Homo Sapiens Sapiens… híbrido?

  • Caetano de Bragança
  • 20 Março 2024

Existe uma corrida no sentido de criar condições extraordinárias para a receção de cada colaborador no escritório, usando o próprio espaço como uma ferramenta para a retenção e captação de talento.

Não é novidade que, nos últimos anos, o mercado de trabalho mudou e está em constante evolução desde então. Por isso mesmo, surgiram novos modelos de trabalho que vieram para sempre alterar a forma como trabalhamos e como muitas empresas se organizam. Se durante anos nos deslocávamo-nos para o trabalho, agora é o trabalho que chega até nós, através do mais simples dispositivo móvel – a evolução da tecnologia desempenha aqui um papel fundamental. Melhor ou pior: qualquer pessoa que tenha acesso ao computador enquanto sua principal ferramenta de trabalho pode estar, teoricamente, a trabalhar a qualquer hora e a partir de qualquer lugar.

Tenho observado de forma próxima a aculturação de muitas empresas em Portugal a novas formas de trabalhar e à estruturação dos seus modelos, assim como a adaptações dos espaços de trabalho consequente. Observa-se o entusiasmo de uns e um tanto de desconfiança e resignação de outros, perante a inevitabilidade de seguir novas tendências.

Em 2023, houve vários lemas que vimos implementar-se e, que com eles, são ainda mais evidentes determinadas adaptações aos espaços de trabalho:

“Quem está mal, muda-se”: Muitas empresas de topo promovem a ideia de que os colaboradores podem escolher trabalhar onde se sentem mais produtivos, incluindo trabalhar em casa permanentemente. Em Portugal, de acordo com o estudo “Novos Modelos de Trabalho em Portugal”, desenvolvido em parceria com a JLL e AON, 37% dos colaboradores recusariam ofertas de emprego em empresas sem políticas de trabalho flexíveis, e 65% consideram crucial ter políticas flexíveis ao decidir mudar de emprego. Além disso, 66% dizem-se mais produtivos, sendo que muitos admitem trabalhar mais horas. Novas gerações olham para o trabalho enquanto experiência de médio-prazo, e não como compromisso de longo prazo.

“Veni. Vidi. Vici”: As metodologias de trabalho híbrido são o novo normal. Em Portugal, de acordo com o mesmo estudo que refiro acima, 60% das empresas permitem que os colaboradores estejam a trabalhar até 3 dias a partir de casa. Globalmente, a presença dos colaboradores nos escritórios baixou 30% face a valores pré pandemia: quanto maior a empresa, menos tempo os colaboradores passam nos escritórios.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”: O resultado é que existem menos pessoas no escritório, sendo que globalmente se estima uma redução de 30% na utilização. Cerca de 60% das empresas em Portugal preveem alterar a configuração ou relocalizar o seu escritório nos próximos 5 anos, ainda de acordo com o estudo desenvolvido a par com a AON.

A oportunidade para repensar os espaços salta à vista, pela redução de presenças diárias nos escritórios e pela implementação de políticas que permitem a partilha de espaços. O take-up de escritórios reduziu cerca de 60% em Portugal durante 2023, estimando-se que a ocupação de escritórios em Lisboa tenha somado 112.000 metros quadrados, reduzindo 60% face a 2022, enquanto no Porto a queda registada é de apenas 6% para 55.000 metros quadrados.

Outro objeto de reflexão que gostaria de ressaltar, é a própria redefinição do significado de cultura empresarial ou organizacional: a cultura das empresas é sinónimo de identidade, valores e comportamentos que caracterizam a própria empresa. Em 2023, apenas um em cada quatro colaboradores dizia estar próximo da cultura da sua empresa. Modelos remotos e modelos híbridos são promotores de silos dentro das empresas, porque os colaboradores estão limitados às interações online com membros de equipas diretas, não existindo espaço para encontros casuais.

E claro… não podemos deixar de falar da Inteligência Artificial que tomou um lugar de enorme destaque nas ferramentas de uso diário, de muitas funções corporativas. É incrível como instrumentos como o Chat GPT entraram na vida das empresas e dos seus colaboradores e não nos podemos – ou devemos – esquecer, que esta é também uma opção perigosa e que ameaça muita da “inteligência natural”, gerando reações extremas, tanto de entusiasmo, como de terror. Ainda assim, não há volta a dar, as empresas estão a abraçar estas novas tecnologias que estão a acelerar ainda mais a forma como trabalhamos… e estamos ainda no princípio.

Outra das frases que podemos trazer para esta reflexão é: “a mudança é a única constante na vida”, mas esta foi extrema! Os novos modelos de trabalho são percecionados como positivos, sobretudo para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional das pessoas, no que toca a recrutamento e retenção de talento. Não têm, no entanto, um impacto tão positivo na cultura, na comunicação e na colaboração, mas estão para ficar, e as novas gerações estão a crescer numa nova realidade que dificilmente abdicarão. Fica por saber qual o impacto destes novos modelos de trabalho no desenvolvimento dos profissionais e da qualidade da sua saúde mental; na performance das empresas e mesmo na competitividade entre geografias.

O que sabemos é que as tecnologias estão também a permitir que vivamos de forma mais isolada, o que é algo completamente contraditório com a forma como evoluímos enquanto espécie, juntos.

Talvez por isso, 95% das empresas em Portugal acreditem que o escritório continuará a ter um papel central no seu ecossistema, pela importância que o papel da componente relacional tem em qualquer organização. A nível internacional este resultado cai para 72%. Podemos concluir (mas não definitivamente, porque neste tema, nada o é) que existe uma corrida no sentido de criar condições extraordinárias para a receção de cada colaborador no escritório, utilizando o próprio espaço como uma ferramenta que concorre para a retenção e captação dos talentos, enquanto promove a colaboração e partilha interna, aproximando as pessoas.

  • Caetano de Bragança
  • Head of workplace strategy na JLL

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