O líder global da unidade de inteligência artificial da McKinsey considera que "Portugal tem um talento tecnológico e criativo incrível". País passa a ter 'hub' de inteligência artificial.
Portugal passou a ser uma das localizações da McKinsey a dispor de um hub da Quantum Black (QB), a unidade de inteligência artificial da consultora norte-americana, revela ao ECO Alexander Sukharevsky. O líder global da QB considera que o país pode aproveitar a qualidade do seu talento na tecnologia e criatividade — “um dos melhores do mundo” — para se afirmar no novo paradigma tecnológico.
Lisboa junta-se a Madrid e Barcelona e passa a dispor de um hub da unidade que junta mais de 5.000 colaboradores da McKinsey em todo o mundo. Na Península Ibérica são mais de 50, entre cientistas de dados, engenheiros de datos e consultores de analytics. A equipa local terá acesso a ferramentas e recursos globais e conta com uma parceria com cinco clientes em Portugal.
As gigantes tecnológicas americanas estão na frente do desenvolvimento da inteligência artificial (IA) generativa, catapultada pela OpenAI com o Chat GPT, mas Alexander Sukharevsky considera que a Europa não tem de ficar para trás. “É uma questão de design mais do que de tecnologia. E a última vez que vi, a Europa é bastante avançada no que toca às diferentes disciplinas de design”, argumenta.
O mesmo é válido para Portugal. “Estamos todos no mesmo plano e o país pode ter um papel extremamente importante em vencer a corrida“, diz o partner da McKinsey.
Uma vez que muitas tarefas poderão ser substituídas, há o receio de que a IA generativa contribua para um forte aumento do desemprego. Partilha destes receios?
No fim do dia, cabe à sociedade decidir o que fazer com a ferramenta. A taxa de implementação atual é de um dígito e demorará tempo até aumentar. Aquilo que vejo entre os nossos clientes é que todos gostaríamos de construir um mundo melhor para os nossos filhos com a aplicação destas ferramentas.
Os doomers temem um futuro em que a inteligência artificial geral leva a que o mundo seja controlado por máquinas e outros cenários distópicos. Não partilha destes receios?
Tendo a ser realista ao olhar para a tecnologia e aquilo que pode e não pode fazer. Não vejo esses cenários catastróficos.
A IA será uma força do bem.
Pelo menos é o que eu e os nossos clientes estamos a tentar fazer. Está nas nossas mãos. É muito difícil ter uma governação global para a IA, mas acredito que cada um é responsável por usar estas ferramentas da forma correta dentro da sua área de responsabilidade.
Temos a OpenIA, criadora do ChatGPT, a Microsoft, a Nvidia, a Google e a Meta a investir bastante. As grandes tecnológicas de hoje serão também os principais players da inteligência artificial (IA) generativa?
É preciso olhar de forma distinta ao longo da cadeia de valor. Algumas partes podem ser mais concentradas, outras menos. Se pensarmos de forma simplista, temos o poder computacional, temos os algoritmos e modelos, e temos as aplicações. O poder computacional requer certas capacidades e desenvolvimento que fazem com que seja provavelmente mais concentrado. Em relação aos algoritmos, ainda que tenhamos as big tech, é preciso ter presente que é quase impossível comparar modelos de IA generativa. Não consigo dizer que o modelo A é melhor que o modelo B. De forma puramente empírica posso dizer que no contexto específico de um determinado negócio um modelo pode permitir melhores resultados. É interessante que os modelos em open source com suporte de marca (proprietary) são tão bons como os modelos de marca. Como estamos no início, não é ainda visível a nova vaga de hyperscalers [empresas que generalizam o uso de uma nova tecnologia] que virá a seguir.
A Europa tem um conjunto de ingredientes que, se alavancados da forma correta — e a regulação é um deles –, podem ser uma vantagem comparativa.
As companhias que mencionei acima são todas americanas. Os Estados Unidos também vão ser dominantes na IA generativa?
Se olharmos para o volume de investimento, há uma percentagem significativamente maior nos EUA. A Europa claramente lidera na regulação. Como já referi, é uma questão de design mais do que de tecnologia. E a última vez que vi, a Europa é bastante avançada no que toca às diferentes disciplinas de design. É também uma questão de talento e, mesmo olhando para as maiores empresas americanas, muito do seu talento e capacidade de investigação e desenvolvimento está na Europa. Por causa da regulação, há um movimento em relação à soberania tecnológica. Em que país ou território gostaria que os seus dados estivessem protegidos? Isso dá espaço para players mais locais. A Europa tem um conjunto de ingredientes que, se alavancados da forma correta — e a regulação é um deles –, podem ser uma vantagem comparativa.
A Europa pode não ficar para trás desta vez?
Ainda estamos muito no início da corrida. É prematuro estar a comparar. Já reuni com vários futuros “campeões europeus” e estou muito otimista, porque alguns têm uma ambição global. Outro aspeto importante é que quando se pensa em grandes modelos de linguagem [usados na IA generativa], linguagem é igual a cultura e isso é muito difícil de fazer estando fora. A cultura é algo muito local, o que pode dar vantagem a players locais.
A União Europeia aprovou recentemente a primeira legislação genérica sobre IA. É um passo na direção certa? Os críticos dizem que vai inibir a inovação.
Não sou um especialista em regulação, mas a IA tem de ser aplicada de forma ética e são necessárias salvaguardas para o garantir.
A menor escala pode tornar mais difícil para um país como Portugal desenvolver estas tecnologias?
Se existirem mais bases de dados de linguagem é mais fácil treinar os modelos. Há uma grande quantidade de falantes de português, em Portugal e fora. Há países com comunidades linguísticas menores que foram capazes de desenvolver modelos e trabalhar com eles. É possível construir um modelo e afiná-lo com base na cultura local.
Da experiência que tenho do trabalho com colegas aqui, Portugal tem um talento tecnológico e criativo incrível, um dos melhores do mundo.
Como é que um país como Portugal pode agarrar esta oportunidade?
Em primeiro lugar, é preciso perceber onde se quer estar dentro da cadeia de valor. Em segundo lugar, é essencial o talento. Da experiência que tenho do trabalho com colegas aqui, Portugal tem um talento tecnológico e criativo incrível, um dos melhores do mundo. Temos muito orgulho no nosso hub ibérico da Quantum Black. Depois é preciso pensar nas necessidades e falhas que durante muitos anos não foram resolvidas, seja para o consumidor seja para a indústria. A corrida está aberta. Este é o momento, podem agarrá-lo ou deixar para outros.
Que políticas deviam ser implementadas para agarrar a oportunidade?
Cada empresa deve dar um passo atrás e questionar o que esta mudança significa para si. Onde está a oportunidade? Há alguma coisa que gostaria de reinventar? Ou apenas pensar como pode usar estas ferramentas para melhorar a produtividade. Se pensarmos na futura vaga de startups, como posso criar um novo negócio que possa vir a ser global? Também é importante o que se faz com o sistema de educação, para criar uma geração que seja fluente não só em tecnologia mas também em pensamento crítico e pensamento criativo. Estamos todos no mesmo plano e Portugal pode ter um papel extremamente importante em vencer a corrida.
Há um centro Quantum Black em Espanha. Está nos planos da Mckinsey ter um também em Portugal?
O Quantum Black é uma pool global de 5000 colegas a trabalhar em IA. Funcionam como uma única equipa que trabalha em conjunto. Vamos lançar o Quantum Black Portugal oficialmente hoje [dia 21] e crescer o nosso hub. Vemos muito procura em Portugal e precisamos de mais talento local para satisfazer essa procura.
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“A corrida da inteligência artificial generativa está aberta. Portugal pode agarrá-la ou deixar para outros”
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