Editorial

A nova vida do BCP

A mais do que provável saída da Fosun do capital do BCP poderá ser a melhor das notícias para permitir outra atração de capital e as condições para o crescimento com rentabilidade.

Sem eufemismos, a Fosun está a avaliar a venda da posição acionista de 20% que detém no BCP, por más razões próprias e por boas razões do banco liderado por Miguel Maya. O comunicado oficial dos chineses, nos seus termos, é uma espécie de pré-anúncio do que aí vem (com enorme probabilidade), uma estratégia de desinvestimento global para reduzir o peso da dívida.

A notícia dos contactos da Fosun com potenciais investidores foi avançada pela agência Reuters — duas fontes, segundo a agência — e não se pode dizer que tenha sido propriamente uma surpresa. No início do ano, a Fosun anunciou a venda de 5% do capital do banco, uma operação que gerou uma mais-valia de cerca de 176,6 milhões de euros, passando a deter ‘apenas’ 20% do capital.

As operações de venda não se ficam por Portugal. Ainda há uma semana, a Bloomberg noticiava que o BNP Paribas está a negociar a compra da posição da Fosun na seguradora Ageas, uma posição que, a preços de mercado, vale cerca de 750 milhões de euros.

As declarações da Fosun sobre o investimento em Portugal são as necessárias, e verdadeiras até deixarem de o ser. Ninguém anuncia uma venda de uma posição estratégica a prazo, para defesa da sua própria posição e obviamente também do valor de mercado da empresa em causa, neste caso o BCP. Mas a Fosun está a dizer uma coisa e a sinalizar outra ao mercado.

A questão realmente importante é outra: Como é que fica o BCP? Neste momento, o banco tem dois acionistas estratégicos, a Fosun e a Sonangol, e nenhum deles têm hoje capacidade financeira para reforçar o capital do banco. Por outro lado, os resultados de 2023 foram robustos. O BCP conseguiu multiplicar os lucros por quatro vezes no ano passado, atingindo um resultado histórico de 856 milhões de euros, anunciou a instituição liderada por Miguel. “São bons resultados. Hoje em dia parece que há vergonha de apresentar resultados. Nós temos muito orgulho nos nossos resultados“, disse o CEO do banco. Pudera.

Neste contexto, é mesmo obrigatório o BCP ter acionistas com mais de 20% do capital? Não. Terá talvez até a vantagem de passar a ser um banco mais próximo do mercado, com as exigências e o escrutínio que daí advém. Aliás, basta olhar para a estrutura de capital de alguns dos maiores bancos europeus, desde logo o Santander, para se perceber que não tem acionistas com uma posição superior a 10% do capital e não é por isso que deixam de ser sólidos, e globais. Pelo contrário.

A fragilidade da Fosun pode vir a ser, até, a grande oportunidade para o banco crescer. O BCP tem uma operação na Polónia com enorme potencial (logo que se ultrapasse de vez o tema dos processos antigos relativos a financiamento de crédito à habitação em moeda estrangeira e que está a pesar nas contas). E a Sonangol não está melhor, pelo contrário. Serão, até, neste momento travões ao crescimento do BCP, por interesse próprio e não da instituição.

O BCP está numa posição única. Depois da limpeza de balanço e reestruturação da última década, aproveitou como os outros a boleia dos juros do BCE e a margem financeira disparou. Só não pode crescer com os acionistas que tem, nem sequer pensar em consolidação — com o Novobanco — porque isso exige capital que a Fosun e a Sonangol não têm.

O BCP fica mais ‘opável’, isto é, mais exposto a ofertas de aquisição? E depois? Se a gestão ‘entregar’ resultados, os acionistas não vão querer vender.

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