Agricultores prometem bloquear fronteiras, estradas e pontes em protesto

  • Lusa
  • 31 Janeiro 2024

Nem os apoios aprovados pelo Governo travaram os protestos dos agricultores marcados para esta quinta-feira. Os agricultores alentejanos ameaçam bloquear três postos de fronteiras com Espanha.

Agricultores do Alentejo prometeram esta quarta-feira bloquear com tratores e máquinas agrícolas as três principais fronteiras da região com Espanha, na quinta-feira de manhã, num protesto contra a decisão do Governo de cortar ajudas ao setor. “O mundo rural está em falência”, justificou esta quarta-feira à agência Lusa António Saldanha, agricultor e um dos dinamizadores do denominado Movimento Civil Agricultores de Portugal na região alentejana.

Esta ação de protesto na região, que integra a iniciativa nacional do movimento, vai decorrer, a partir das 06:00 de quinta-feira, junto às fronteiras do Caia (Elvas, distrito de Portalegre), Mourão (Évora) e Vila Verde de Ficalho (Serpa, distrito de Beja). Questionado pela Lusa sobre o acordo anunciado hoje entre a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e o Governo para reverter os cortes previstos para os agricultores, no âmbito do Plano Estratégico da PAC, o responsável argumentou que nada muda.

“Este protesto mantém-se até que as ajudas às perdas de rendimento cheguem ao bolso dos agricultores”, afirmou António Saldanha. Segundo este dinamizador do movimento no Alentejo, agricultores de toda a região vão convergir para as três fronteiras para “bloquear as principais entradas em Portugal com todos os meios disponíveis ligados à agricultura”.

“Chegámos a um ponto em que foi extremamente fácil unir-nos, porque todos fomos afetados da mesma forma e já todos estávamos muito descontentes”, referiu, salientando que os cortes nos apoios, conhecidos na semana passada, foram a ‘gota de água’. António Saldanha disse que os agricultores têm “um contrato com o Estado português” relativo a “ajudas para a produção em regime biológico”, tal como acontece em toda a Europa, e, neste âmbito, contavam receber os apoios contratualizados em 2023.

As ajudas, apontou, servem para “colmatar as perdas de rendimento que acontecem derivado ao regime biológico”, pois quem opta por este modo de produção não pode utilizar fertilizantes, herbicidas e determinadas rações. “Essa perda de valor era colmatada com ajudas que vêm de fundos europeus e esses valores eram para ter sido pagos até ao dia 30 de dezembro [de 2023], mas fomos avisados que iriam ser pagos no dia 25 de janeiro” deste ano, afirmou.

Lembrando que todos têm “compromissos financeiros e investimentos feitos” e que foi “um ano catastrófico em termos de produção” devido à seca, o agricultor indicou que, na véspera dessa data para o pagamento, foram informados de que “iria haver um corte de 37%” nas ajudas. “Não recebemos absolutamente um cêntimo, em alguns casos, e houve outros que receberam muito menos do que estavam à espera”, vincou.

Sublinhando que o descontentamento no setor “arrasta-se há muitos anos”, António Saldanha considerou que “os sucessivos ministérios da Agricultura não têm sido amigos dos agricultores”. “A realidade é que as ajudas que são distribuídas pelos produtores agrícolas vão-se refletir nas prateleiras e nos frigoríficos dos supermercados, quer no preço, quer na quantidade”, alertou.

Ou seja, “se as ajudas comunitárias não são distribuídas, os produtores agrícolas vão ser obrigados a produzir menos e, por consequência, a vender os seus produtos por muito mais valor”. A CAP avançou esta quarta que o Governo vai reverter os cortes previstos para os agricultores, no âmbito do Plano Estratégico da PAC, mas essa reversão carece de uma autorização especial da Comissão Europeia. Os ministérios da Agricultura e das Finanças agendaram para esta tarde uma conferência de imprensa conjunta.

Agricultores do Oeste e Ribatejo manifestam-se na Ponte da Chamusca

Já os agricultores do Ribatejo e Oeste vão concentrar-se na quinta-feira num protesto pacífico na Ponte da Chamusca, depois da recusa de duas autarquias do distrito de Santarém em autorizarem manifestações nos seus concelhos. “Uma marcha super pacífica, com concentração na Ponte da Chamusca” marcará, na manhã de quinta-feira, o protesto dos agricultores do Ribatejo e do Oeste, disse à agência Lusa Nuno Mayer, porta-voz do Movimento Civil Agricultores de Portugal nesta região.

A concentração em que os agricultores vão “mostrar descontentamento” pela demora na reposição de ajudas ao setor será reduzida apenas aos concelhos da Chamusca e da Golegã, ambos no distrito de Santarém, devido ao facto de as autarquias de Barquinha e do Entroncamento “não terem autorizado qualquer manifestação”, explicou. “É uma pena porque são Câmaras do interior, em que a população é muito rural e muito agricultora”, disse Nuno Mayer, lamentando igualmente a falta de apoio da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) ao protesto.

“Os agricultores é que ficaram a arder com 35% dos apoios à produção, ou seja, daquilo que estávamos a contar para manter os preços baixos e poder estar competitivos com o resto da Europa”, afirmou Nuno Mayer, criticando que a confederação que “é suposto defender [o setor]” tenha emitido um comunicado em que expressa a posição de não organizar nem participar em ações que condicionem o normal e regular funcionamento do Mercado Único e impeçam a livre circulação de bens agrícolas.

Reagindo ao anúncio do Governo relativo a um pacote de apoio ao rendimento dos agricultores no valor de quase 500 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar a Política Agrícola Comum (PAC), Nuno Mayer garantiu que no Ribatejo e Oeste, “os agricultores não vão desmobilizar” até que “as promessas se concretizem”.

“Os agricultores estão reconhecidos que o Ministério da Agricultura tenha entendido a asneira que fez, ao fazer mal os cálculos e tenha voltado atrás” disse, considerando trata-se de “um primeiro gesto de boa vontade”. Porém, vincou: “O banco que está à espera que eu pague o adiantamento destas ajudas não vai ter a boa vontade de esperar pelo dinheiro”, tal como “os fornecedores de sementes, de serviços de adubos”.

Portanto, rematou, “é ver para crer”, já que os agricultores não vão desconvocar o protesto sendo esperados, na Ponte da Chamusca, mais de mil participantes na concentração. O protesto do Movimento Civil Agricultores de Portugal, um movimento civil espontâneo e apartidário que une agricultores e sociedade civil em defesa do setor primário, ocorre a partir das 06:00 de quinta-feira, em várias regiões do país.

Agricultores algarvios fazem marcha de protesto entre Faro e Castro Marim

Os agricultores do Algarve vão realizar uma marcha lenta entre Faro e Castro Marim, na quinta-feira, para exigir “condições justas” e a “valorização da atividade”, anunciou o Movimento Civil de Agricultores Portugueses, promotor do protesto. Segundo a informação enviada à agência Lusa pela porta-voz do movimento no Algarve, Fátima da Rocha, os participantes são chamados a agrupar-se junto ao estádio do Algarve, no Parque das Cidades Faro-Loulé, pelas 05:00, iniciando uma hora depois uma marcha lenta pela Estrada Nacional 125, até Castro Marim.

A manifestação está inserida num conjunto de ações convocadas pelo movimento para quinta-feira, em várias zonas do país, nos quais está previsto a saída de máquinas agrícolas para as estradas para reclamar melhores condições na atividade. O protesto foi convocado hoje pelo Movimento Civil Agricultores de Portugal, que se apresenta como “um movimento civil espontâneo e apartidário que une agricultores e sociedade civil em defesa do setor primário”.

Dia 01 de fevereiro, a partir das 06:00 da manhã, os agricultores vão para as estradas portuguesas com máquinas agrícolas lutar pelo direito humano à alimentação adequada, por condições justas e pela valorização da atividade”, informou o movimento num comunicado. Convidando “toda a sociedade civil a estar presente e a apoiar esta causa”, os agricultores portugueses afirmam-se “unidos e preparados para se defenderem do ataque permanente à sustentabilidade, à soberania alimentar e à vida rural”.

O Movimento Civil Agricultores de Portugal destaca que o seu objetivo é “apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis”. A estrutura defende a “reposição imediata das ajudas” e a “assunção dos compromissos contratualizados” no âmbito de uma revisão do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) para garantir a sua adequação “à realidade portuguesa”.

Os agricultores defendem também políticas agrícolas com diretrizes de médio e longo prazo, de forma a garantir estabilidade ao setor, uma dotação orçamental “adequada a cada pilar”, ecorregimes adequados a cada território, a convergência para a média da União Europeia, a revisão do calendário de pagamentos e a desburocratização dos licenciamentos (Balcão do Agricultor).

Entre as reivindicações estão ainda o reconhecimento dos serviços ambientais, fatores de produção “a preços justos e competitivos” (nomeadamente nos combustíveis), a valorização dos produtos no produtor, a aplicação das mesmas regras da União Europeia à entrada de produtos agrícolas de países terceiros e que a agricultura faça parte da disciplina de Cidadania nas escolas.

Agricultores do Centro mantêm protesto apesar dos apoios anunciados pelo Governo

Os agricultores da região Centro do país irão manter o protesto de quinta-feira, com cortes de estradas por máquinas agrícolas, apesar das medidas de apoio anunciadas, desconfiando das intenções do Governo e criticando associações do setor. “Estas medidas agora anunciadas pelo Governo são para nós, apenas, uma carta de boas intenções. É um Governo que está em gestão, está demissionário, temos de perceber que grande parte dessas medidas iriam ser implementadas ou serão verificadas já no próximo Governo”, disse à agência Lusa Ricardo Estrela, porta-voz da região das Beiras do movimento cívico Agricultores de Portugal.

“Mas temos tudo para desconfiar, porque as promessas que têm sido feitas ao longo dos anos não são cumpridas. Isto foi um atraso nas medidas, estamos a falar de apoios à produção que deveriam ter sido pagos em 2023, foram pagos em 2024 e com cortes sem serem anunciados, mostrando total desrespeito pelo setor agrícola”, vincou Ricardo Estrela. O também produtor de gado ovino no distrito de Castelo Branco, deixou também críticas a organizações e associações representativas do setor agrícola, frisando que estão “desacreditadas” junto dos agricultores.

Sobre o protesto, agendado para a madrugada de quinta-feira em vários locais do interior do país, considerou-o transversal a diversos setores agrícolas e demonstrativo de que os agricultores estão cansados de “políticas erráticas” ao longo dos anos e de sucessivas promessas não cumpridas.

“O que temos de fazer são medidas de protesto, que irão passar, obviamente, pelo corte de algumas vias. Vamos cortar um ou outro acesso ao país, mas ficam outros abertos, vamos causar algum transtorno, vamos obrigar as pessoas a passarem por percursos menos habituais e com piores acessos e com piores estradas”, revelou o agricultor do distrito de Castelo Branco.

Sem revelar grandes pormenores sobre o protesto agendado para a região das Beiras, Ricardo Estrela anunciou que o local de concentração das máquinas e tratores agrícolas será junto ao nó de acesso à autoestrada 25 (A25), de ligação entre Aveiro e Vilar Formoso, num local conhecido como Alto de Leomil (concelho de Almeida, distrito da Guarda), por onde se faz umas das ligações à aldeia histórica de Castelo Mendo, a cerca de 15 quilómetros da fronteira.

A concentração está prevista para começar a partir das 04:30 de quinta-feira, sendo de prever o possível corte da A25 naquele local, a exemplo de outros protestos anunciado pelo país, com cortes de vias e acessos às fronteiras com Espanha. Ricardo Estrela, que é administrador de uma sociedade agrícola e de uma herdade privada considerada a maior do país, notou, no entanto, que o protesto do movimento Agricultores de Portugal diverge das manifestações que têm ocorrido em França e noutros países europeus, já que não pretende ser violento.

“Se acabasse por ser violento significaria que tínhamos perdido o controle da situação”, argumentou. Por outro lado, as reivindicações dos agricultores portugueses também se diferenciam das dos seus colegas franceses, com exceção de uma, as regras europeias impostas aos agricultores dos estados-membros da UE, para garantir a qualidade dos produtos, não observadas por países fornecedores de fora do espaço europeu, naquilo que acusam ser concorrência desleal.

“Somos solidários com França e sentimos na pele os problemas que os agricultores franceses sentem. Mas os nossos problemas são bem mais primários e bem mais profundos”, alegou o agricultor. As diferenças para os agricultores franceses e alemães notam-se, também, por exemplo, na qualidade da maquinaria agrícola existente: “Quem assistir ao nosso protesto e verificar as imagens dos tratores franceses na televisão, vê logo a diferença. Aqui há tratores com 30 anos, porque as pessoas, muitas vezes, não têm meios para os renovarem”, ilustrou Ricardo Estrela.

(Notícia atualizada pela última vez às 20h19)

 

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