A Inteligência Artificial no futuro dos seguros em Portugal
Vários especialistas do setor segurador reuniram-se na webtalk "A Inteligência Artificial no futuro dos seguros em Portugal" para discutirem o impacto que a IA pode trazer a este mercado. Veja aqui.
No universo dos seguros, a evolução galopante da Inteligência Artificial (IA) emerge como um farol a iluminar o caminho para o futuro. Na era digital, onde cada avanço tecnológico redefine paradigmas, a IA revela-se uma peça-chave no tabuleiro do setor segurador em Portugal.
Neste contexto, a webtalk “A Inteligência Artificial no futuro dos seguros em Portugal”, moderada por Francisco Botelho, diretor do ECOseguros, serve para debater os impactos diretos e indiretos desta transformação. Para isso, reuniram-se neste debate, organizado pelo ECOseguros e pela Minsait, Maria João Mileu, Head of Transformation and Efficiency, AGEAS; Miguel Simões, Head of Financial Services Industry, Indra; Ricardo Gonçalves, Center for Artificial Inteligence & Analytics, Fidelidade; e Tiago Rodrigues – Chief Service Officer, Tranquilidade.
“O conceito de Inteligência Artificial não é novo, mas recentemente surgiram quatro fatores que contribuíram para esta tendência. Primeiro, os avanços da ciência, as bases do conhecimento e os algoritmos e, do lado dos algoritmos, em particular, os Large Language Models, que estão na base do treino da IA generativa. Um segundo pilar está relacionado com os avanços da ciência da computação, que permitem uma grande velocidade de computação, escala e acessibilidade. Um terceiro pilar tem a ver com o acesso a dados, já que, hoje em dia, com a Internet, é possível ter quantidades de informação e de dados brutais, que servem para treinar os modelos de IA. E, depois, um quarto pilar tem a ver com o desenvolvimento de softwares de uso mais simplificado, que fazem com que seja possível democratizar o uso de IA”, começou por dizer Miguel Simões.
Por sua vez, Maria João Mileu, da AGEAS, explicou as mais valias que o uso de IA traz na prática: “Ultimamente, temos investido mais esforços financeiros e humanos para levar a bom porto esta transformação. Eu diria que a IA é aplicável a toda a cadeia de valor, desde logo na definição da oferta dos produtos, dos serviços. E, com a imensidão de dados que nós temos dos nossos clientes e com a utilização da IA baseada nessa informação, é muito mais fácil conseguirmos personalizar os nossos produtos em linha com os comportamentos e as necessidades dos nossos clientes. Com isso, determinar melhor o risco e ter um pricing mais ajustado e, a partir daqui, ter uma oferta quase instantânea a cada cliente, em função daquilo que são os seus hábitos de vida e as suas necessidades”.
“Acho que a indústria seguradora é excelente para aplicar os princípios de IA. É difícil encontrar uma zona onde a IA não traga valor dentro de uma seguradora e agora, com estas novas capacidades da IA generativa, o apoio individual a cada uma das pessoas. É um tema para o qual estamos a olhar com muita atenção porque percebemos que conseguimos ganhar alguma velocidade se apoiarmos cada uma das nossas pessoas naquilo que eles fazem como funcionário, ajudando a maximizar as suas capacidades, através de um sistema que é virtual e que tem algumas capacidades funcionais muito interessantes. Todos nós sabemos que estas tecnologias ainda não têm um grau de maturidade muito elevado e, portanto, este tipo de apoio a determinadas funções pode ser muito interessante porque o ser humano depois vai decidir o que quer e não quer aproveitar daquilo que lhe foi sugerido”, disse Ricardo Gonçalves, da Fidelidade.
Já Tiago Rodrigues, da Tranquilidade, afirmou que na Tranquilidade Generali, olham para a IA a partir de três ângulos: “Um primeiro que é como servir melhor os nossos clientes, como sermos mais rápidos, como construirmos mais ferramentas de self service, não tanto alavancadas por chatbots que vão por regras, mas em chatbots que constroem sobre algoritmos, que nos permitem resolver muito mais casos de forma totalmente automática; em segundo lugar, estamos a olhar para os nossos colaboradores e a pensar como podemos ter uma força de trabalho mais satisfeita e mais produtiva, alavancando a IA para dar respostas mais rápidas; e, em terceiro lugar, estamos atentos aos nossos parceiros, já que acreditamos que a IA para os nossos parceiros, agentes, consultores, etc, poderá ter um papel importante no apoio para conhecer melhor os processos da companhia, a gerar novo negócio, tirando alguma da carga que eles têm de serviço e focando mais na geração de novo negócio”.
Retorno do investimento
“Eu diria que as organizações ainda estão numa fase experimental e inicial desta jornada da adoção e aquilo que temos vindo a assistir é que, do ponto de vista do modelo de governo e de liderança, também se tem vindo a capacitar com uma maior sensibilização para os temas do retorno e, portanto, estão a implementar políticas, procedimentos e a sua visão relativamente a como conseguem mensurar o retorno destas iniciativas. Naturalmente, o fator liderança é muito importante, portanto, a consciencialização da gestão de topo, e depois o passar dessa mensagem a toda a organização“, afirmou Miguel Simões.
Nesse sentido, Maria João Mileu esclareceu que, apesar da capacitação trazida pela IA, esta não vem para substituir pessoas: “Precisamos de nova geração de competências para desenvolver algoritmos de IA, mas a IA não é para substituir pessoas, a IA é para trazer uma nova dinâmica e uma nova dimensão à nossa forma de trabalhar. As dimensões todas que a IA vai impactar dentro de uma organização tem de ser trabalhadas convenientemente e isso significa que temos de perceber o impacto que vamos ter nos nossos processos e trabalhar nesse sentido, temos que perceber que as nossas pessoas que estão hoje com determinadas funções dentro desses processos vão ter outras completamente diferentes e é preciso prepará-las e perceber como as formar para que elas possam aprender a usar a IA em prol do seu trabalho diário“.
No que diz respeito à capacitação de pessoas, Ricardo Gonçalves deu o exemplo da Fidelidade, que tem operações na Ásia, em África, na América Latina e na Europa, e onde consegue observar graus de maturidade diferentes. “Esta maturidade é representada na capacidade executar projetos de IA. Portanto, o centro do qual sou responsável tem uma missão internacional, ou seja, nós trabalhamos estes temas com todas as geografias que fazem parte do universo Fidelidade. E, em alguns, é mais difícil fazer os projetos, mas, curiosamente, não é porque as pessoas não o queiram fazer, é mais porque a capacidade tecnológica daquelas organizações ainda não está no ponto que nós necessitamos. Por isso, é necessário haver investimento, mas é importante haver um business case interessante e perceber o retorno que esse investimento irá ter“.
“Nós estamos a preparar o terreno, a juntar as peças e todas as fontes de conhecimento e de codificação dos nossos processos para, depois, podermos aplicar IA por cima disso. E isso não depende tanto dos nossos sistemas, depende mais da nossa capacidade de estruturar informação e depois usar os modelos. As pessoas vão ter que sofrer um reskilling das suas capacidades e muitas delas já pedem esse reskilling porque muitos dos processos dos projetos de otimização que nós temos já passam um bocadinho por substituir aquilo que a IA poderá fazer pelas pessoas no futuro“, disse, por sua vez, Tiago Rodrigues.
A segurança dos dados
De acordo com Miguel Simões, “relativamente ao tema da tecnologia, e pondo em perspetiva aquilo que são os principais fatores de sucesso da adoção da IA, há um ponto que tem a ver com a definição de uma estratégia robusta de IA, devidamente alinhada com os objetivos de negócio das organizações e como é que essas estratégias de IA se vertem para o modelo operativo, modelos de governo e estruturas organizacionais”.
No entanto, dentro deste ponto, Maria João Mileu referiu a importância da proteção de dados para o sucesso do uso de IA. “Há áreas sensíveis que temos de acautelar. No caso das seguradoras, os dados incluem dados pessoais e, muitas vezes, sensíveis. Por exemplo, a área de saúde é o exemplo real disso, portanto temos de acautelar que essa informação é trabalhada da forma mais séria e ética possível”, alertou.
“Quando olhamos para a diferença entre os modelos de IA e os modelos de IT normais, a grande diferença é que os modelos de IA aprendem. Portanto, nós temos é de ajudar o algoritmo a calibrar-se e a aprender com os dados que estamos a escolher. E nós, nesta parte, passamos a ter um cuidado muito sério na informação que usamos no treino dos nossos algoritmos, isto é, logo na raiz. Atualmente, temos quatro pessoas a tempo inteiro que estão a criar datasets com as condições que nós queremos para fazer o melhor treino dos algoritmos e é nessa zona que nós temos de ter o cuidado na informação que damos para o algoritmo ensinar. Portanto, temos aqui já uma preocupação intrínseca ao próprio processo, que permite que os nossos algoritmos estejam com o treino que nos parece correto“, garantiu Ricardo Gonçalves.
Já Tiago Rodrigues explicou que na Tranquilidade, o tema da ética “é uma discussão bastante acesa”: “Para mim, a ética começa a ser um tema quando há uma tomada de decisão sem ter uma intervenção humana. E nós, neste momento, ainda não acreditamos que a IA esteja madura o suficiente para tomar decisões pelos humanos. A tomada de decisão aqui é o ponto-chave e por isso é importante perceber até que ponto nós conseguimos que o algoritmo, a máquina, tome uma decisão que seja humanamente justificável. Não tenho dúvidas de que, no futuro, uma vez que haja mais regulamentação e mais experiência, vamos evoluir para máquinas a decidir nos casos mais simples. Neste momento, ainda acho que é um risco ético bastante grande pôr uma máquina a decidir por uma pessoa“, afirmou.
IA revolucionará o setor segurador?
Com os olhos postos no futuro, Tiago Rodrigues acrescentou que a IA vai ser uma revolução, já que considera que esta vai transformar a forma como as pessoas trabalham e interagem entre si: “No setor segurador, a IA vai ter ainda uma implicação muito grande, do ponto de vista de gestão de risco e de desenho de oferta. Isto porque, quando tivermos veículos autónomos, com seguros, como será o seguro automóvel do futuro? Quando tivermos pessoas com chips que controlam os batimentos cardíacos, o açúcar no sangue e tudo isso, como é que serão os seguros de saúde? Quais são os modelos de risco inerentes a este tipo de tecnologia?“.
Maria João Mileu concordou com o ponto de vista de Tiago Rodrigues, mas acrescentou que aproveitar o acesso a toda a informação disponibilizada pela IA pode ser muito vantajoso para as seguradoras. “Imagine o que é o acesso a esta informação poder ser trabalhado do lado da indústria seguradora e adaptar toda a sua oferta ao cliente, ao risco do cliente, tornando cada vez mais justo a oferta personalizada, preço associado e o valor acrescentado para o cliente. Portanto, não há dúvida de que a IA vai revolucionar nesta matéria e noutras”, garantiu.
A mesma ideia foi partilhada por Ricardo Gonçalves, que explicou: “Eu acho que a IA pode ajudar os seguros a disseminarem mais pela nossa sociedade porque, se nós realmente conseguirmos ganharmos mais eficiência, vamos conseguir ter melhores preços, estar presentes transversalmente em várias zonas e até em indústrias onde, habitualmente, não estamos. E isso vai-nos ajudar, até pelo facto de o mundo se tornar mais seguro”.
“A IA vai criar, inevitavelmente, uma melhor experiência de cliente, ingressar novos mercados, novos nichos, novos segmentos. E pode contribuir para uma maior individualização dos grupos de risco homogéneo. Eu diria que a atividade seguradora como um todo vai passar de um paradigma que é, de alguma forma, de detetar e reparar, para mitigar e prevenir. Por isso, a IA veio para ficar, tanto para o mercado, como para o setor segurador“, concluiu Miguel Simões.
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