Imigrantes “invisíveis” aos olhos dos partidos podem ser chave para eleger deputados
Em 2022, o número de estrangeiros naturalizados foi igual ao número de votos que permitiu ao Chega e ao PS eleger um deputado. Partidos falham no apelo ao voto deste eleitorado que vai pouco às urnas.
O tema da imigração foi trazido para o centro de campanha eleitoral quando Pedro Passos Coelho alegou a existência de uma “sensação de insegurança” no país, resultado de uma política “de portas abertas” promovida pelo PS. A questão foi rapidamente desmistificada em debate público, e o tema da imigração ficou por aqui. Certo, é que apesar do crescente peso nas finanças públicas — foram responsáveis por 1.600 milhões de euros de contribuições para a Segurança Social e só beneficiaram de cerca de 257 mil euros em prestações sociais — a voz dos imigrantes não se ouve em altura de eleições. Existe um conjunto de fatores sociais que justificam este fenómeno, mas aos olhos dos politólogos e sociólogos ouvidos pelo ECO, os partidos pouco têm feito apelar ao voto desta população que, na teoria, teria capacidade para eleger, pelo menos, um deputado para a Assembleia da República.
“A imigração quando entra na campanha política, surge apenas como um tema que divide águas“, aponta João Teixeira Lopes, sociólogo da Universidade do Porto ao ECO, destacando que esta classe social “invisível“, tem, por norma, “um peso eleitoral praticamente irrisório“. E parte disso, aponta o especialista, prende-se com o facto de os partidos “pouco, ou nada, terem feito para mobilizar este eleitorado”.
Hoje, cerca de 7% da população residente em Portugal é composta por cidadãos estrangeiros. Os dados da Pordata, de 2022, indicam que naquele ano viviam em Portugal 781.247 estrangeiros com estatuto legal de residente, tendo, nesse ano, sido atribuída a nacionalidade portuguesa a mais 20.844 pessoas (menos do que em 2021) estatuto que automaticamente lhes garante o direito ao voto nas eleições legislativas (nas autárquicas, os estrangeiros residentes em Portugal podem recensear-se apenas com título de residência). Mas nem todos votam.
“À semelhança da população portuguesa, uma parte substancial dos estrangeiros naturalizados não vota, e até se deverá abster um pouco mais do que a população portuguesa”, estima José Malheiros, geógrafo e investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG) ao ECO. Caso votasse, calcula o investigador, “até poderia ser suficiente para eleger um deputado, em determinados círculos eleitorais“, mas acabaria, ainda assim, por “não ser decisivo no quadro geral da eleição”, embora pudesse fazer a diferença nos partidos mais pequenos.
Ora, olhando para os resultados das eleições legislativas de 2022, 20.844 “novos” portugueses é um valor próximo do número de votos que o Chega recebeu em Aveiro (20.570) ou em Leiria (18.918), ambos suficientes para eleger um mandato, em cada distrito. O mesmo valor é superior à quantidade de votos que o PS recolheu no círculo eleitoral fora da Europa (19.084) para eleger um deputado.
Os dados assumem outras proporções se olharmos para as nacionalidades atribuídas entre 2008 e 2022. De acordo com a Pordata, nesse período, naturalizaram-se 342.458 estrangeiros. Esse valor é superior à totalidade de votos que a Iniciativa Liberal recolheu nas últimas eleições em todo o país (273.687, oito deputados), à semelhança do Bloco de Esquerda (244.603 votos, cinco deputados) e do PCP (238.920 votos, seis deputados).
O número de estrangeiros naturalizados nesses 14 anos, é também superior à quantidade de votos recolhidos pelo PS no círculo eleitoral de Braga (207.837 votos, 9 deputados), e pelo PSD no distrito de Lisboa (285.6646 votos, 13 deputados) e do Porto (318.390 votos, 14 deputados).
Os partidos não têm densidade de representar estas populações porque elas têm um peso eleitoral real muitíssimo fraco. Por outro lado, estas mesmas populações têm níveis de participação política relativamente débeis e com isso, não exercem suficientemente pressão. Há um efeito mútuo.
Esta comparação é, no entanto, relevante apenas do ponto de vista dos números uma vez que cada círculo eleitoral tem um peso diferente no resultado final, e nem todos estes estrangeiros nacionais residem no mesmo distrito. Nem é garantido que esses 342.458 “novos” portugueses ainda residam no país. Mesmo assim, é suficiente para pôr o tema numa perspetiva diferente.
Embora não existam dados oficiais sobre quantos imigrantes naturalizados votam, a perceção dos especialistas ouvidos pelo ECO é de que a adesão deste eleitorado deverá ser, tendencialmente, baixa, sobretudo em eleições legislativas. “Tenho fortes convicções”, reforça João Teixeira Lopes.
“Se votassem, eu creio que o impacto seria algum, ainda que não ultrapassasse os 4% [do total de votos]“, calcula José Malheiros. “Creio que não há nenhuma preocupação dos partidos [com este eleitorado] porque partem do princípio que esta população não vota. Não votando, não são uma preocupação no discurso eleitoral, senão de uma forma negativa“, explica o geógrafo.
E nem os discursos anti-imigração poderão afastar este eleitorado das urnas, dado que a sua mobilização deverá ser, já ela própria, ligeira. “Creio que também não há nenhuma preocupação com o efeito ricochete nos discursos anti-imigrantes”, conclui Malheiros.
“Conflito de identidade” e falta de representatividade afastam eleitorado
O fraco envolvimento destas comunidades nas eleições legislativas não é de agora. De acordo com João Miguel Carvalho, investigador da Escola de Sociologia e Políticas Públicas (ESPP) do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia CIES do ISCTE, “não existe a tradição de envolver estas populações estrangeiras” no processo eleitoral, mesmo quando as decisões aprovadas no Parlamento também as afetam.
A causa deste distanciamento poderá estar, aos olhos João Teixeira Lopes, assente num conflito de identidades. “É característico destes imigrantes estarem de alguma forma divididos entre identidades. Sentem-se em trânsito, de passagem e às vezes sentem-se desintegrados. Sobretudo, aqueles que já residem no país há varias décadas”, como a comunidade proveniente de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) ou de países da Europa de Leste.
No caso da comunidade brasileira, o distanciamento é semelhante mas menos justificado, dado terem ao dispor condições diferentes para votar. Estes imigrantes, que eram, em 2022, cerca de 240 mil, segundo os dados da Pordata, conseguem assegurar o seu direito ao voto nas eleições legislativas sem precisar de nacionalidade portuguesa, através do estatuto de igualdade de direitos. Porém, à TSF, o Ministério da Administração Interna (MAI), revela que, este ano, o número de eleitores brasileiros elegíveis através deste processo nem chega aos 500.
Além dos possíveis conflitos internos, a falta de representatividade na Assembleia da República, e mesmo dentro dos próprios partidos, poderá desempenhar um papel relevante na mobilização deste eleitorado, de acordo com os especialistas. “Está na altura de termos de ter uma representação maior dos outros grupos raciais que existem na sociedade portuguesa“, aponta José Malheiros.
Mas além dos motivos abstratos e sentimentos subjetivos, os especialistas ouvidos pelo ECO consideram que a chave para a mobilização deste eleitorado prende-se com a promoção de melhores políticas públicas direcionadas especificamente para as necessidades desta classe social, nomeadamente “o direito ao reagrupamento familiar”, sugere José Malheiros, ou políticas com vista a promover um maior sentimento de dever de cidadania através do associativismo.
João Miguel Carvalho recorda um estudo comparativo do voto de emigrantes portugueses nos Estados Unidos e no Canadá, no qual se comparou as políticas de integração de ambos os países e concluiu-se que a política de promoção da cidadania no Canadá tende a ter “um impacto muito claro na mobilização do eleitorado e na participação eleitoral”. “Os portugueses nos EUA participam muito menos nas eleições do que no Canadá”, argumenta o investigador da ESPP
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