Mais-valias com criptoativos têm de ser declaradas, mas Finanças não ajudam

Apesar da legislação exigir que as mais-valias geradas com criptoativos em 2023 tenham de ser declaradas no IRS, as Finanças tornam essa responsabilidade apenas possível a muito poucos contribuintes.

Os criptoativos, como o Bitcoin, o Ethereum, o Ripple ou as stablecoins, caracterizam-se pela sua capacidade de serem transferidos e armazenados eletronicamente, utilizando tecnologias como a blockchain. Estes ativos digitais podem ser usados tanto para transações de pagamento como para investimentos, devido à sua natureza volátil.

Para os investidores nacionais que negoceiam estes criptoativos, o cenário fiscal era inexistente até ao final do ano de 2022, dada a ausência de qualquer legislação. No entanto, isso mudou a 1 de janeiro de 2023 com a promulgação da Lei do Orçamento do Estado para 2023, que introduziu de forma expressa a tributação dos rendimentos derivados de criptoativos, deixando apenas de fora deste enquadramento tributário os NFT, ou non-fungible tokens.

Desde o ano passado que os rendimentos de criptoativos passaram a enquadrar-se em três categorias distintas no quadro do Código de IRS: Categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), Categoria E (rendimentos de capitais) e Categoria G (incrementos patrimoniais), que é particularmente relevante para os pequenos investidores envolvidos na compra e venda de criptoativos.

Para estes investidores, as mais-valias obtidas com a venda de criptoativos estão sujeitas a uma tributação de 28% e a operação deve ser inserida no Anexo G do Modelo 3 do IRS. Contudo, a legislação salvaguarda que as mais-valias resultantes de criptoativos detidos por um período a mais de um ano estão isentas de tributação. Neste caso, o Código de IRS estabelece que, mesmo assim, a mais-valia tem de ser declarada, devendo o contribuinte informar a Autoridade Tributária através do preenchimento do Anexo G1 do Modelo 3 do IRS.

O processo de declaração das mais-valias geradas em 2023 com criptoativos implica o preenchimento detalhado das operações, onde o contribuinte deve calcular a mais-valia como a diferença entre o valor da venda e o valor de aquisição, podendo deduzir despesas inerentes à aquisição e à alienação. Este cálculo é crucial para a correta tributação e para a tomada de decisão entre a tributação especial de 28% ou a opção pelo englobamento, dependendo da situação fiscal de cada contribuinte.

No entanto, o processo está longe de ser uma tarefa fácil e, em alguns casos, até possível. Isto sucede porque tanto o Anexo G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais) como Anexo G1 (Mais-valias não tributadas) exigem como elemento obrigatório a identificação do NIF português da entidade gestora dos criptoativos.

Atualmente não é possível declarar estes rendimentos [com criptoativos] no Anexo G se a entidade gestora não possuir um NIF português (que será a esmagadora maioria das situações de criptoativos).

José Moreira Simões

Associado de Fiscal da PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados

Considerando que a maioria das gestoras e plataformas a que os investidores nacionais recorrem para negociar criptoativos não está registada em Portugal, e em muitos casos os investidores nem sequer recorrem a intermediários financeiros (dada a própria natureza destes ativos), torna-se difícil declarar as mais-valias geradas. “A questão é pertinente e junta-se a outras que têm surgido desde que o regime de tributação de criptoativos foi introduzido em Portugal”, refere José Moreira Simões, associado de fiscal da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, ao ECO.

“De facto, atualmente, não é possível declarar estes rendimentos no Anexo G se a entidade gestora não possuir um NIF português (que será a esmagadora maioria das situações de criptoativos)”, refere o fiscalista, notando ainda que, “em rigor, com exceção de algumas orientações genéricas recentemente publicadas, a Autoridade Tributária tem fornecido pouca informação sobre este tema.”

A solução passa por registar as operações no Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), caso os investidores recorram a gestoras estrangeiras. Mas se utilizarem carteiras virtuais (chamadas de wallets, que na prática baseiam-se num software quer permite guardar as informações que dão acesso às criptomoedas armazenadas na blockchaine, muitas delas de forma anónima) o problema de declaração das operações persiste.

Para os investidores, manter um registo exaustivo de todas as transações com criptoativos (tal como o devem fazer com os ativos financeiros como ações, fundos de investimento e obrigações) torna-se imprescindível, não só para facilitar a declaração de IRS mas também para maximizar potenciais benefícios fiscais, especialmente no que concerne à isenção de tributação para ativos detidos por mais de um ano.

Porém, pelo menos para já, o processo de declaração das mais-valias com criptoativos está ao alcance de muito poucos. “Para os contribuintes que desejam cumprir atempadamente as suas obrigações declarativas, podem colocar a questão através do e-balcao e aguardar esclarecimentos, demonstrando, desta forma, a vontade de declarar, mas também a impossibilidade de o fazer”, sugere José Moreira Simões.

IRS para atividades derivadas dos criptoativos

Se para os pequenos investidores a declaração das operações com criptoativos esbarra na dificuldade de identificação da gestora destes ativos, o mesmo não acontece para os investidores que obtenham rendimentos de atividades profissionais que envolvem criptoativos, como, por exemplo, a mineração.

Neste caso, os rendimentos obtidos devem ser declarados no quadro 4 do Anexo B (alínea 422: “Rendimentos provenientes da mineração de criptoativos”) e sendo provenientes de entidades sem NIF português, colocados também no anexo J. Os contribuintes que se enquadram no regime simplificado de tributação para o exercício das suas atividades profissionais com criptoativos terão de aplicar coeficientes específicos para o cálculo do rendimento tributável:

  • 15% sobre os rendimentos obtidos com atividades ligadas a criptoativos, à exceção da mineração.
  • 95% sobre os rendimentos obtidos com a mineração de criptoativos.

Estes coeficientes destinam-se a refletir a proporção do rendimento que será considerada para tributação. Por outro lado, os contribuintes enquadrados no regime de contabilidade organizada seguirão as regras estabelecidas pelo código do IRC, sendo os rendimentos objeto de englobamento e tributados às taxas gerais previstas no Código do IRS.

E tal como sucede com os pequenos investidores que se dedicam a comprar e vender criptoativos, também os rendimentos provenientes de criptoativos são considerados obtidos para efeitos de tributação no momento da sua alienação onerosa.

Isto significa que a perda da qualidade de residente em território nacional ou a cessação de atividade é equiparada a uma alienação onerosa de criptoativos para fins fiscais.

É igualmente importante notar que, se a contraprestação das alienações assumir a forma de criptoativos, não se procede à tributação nesse momento. Neste caso, os criptoativos recebidos são atribuídos pelo valor de aquisição dos que foram entregues, procedendo-se à tributação apenas quando ocorrer uma efetiva alienação onerosa em dinheiro ou em espécie.

Além disso, a nova legislação define também que as formas de remuneração derivadas de operações com criptoativos, como o staking (uma forma de o investimento em criptoativos gerar um rendimento constante ao longo do tempo, quase como um juro, sem a necessidade de os vender), são classificadas como rendimentos de capitais (Categoria E).

Estes rendimentos estão sujeitos a uma tributação à taxa de 28%, podendo os contribuintes optar pelo seu englobamento, tal como sucede com os rendimentos gerados por via de qualquer outro ativo financeiro. No entanto, dada a natureza específica destes produtos, a lei prevê a dispensa de retenção na fonte para estes rendimentos.

No entanto, neste caso, persiste a mesma dificuldade na declaração fiscal dos rendimentos gerados que é colocada aos pequenos investidores que se dedicam a comprar e vender criptoativos. Isto sucede porque, no quadro 4 do Anexo B, onde os contribuintes devem declarar os rendimentos obtidos, é exigido o NIF da entidade depositária dos criptoativos. Não sendo esse o caso, em que os rendimentos são gerados no estrangeiro, devem também declarar esse montante no Anexo J.

Todavia a questão coloca-se nas situações que os investidores não recorram a entidades gestoras para negociar os criptoativos, mas através de wallets. Nesse caso, coloca-se a impossibilidade de declarar as operações realizadas em 2023 que geraram mais-valias para os investidores. Fica a dúvida se a Autoridade Tributária considera ou não que estes investidores estão ou não a falar às suas responsabilidades fiscais.

(Texto atualizado às 17h13 com referência à declaração das operações pelo Anexo J)

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