país se deve especializar?
Não. Acho que isso limita a nossa capacidade de crescer. Quanto mais tivermos, melhor – e que seja de futuro.
Vê uma intervenção ou uma presença excessiva do Estado na economia portuguesa?
Os governantes acham que têm de decidir sobre isso [setores preferenciais]. Eu não acho nada disso. Têm de criar as condições para qualquer indústria de futuro. O Estado devia estar menos presente na economia. O Estado é mau gestor e nem sequer tem uma visão estratégica do mundo – e só com ela é que o país conseguirá ser mais relevante. Como é que os nossos governantes, que na sua maioria nunca viveram fora de Portugal, conseguem imaginar uma estratégia para o mundo? Não conseguem. Mas isso também é normal porque têm outra função, que não esta. Portanto, abram as portas aos empresários nacionais e internacionais e deixem-nos mostrar os projetos.
A BA Glass fala mais vezes com entidades públicas do que seria desejável?
Não tanto porque somos bastante autónomos do ponto de vista de atividade. Temos muito pouco [contacto], até porque não temos nenhuma relação de fornecedores ou clientes do Estado. Temos essa sorte.
O Estado não tem nenhuma competência para orientar absolutamente nada sobre quais as indústrias que o país deve atrair. (…) Como é que os nossos governantes, que na sua maioria nunca viveram fora de Portugal, conseguem imaginar uma estratégia para o mundo?
Mas gostava de ver as grandes empresas serem mais acarinhadas em Portugal?
As grandes empresas não precisam de publicidade, mas também não devem ser encaradas como demónios. Mas nós somos pequeninos. As nossas empresas grandes são pequeninas. Veja a BA Glass: com 1,5 mil milhões de euros de volume de negócios é o quarto player mundial [nas embalagens de vidro] e o que está antes de nós tem o dobro. É bom sermos grandes para podermos criar mais coisas. As empresas pequeninas têm limitações até do ponto de vista de conseguir atrair gestores e profissionais competentes. É normal que assim seja. Não há mal nisso. Agora, se formos um bocadinho maiores, conseguimos. E se tivermos empresários que querem crescer, ótimo. Temos de lhes mostrar que é porreiro crescer. Deviam pagar menos impostos para os incentivar a crescer, embora ache que é muito mais por falta de ambição que não crescem mais.
Falou-se muito da reindustrialização da Europa no período da pandemia, por causa das disrupções logísticas que houve nessa altura. Sente alguma diferença, algo a mudar, ou ficamo-nos pelos discursos?
Acho que os políticos têm vontade de o fazer, mas não sabem fazê-lo. Porque a industrialização não se faz só construindo fábricas, mas criando infraestruturas. Quando é que vai começar a produção relevante de hidrogénio e ser abastecida às fábricas na Europa? Não há nem data nem perspetiva. Fala-se muito e faz-se muito pouco. Adoraria ver falar menos e executar mais.
A indústria na Europa, de uma forma geral, nunca esperou pelos governos para fazer nada. O único problema na transição energética em indústrias como a nossa, a do cimento ou das cerâmicas, que consomem grandes quantidades de energia, é que precisamos de infraestruturas para fazer chegar a energia às fábricas. Mesmo que quisesse fazer produção de hidrogénio, precisava de um terreno gigante, que não tenho. A solução são os tais valleys de hidrogénio. Não vai acontecer. Vai ser mais fácil fazer alguma reconversão para o biometano, que é algo de que que se fala muito pouco. Para já, vejo muito pouca ação. Vejo as leis e os programas europeus a mudarem nesse sentido, mas muito pouco em execução.
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“Em Portugal, crescer e ter lucros é uma coisa má. Há uma ideia de pequenez”
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