Pressa para construir mais habitação está a descurar o espaço público

  • Lusa
  • 22 Abril 2024

Hoje há "o regresso dos modelos de contratação associados à conceção-construção, a aceleração da construção da habitação ignorando a ideia do habitat e da cidade com múltiplas camadas de vivência".

A urgência em construir habitação, limitada pelo prazo curto do PRR, está a mudar o urbanismo, que abandonou o planeamento característico do período da Expo’98, para regredir até à construção sem preocupação com o espaço público, alertaram investigadores.

Da análise, por investigadores, das transformações arquitetónicas e urbanísticas ocorridas em Portugal durante os anos que antecederam a Expo’98 e as duas décadas seguintes resultou o livro “Os Grandes Trabalhos e o Desejo da Cidade de Exceção”, apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, coordenado por Paulo Tormenta Pinto, professor de Arquitetura e Urbanismo, e por Ana Brandão, investigadora sobre cidades e territórios, ambos do ISCTE.

Os autores concordam que este período foi marcado por um pensamento de excecionalidade urbanística, no qual a exposição mundial foi pretexto para desenvolver não só Lisboa, como outras 39 cidades, através dos programas Polis. No entanto, o período de criatividade urbanística acabou com o início da pandemia de covid-19 e agora, numa altura em que é urgente edificar nova habitação e em que há dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para o fazer até 2026, a nova construção corre o risco de dar razão ao provérbio “depressa e bem, não há quem”.

Euribor; habitação; casas; imobiliárioLusa

 

Segundo Paulo Tormenta Pinto, a Expo foi “um bom exemplo de atribuição de importância à cidade pensada”, embora nem tudo tenha corrido bem a nível metropolitano, já que “há projetos que praticamente não avançaram e permanecem expectantes”, como os terrenos da antiga Margueira (antiga Lisnave, em Almada) e algumas áreas da zona do Arco Ribeirinho Sul, no Seixal, Barreiro e Montijo, no distrito de Setúbal, a terceira travessia sobre o Tejo ou o novo aeroporto. Porém, na cidade de Lisboa as alterações são marcantes.

Além da requalificação do espaço oriental da cidade, foram edificadas, ainda nos anos 1990, equipamentos como o Centro Cultural de Belém e, nas décadas seguintes, registou-se o desenvolvimento de vários projetos, como o “Uma praça em cada bairro”, a reabilitação da Praça de Espanha, do Eixo Central ou do Campo das Cebolas e a aposta em corredores verdes, para a troca do automóvel por modos de mobilidade mais suave, “privilegiando o espaço público”, exemplificou.

Estas obras de requalificação acabaram por atrair novos investidores e estão muito associadas a políticas de atração de investimentos externos, etc., […] situações que também acabaram por causar uma carência da habitação, uma certa gentrificação das cidades e dificuldade de as pessoas conseguirem permanecer a habitar na própria cidade”, afirmou. Segundo o coordenador, o modelo de cidade desenvolvido na Expo’98 deixou de ser atrativo no início da pandemia, altura em “que vêm os problemas de sempre: a carência da habitação e a necessidade de fazer rápido”, associada ao Plano de Recuperação e Resiliência, disse.

Tormenta Pinto destacou que ainda não existe um distanciamento suficiente para que os investigadores analisem o atual momento, e ficará para um próximo trabalho a avaliação dos verdadeiros impactos da construção com este nível de aceleração e como é que as políticas do ‘Simplex’ estão ou não a contribuir para o benefício do espaço urbano, mas já existem algumas evidências do que está a acontecer.

“Por aquilo que já é possível verificar, aquilo que temos é o regresso dos modelos de contratação associados à conceção-construção, a aceleração da construção da habitação ignorando a ideia do habitat e da cidade com múltiplas camadas de vivência. Portanto, entre os equipamentos, o espaço público, o comércio, etc., nós estamos muito focados em construir apenas habitação”, considerou, salientando que “esta nova realidade começa a ser visível” em áreas suburbanas de Lisboa.

O responsável destacou ainda que “todo o saber acumulado na experiência da Expo”, que poderia ajudar agora nesta nova fase, “foi deitado fora”, com o fim da Parque Expo e da EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa) da Câmara Municipal de Lisboa.

“Ou seja, Portugal, quando vai enfrentar a crise da habitação pós-covid, já está desfalcado de algum conhecimento técnico que tinha sido acumulado”, sublinhou. O livro será apresentado na terça-feira, pelas 18:00, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, numa conferência com os geógrafos João Ferrão e Álvaro Domingues e os arquitetos Manuel Salgado e João Nunes, além dos autores.

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