Carlos Vicente, diretor-geral da Vitacress, diz que "investimento dos operadores privados deve justificar-se por si" e lembra que plano de transvase de água já se arrasta há mais anos que o aeroporto.
Carlos Vicente é desde 2020 diretor-geral da Vitacress Portugal, a empresa especializada na venda de saladas prontas a comer e ervas aromáticas fundada em 1980 por um investidor inglês e controlada desde 2008 pelo grupo RAR, que no ano passado faturou 40 milhões de euros em Portugal. Com uma longa carreira no ramo alimentar, o fundador dos supermercados biológicos Brio e que passou também pela Bestfoods e pela Unilever, diz-se “triste pela falta de prioridade que tem sido dada” à agricultura, um setor que considera estratégico para o país.
Em vez da concessão de subsídios e ajudas públicas, o gestor pede aos governantes que façam uma aposta na criação de infraestruturas que ajudem a desenvolver o setor agrícola. Diz que Portugal tem “as condições ideais” para a agricultura, “muito mais vantajosas do que países como a Holanda ou até Israel, que são líderes no setor agrícola”. E aponta duas áreas prioritárias para tornar o setor agrícola português mais eficiente: a aposta em inovação e o desenvolvimento de um sistema de fornecimento de água para a agricultura, para canalizá-la do norte para o sul do país.
O setor da agricultura tem ficado fora das prioridades políticas nos últimos anos. Que medidas defende para o setor?
Estou um pouco triste pela falta de prioridade que este setor tem tido por parte dos nossos governos em mais de uma década. Em primeiro lugar, o setor necessita de prioridade. Aqui, prioridade significa um grande dinamizador de atenção, de energia positiva, de inovação e também de fundos que são necessários para criar a infraestrutura de que o setor da agricultura em Portugal necessita.
O tema não são os subsídios e os apoios. A agricultura, como todos os outros setores, deve ser autossuficiente a nível económico. O investimento dos operadores privados deve justificar-se por si.
Para mim, o tema é infraestrutura. Não são tanto os subsídios e os apoios. A agricultura, como todos os outros setores, deve ser autossuficiente a nível económico [sem os apoios públicos]. O investimento dos operadores privados deve justificar-se por si. O dinheiro que se investe em subvenções devia ser canalizado e investido em infraestruturas.
Que tipo de infraestruturas?
Infraestruturas para a água. Devíamos ter um sistema de fornecimento de água para a agricultura em Portugal. Um sistema que tirasse proveito do excesso de água que temos tido todos os anos no norte do país – praticamente a Norte do Tejo – e a falta de água que temos tido praticamente a sul do Tejo. É um tema de que se tem vindo a falar ao longo dos últimos anos. Até já havia um plano de transvase dos rios Zêzere e Tejo até ao Alentejo e ao Algarve. É um projeto do ano de 1958, mais velho ainda do que o aeroporto de Lisboa. E tem-se falado muito pouco desses projetos e da ativação e implementação desses projetos.
Já havia um plano de transvase até ao Alentejo e Algarve. É um projeto do ano 1958, mais velho ainda do que o aeroporto de Lisboa.
As infraestruturas ao nível da água são importantíssimas para o nosso país, um país que tem todas as condições de solo, de temperatura e de luz para a agricultura. Portugal tem as condições ideais – muito mais vantajosas que países como a Holanda ou até Israel, que são líderes no setor agrícola. Em segundo lugar, infraestruturas também ao nível tecnológico. Investir em redes wi-fi e também em energia, que permitam à agricultura investir em novas tecnologias, que nos ajudem a tornar a nossa agricultura mais eficiente na sua produção. Para mim são estes os dois temas principais.
O setor da agricultura ainda funciona muito à base de subsídios. Defende uma reforma estrutural no setor?
Os subsídios são mais um remédio do que um alimento que nos ajuda a criar o futuro. Para mim, as infraestruturas – as duas que mencionei -, isso sim são alimentos. É uma plataforma que nos ajuda a desenvolver este setor no futuro. É um setor que todos nós vimos a sua importância quando foi a pandemia da Covid-19 e a importância de ter aqui os nossos próprios alimentos, que estavam em Portugal e com que fomos abastecidos durante esses meses muito difíceis.
A agricultura é um setor estratégico. Além de ser um grande contribuidor para a nossa exportação, é um setor estratégico para o bem-estar e para a resiliência do nosso país em situações de crise.
Olhando para aquilo que é o Programa de Governo e para o início desta legislatura, está otimista que haja uma maior aposta na agricultura?
Até ao momento não vi muito, mas também ainda foi pouco tempo [desde o início do mandato] e o Governo ainda se está a constituir. Mas a expectativa é que este Governo, e também pelas mudanças que se perspetivaram no momento pré-eleitoral, aporte um novo ritmo, uma nova atenção, uma nova prioridade a este setor da agricultura.
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“Dinheiro dos subsídios na agricultura devia ser investido em infraestruturas”
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