Editorial

O circo

Aguiar Branco falhou a eleição para presidente da Assembleia da República, André Ventura mostrou de que é feito e Pedro Nuno Santos olhou para o lado, mas Luís Montenegro tem de se assumir como líder.

Os portugueses assistiram a um circo político promovido pelo Chega e a aproveitar uma enorme dose de ingenuidade e até amadorismo do PSD. A história de 14 horas de discussões e sucessivas votações falhadas para a presidência da Assembleia da República confirma o que já se sabia de Ventura, capaz de dizer tudo e o seu contrário, a repetir até à náusea que não aceita ser “espezinhado” e “humilhado” e a explorar todas as oportunidades para uma vitimização que chega a ser repugnante.

Com toda a informação já disponível, ressalta o óbvio: Luís Montenegro cumpriu a sua palavra sobre o ‘não é não’ em relação a André Ventura, mas facilitou. Abriu um entendimento com os outros três partidos que têm assento na mesa da Assembleia, incluindo, claro, o Chega. Durante um par de horas, isso serviu para Ventura anunciar ao mundo o que não tinha, um acordo. Depois, usou pretextos que, afinal, mais não são do que oportunidades para estilhaçar uma qualquer estabilidade porque vive bem na instabilidade permanente.

O PS também foi informado da escolha de Aguiar-Branco, mas Pedro Nuno Santos lavou as mãos deste processo, quando poderia e deveria ter tido, neste início de legislatura, o mesmo sentido de responsabilidade que anunciou para a votação do programa de Governo ou o anunciado Retificativo… aqui não havia medidas populares a aprovar. Tática, tática…

Montenegro, esse, já deveria ter percebido de que é feito o Chega. Pela sua experiência política, não poderia ter dado a Ventura a oportunidade que deu, ficando quase refém de uma solução impossível: Anunciar um acordo sob pressão pública e violar a sua palavra ou votar favoravelmente o que veio a ser o candidato apresentado, numa segunda tentativa, do PS (já lá vamos).

Para já, quando ainda nem sequer tem Governo formado, e alguns dos ministeriáveis poderão ter ficado até indisponíveis perante o espetáculo a que assistiram, Luís Montenegro foi confrontado com uma posição que bloqueia o funcionamento do Parlamento. Nem sequer está em causa a governação. É só o início. André Ventura não é simplesmente politicamente confiável. E nada será suficiente.

Há 24 horas, os contactos telefónicos entre o (ainda) líder parlamenta Joaquim Miranda Sarmento e o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, para aprovarem Aguiar Branco e um vice-presidente era suficiente para ‘vender’ um suposto acordo que, já se sabe, não existia. Era o primeiro passo para amarrar o Chega ao PSD, mas não foi suficiente. Nem seria. Ventura quer fazer prova de vida, ou de força, para mostrar a Montenegro que a sua permanência como primeiro-ministro está nas suas mãos. Quis fazer um refém político.

A gramática parlamentar mudou. O que aconteceu é tão grave que, apesar de tudo, comporta também uma oportunidade para a governação. Montenegro não pode abrir a porta da vitimização ao Chega. E se o fizer, será sempre um primeiro-ministro sem autoridade política, sem força. Ventura está a usar os votos de 1,2 milhões de pessoas como se fossem seus, a instrumentalizar e até a usurpar o protesto e descontentamento em proveito próprio.

Como é que se sai disto? Em primeiro lugar, Luís Montenegro tem de liderar, porque é o primeiro-ministro indigitado e reclama a vitória nas eleições. A menos má das alternativas é mesmo votar um candidato a presidente da Assembleia da República indicado e com acordo, acordo, sim, com o PS. E Francisco Assis, antigo presidente do Conselho Económico e Social, é, neste contexto, a melhor das soluções.

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