Um ativo político tóxico

Seguramente, já ouviu falar na expressão ‘non performing loan’ (NPL) ou crédito malparado. Quando um cliente bancário, seja um particular ou uma empresa, deixa de pagar as prestações de um empréstimo, o banco classifica esse crédito como NPL, terá depois de assumir uma perda definitiva nas suas contas, que será maior ou menor em função do valor de desconto a que vende esse crédito. Ora, do ponto de vista político, há um gigante crédito malparado no sistema: O Chega.

Nesta campanha eleitoral, verificou-se o início de uma mudança do sistema político português com a emergência do Chega, um fenómeno assente no seu líder, André Ventura, e nos ventos que sopraram de fora. Ventura contraiu um crédito junto dos portugueses, medido nas intenções de voto no Chega que durante meses se revelam nas sondagens, mas o que se tem passado nas últimas semanas, os debates televisivos, o ‘programa eleitoral’ e, depois, a campanha com os comícios e arruadas, mostra um enorme NPL, um crédito malparado

O programa eleitoral é risível, o discurso é populista, as promessas são inviáveis, os debates foram (quase todos) um ato falhado, a narrativa de protesto esgota-se no discurso contra a corrupção, Salgado e Sócrates, e contra os imigrantes (de que o país precisa), a vitimização assenta nas caricaturas dos tiros numa arruada que eram, afinal, ‘rateres’ de motorizadas. E à medida que o tempo corre, veio a cópia de Trump ou Bolsonaro, as suspeitas de que está em curso uma fraude eleitoral, o que revela o desespero de quem está a perder o chão porque acreditou mesmo que poderia ser candidato a primeiro-ministro. Espelho meu, espelho meu…

Nestes últimos dias, vale tudo. As conversas com as ditas ‘forças vivas’ do PSD que quererão uma coligação com o Chega — ‘forças vivas’ como Rui Gomes da Silva são no mínimo um excesso de linguagem — só tentam fragilizar Montenegro, mas é uma estratégia pueril, de “recreio”, como respondeu o líder da AD.

André Ventura é um vazio de lugares comuns, promete soluções políticas fáceis para problemas complexos e, em outras tantas vezes, subsídios e apoios que o país não pode pagar. Ultrapassa o PCP pela esquerda, estatista, e toca nos conservadores reacionários. Não é de extrema-direita, é simplesmente populista.

André Ventura também é um problema, porque o falhanço dos partidos do centro, especialmente junto de uma classe média massacrada por impostos e sem serviços públicos que os justifiquem, criou o ambiente propício ao crescimento do Chega. Não são todos fascistas nem xenófobos nem racistas, mas terão encontrado no discurso de André Ventura a ideia de que o Chega seria uma solução. Hoje, a três dias das legislativas, não é possível deixar de ver um enorme crédito malparado, sem qualquer valor de mercado para as necessidades do país. Na verdade, André Ventura já está na fase em que prefere a derrota de Montenegro e da AD, para continuar a ter espaço e protagonismo dos descontentes.

Aos quem ainda admitem votar no Chega para mudar o país, para acabar com uma governação socialista de oito anos, a AD e a Iniciativa Liberal são as únicas alternativas para levar a sério, são escolhas que oferecem programas diferentes, um mais centrista, outro liberal, e consistentes, alternativos ao PS. Na linguagem financeira, o crédito malparado também tem outra designação, mais popular, e que assenta bem ao Chega e ao seu programa político: Um ativo tóxico.