Luís Montenegro aproveitou a tomada de posse para avisar que a redução da burocracia é uma das prioridades do novo Governo, mensagem que caiu como a sopa no mel aos ouvidos do presidente da AMA.
As Lojas de Cidadão vão mudar. No futuro, em vez de encontrar senhas para as várias entidades, vai escolher o serviço em concreto pretende tratar. E será encaminhado, depois, para um balcão único. Este novo modelo de atendimento começará a ser testado já no final deste ano, na Maia, revela ao ECO o presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA).
Em entrevista, João Dias explica em detalhe como vão funcionar estas novas lojas, que “colocam o cidadão no centro”. Além disso, será lançada uma nova app, bem como um novo portal, que virá substituir o ePortugal, salienta o responsável, que acredita, por isso, que Portugal vai “ser referência nos canais digitais a disponibilizar aos cidadãos”.
Já sobre o novo Governo, o presidente da AMA frisa que Luís Montenegro deixou claro que a redução da burocracia será uma oportunidade, e isso não podia casar melhor com a missão desta agência que coordena todas as Lojas e Espaços de Cidadão do país.
Esta é uma de duas partes da entrevista de João Dias ao ECO. Na outra parte (que pode ler aqui), fala sobre como a inteligência artificial poderá ajudar a resolver os problemas do atendimento nos serviços públicos, admitindo que hoje há filas.
Anunciaram há pouco um novo modelo de atendimento dos serviços públicos. O que está em causa?
Há uma mudança de paradigma. Quando a pessoa se dirigir a um canal de atendimento – uma loja, o site, a futura App do Cidadão ou um contact center – a lógica de atendimento vai ser diferente. Hoje em muitos temas dos serviços públicos, o cidadão tem ainda de ir a várias entidades do Estado para tratar de um assunto. Mesmo quando vai a uma Loja do Cidadão, a pessoa tem num só sítio as entidades todas, mas tal não dispensa que, na maior parte dos casos, tenha de correr as várias entidades, embora estejam perto umas das outras. O que queremos fazer é mudar esta lógica.
Ou seja, haver uma concentração?
O cidadão não tem de conhecer a máquina complexa do Estado. O que vai acontecer no futuro, quando chegar a uma Loja do Cidadão, na dispensadora de senhas não vai ter as várias entidades, mas os serviços que precisa de tratar. Tudo vai estar organizado para o cidadão. A loja vai ter três níveis.
Quais serão?
Num primeiro nível, teremos a triagem, que vai contar com humanos e com assistente virtual, para me encaminhar e me dar a informação que preciso. Muitas vezes já nem preciso de ir para o atendimento, fica logo resolvido ali. Também vamos ter a oportunidade de guiar o cidadão, quando o serviço que procura está online. Vamos ter, então, um autoatendimento assistido, seja pelo assistente virtual, seja por pessoas humanas. Para quem precisar mesmo de um atendimento mediado, vai haver este novo conceito que é o balcão do cidadão.
Uma loja pequenina numa zona do interior não consegue ter lá presencialmente todos os serviços principais do Estado. Terá cabines para vídeo. As entidades não estão em loja, mas estão a prestar serviço por todo o país.
É um balcão único para os vários serviços?
Sim, é um balcão único multi-serviço e multi-entidade. Obviamente que há coisas muito complexas para pôr nesse balcão.
O que é que fica de fora?
A nossa ambição é que 70% a 80% dos temas sejam tratados ou na primeira linha de triagem ou na segunda linha generalista. Também haverá uma terceira linha, que é o atendimento especializado. Aí, sim, virá a pessoa de entidade em concreto, mas é só para um número muito menor de casos. Nesta terceira linha, vai haver uma mistura entre o físico e o digital, isto é, vai ser possível fazer por videochamada. Uma loja pequenina numa zona do interior não consegue ter lá presencialmente todos os serviços principais do Estado. Terá as duas primeiras duas linhas e cabines para vídeo. As entidades não estão em loja, mas estão a prestar serviço personalizado por todo o país. Isto até permitirá um melhor match entre oferta e procura.
Quando será aplicado este novo modelo?
Contamos abrir a primeira loja já com este modelo, no final do ano. Se tudo correr bem, em dezembro. A primeira loja será na Maia.
Essa concentração implica, suponho, grande formação dos funcionários. Como é que está a correr este processo?
O novo modelo é mais exigente para os funcionários, porque vão ter de lidar com um leque maior de serviços. Na AMA, já temos uma academia, que presta formação aos mediadores. Vamos alargar o espetro dos temas que esta academia vai dar. Vamos dar formação para todos estes colaboradores que vão estar nestes Espaços de Cidadão majorados, que vão ser o coração das novas Lojas de Cidadão.
Que temas novos serão esses?
Cidadania digital, tecnologias de informação e comunicação, desenvolvimento pessoal, além de todas as temáticas dos serviços que têm de prestar. Além disso, teremos uma linha de suporte aos Espaços do Cidadão. Se uma pessoa que estiver a atender num destes balcões generalistas tiver uma dúvida, terá uma linha, onde estão pessoas da AMA, a quem pode recorrer.
Mas o facto dos quadros da Administração Pública estarem envelhecidos pode pôr em causa, de algum modo, esta transformação tecnológica?
Estas pessoas que estão na linha da frente a atender o cidadão, muitas das vezes, têm uma dedicação tão grande à causa pública, uma aptidão tão grande para ajudar e servir… Esta motivação compensa a alguma menor familiaridade com a parte tecnológica digital. A motivação é a coisa mais importante num ser humano. Eventualmente, o que pode acontecer é que os tempos de formação para estas pessoas que têm mais idade são um bocadinho mais longos. Mas muitas destas ferramentas são muito user friendly. E também temos de confiar que haja aqui um grande espírito de colaboração entre os próprios colegas.
Vamos pôr em funcionamento 24 carrinhas elétricas, que vão funcionar como Lojas do Cidadão móveis e vão correr as zonas mais remotas do país.
Por outro lado, olhando para os cidadãos, não teme que esta transformação tecnológica agrave ainda mais o fosso entre quem tem literacia digital e quem não tem?
A visão que temos é a do digital first. A todas as pessoas que possam tratar dos seus assuntos digitalmente, queremos dar-lhes todas as condições. Por isso, vamos ter um novo portal de serviços públicos, que vai substituir o ePortugal. Vamos ter uma nova App do Cidadão. Tudo vai ser muito bem desenhado, fácil de usar, e personalizado na área privada para cada pessoa. Vamos fazer uma grande aposta no digital. Acredito que vamos ser referência nos canais digitais que vamos disponibilizar aos cidadãos.
E as pessoas que não têm essa literacia?
Obviamente que percebemos que o país tem camadas da população que não têm esta literacia digital ou não têm acesso a estes equipamentos. Não deixar ninguém para trás é um ponto de honra do qual não abdicamos. Continuaremos a apostar no atendimento mediado, com ajuda humana, seja nos contact centers, seja nas lojas. Vamos continuar a abrir lojas. Temos agora a decorrer um aviso no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para abrir 11 novas lojas neste novo modelo. Vamos pôr em funcionamento 24 carrinhas elétricas, que vão funcionar como Lojas do Cidadão móveis e vão correr as zonas mais remotas do país para dar a oportunidade de acesso aos serviços públicos a todas as pessoas. Quanto mais apostamos na tecnologia, mais o fator humano é crucial.
O país tem um novo Governo, com novas orientações e objetivos. Que expectativa tem em relação ao novo Executivo e a este caminho de que temos falado sobre a modernização dos serviços públicos?
Não posso dizer muito relativamente a essa matéria, mas o que retive do discurso do novo primeiro-ministro é que a redução da burocracia e a melhoria da eficiência do Estado é uma prioridade. Na AMA, recebemos com muito agrado essa notícia, porque é essa a nossa missão. É para isso que trabalhamos e lutamos, com os nossos parceiros da administração. Obviamente, vemos sempre com muito bom grado, quando o tema da redução da burocracia e da melhoria da eficiência do Estado é considerado pelo chefe do Governo como uma prioridade.
Portanto, está otimista em relação à melhoria dos serviços públicos?
Estou muito otimista.
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“Vemos com bom grado quando redução da burocracia é prioridade para chefe do Governo”
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