Ursula von der Leyen contra sete na corrida a Bruxelas. Conheça os candidatos à presidência da Comissão Europeia
A recondução de von der Leyen parecia garantida mas a crescente oposição interna e as dúvidas em relação ao sistema de Spitzenkandidat levantam incerteza. Na corrida estão mais sete. Saiba quem são.
A reeleição de Ursula von der Leyen para o cargo de Presidente da Comissão Europeia parecia garantida, mas a poucos meses de uma expectável renovação do mandato, esse cenário já não é tão certo. Dentro da própria família política de von der Leyen, o Partido Popular Europeu (PPE), correm rumores de que Emmanuel Macron, presidente da França — que integra a família política liberal — estará em conversações com os outros líderes da União Europeia para apoiar um candidato único e alternativo para o cargo Presidente da Comissão Europeia. Mario Draghi é um dos nomes falados.
Em 2019, Ursula von der Leyen foi inesperadamente proposta pelo Conselho Europeu e aprovada em unanimidade pelo Parlamento Europeu para o cargo de presidente da Comissão Europeia, sem ter feito campanha. O nome da alemã não constava em nenhuma das listas propostas pelos grupos políticos europeus da altura — ao contrário de Manfred Weber, nome originalmente proposto pelo PPE e que reunia consenso entre os eurodeputados — anulando, por completo, a lógica do Spitzenkandidat.
Este termo alemão refere-se ao método de vincular a escolha do Presidente da Comissão ao resultado das eleições para o Parlamento Europeu, fazendo com que cada grande partido político europeu nomeie o seu candidato para presidir a Comissão antes das eleições parlamentares, ao invés do que acontece outras vezes, que é o Conselho Europeu a propor o presidente da Comissão e só depois o Parlamento Europeu aprovar a escolha. Embora von der Leyen já se tenha apresentado como a candidata pelo PPE na corrida à Comissão Europeia, não se exclui que o que aconteceu em 2019 possa vir a repetir-se este ano.
“Ursula von der Leyen tem grande hipóteses de ser reeleita, mas se o nome não reunir consenso no Conselho Europeu, arriscamo-nos a um nome surpresa, como o de Mário Draghi. Isso não se exclui“, refere ao ECO. José Filipe Pinto, politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais pela Universidade Lusófona.
Mas além da possível oposição interna — e do risco de os socialistas retirarem o apoio depois de von der Leyen admitir negociar com a extrema-direita — a atual presidente do executivo comunitário terá que defrontar mais sete candidatos dos restantes grupos partidários. O único partido que não deverá colocar um nome na corrida será o Partido Europeu dos Conservadores e Reformistas (ECR) que rejeitou fazê-lo por considerar o processo de candidato partidário como “inútil”, depois do sucedido em 2019.
Nicolas Schmit, PSE
O comissário europeu luxemburguês foi eleito o Spitzenkandidat da segunda maior família política do Parlamento Europeu, os Sociais e Democratas (S&D) no Congresso Eleitoral do Partido Socialista Europeu, este ano. O economista de 70 anos, pai de quatro filhos, teve uma breve carreira diplomática antes de ingressar na política. Em 1979, começou como adido no gabinete do primeiro-ministro da altura e mais tarde continuou essas funções no Ministério dos Negócios Estrangeiros. No final da década de 1990, foi apontado como embaixador representante permanente do Luxemburgo junto da União Europeia, cargo onde permaneceu durante cerca de sete anos.
Depois, foi ministro dos Negócios Estrangeiros no Governo luxemburguês entre 2004 e 2009 e, nesse ano, assumiu a pasta do Trabalho, Emprego e Imigração, numa altura em que a crise financeira atingia o grão-ducado, com a comunidade portuguesa no país a representar quase um terço dos desempregados.
Após cinco anos a gerir a pasta do Emprego e dos Direitos Sociais, os socialistas e democratas, apoiados pelos dois partidos mais poderosos do S&D — o alemão SPD e o espanhol PSOE — entenderam que Nicolas Schmit era o candidato mais indicado para a presidência da Comissão Europeia.
Precisamos de ser ambiciosos na industria, na defesa, no combate à alterações climáticas e pobreza, e no garante da justiça social. Defendemos um estado social forte na União Europeia, mas é preciso investimento. Precisamos de dar um sentimento de segurança, sobretudo à geração mais nova. Os S&D sempre lutaram por isso.
“Não há dúvidas de que tem um currículo muito grande no que diz respeito às matérias ligadas ao trabalho, sobretudo, jovem. É um bom candidato, mas deverá ficar em segundo lugar na corrida“, prevê o politólogo, argumentando que, pela União Europeia fora, os partidos socialistas “já não dominam o panorama político europeu”.
“Em Portugal, o PS perdeu as eleições, em Espanha, o PSOE chegou ao poder em coligação, na Alemanha os socialistas estão no poder mas há uma forte contestação”, enumera José Filipe Pinto. “Nicholas Schmit é um bom candidato e está por dentro dos problemas da União Europeia, mas não me parece que disponha de capacidade para ser eleito“, termina
Marie-Agnes Strack-Zimmermann, Renovar a Europa
Conhecida na Alemanha pelo seu estilo franco e sem rodeios, Strack-Zimmermann quer trocar o Bundestag, em Berlim, onde preside à comissão de Defesa, pela Comissão Europeia, em Bruxelas.
Membro do Partido Democrata Livre (FDP) da Alemanha, que integra a coligação governamental tripartida, liderada pelo chanceler Olaf Scholz, a deputada de 66 anos tem sido uma voz ativa na defesa do apoio militar à Ucrânia, urgindo a necessidade de apoiar Kiev com mais munições e armas de longo alcance face à Rússia.
É importante que trabalhemos juntos porque se a Ucrânia perder a guerra vai ser diferente para a Europa agora, do que foi no passado. É importante termos uma defesa militar conjunta, uma vez que podemos não contar com a ajuda dos EUA, no futuro.
Embora tenha pouca experiência política, o facto de assumir a defesa e a segurança como as suas principais bandeiras nesta corrida à presidência da Comissão Europeia tornam-na num player imprevisível. Isso, e o facto de ser uma candidata apoiada pelos liberais, o Renovar a Europa, grupo político que tem aumentado a sua representação no Parlamento Europeu, de forma sustentada, desde 2019. Neste momento, é a terceira força política, em Bruxelas.
“É uma mulher com um peso político muito grande no que diz respeito à Alemanha e desempenha um papel muito importante nesta altura por ter conhecimentos profundos num dossiê que a União Europeia se debate atualmente: a defesa”, analisa José Filipe Pinto, antecipando que a candidata ocupe o “terceiro lugar” na hierarquia de candidatos à Comissão Europeia.
Atualmente, o Renovar Europa conta com 102 eurodeputados no Parlmento, nenhum deles é português. A Iniciativa Liberal, que concorre pela primeira vez às eleições europeias, deverá integrar esta família política.
Anders Vistisen, Identidade e Democracia
O candidato de 37 anos, natural da Dinamarca, é a cara do Identidade e Democracia (ID), grupo parlamentar que reúne os partidos populistas identitários de extrema-direita, na corrida à presidência da Comissão Europeia. Mas nem sempre pertenceu a este clã.
Em 2014, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu pela Dinamarca como representante dos partidos dos Conservadores e Reformistas Europeus, na altura, com 26 anos, o eurodeputado mais novo da legislatura. Mas nas eleições europeias seguintes, em 2019, o Partido Popular Dinamarquês perdeu mais de metade dos seus votos e, consequentemente, ficou sem dois dos seus três lugares. Um deles, o de Vistisen. Mas a 22 de novembro de 2022, voltou ao hemiciclo, desta vez, como eurodeputado pelo grupo político ID, tornando-se num dos seus fundadores.
O seu principal objetivo no Parlamento Europeu tem sido o de pôr termo à imigração ilegal, ao alargamento da União Europeia e ao combate à corrupção.
A Europa tornou-se num pântano. A presidência da Comissão Europeia foi um desastre. Assistimos a milhares de imigrantes a entrarem na UE, escândalos sucessivos. Nenhum europeu elegeu von der Leyen da primeira vez e ninguém a vai escolher agora.
Numa altura em que os partidos integrantes desta família política — nomeadamente, o Chega — crescem por toda a Europa, a escolha de Vistisen surge como surpresa. “Não tem peso político“, avalia José Filipe Pinto, acrescentando que a poucos dias da eleições europeias, que decorrem entre 6 a 9 de junho, estuda-se a possibilidade se formar uma quarta força política no Parlamento Europeia, uma internacional populista cultural identitária.
“Se for possível [esta formação], então, não se percebe a escolha de Anders quando se poderia recorrer a um partido com maior visibilidade para apresentar um candidato, como França (Reagrupamento Nacional), Espanha (Vox), Itália (Irmãos de Itália) — que está no poder — , Alemanha (Alternativa para a Alemanha) ou os Países Baixos (Partido da Liberdade). Se juntarmos estes partidos ao Fidesz, de Viktor Orbán ou o Lei e Justiça da Polónia [do ERC], torna-se difícil de perceber a razão para chamar Anders”, explica o politólogo. “Ou não vamos ter uma aliança, ou houve dificuldade em chegar a consenso sobre o candidato“, remata.
Atualmente, o ID conta com 59 eurodeputados no Parlamento, nenhum deles é português. No entanto, o Chega, de André Ventura, que se prepara para estrear nas próximas eleições, já anunciou que pretende integrar esta família política.
Bas Eickhout, os Verdes
É um dos eurodeputados mais ativos no grupo dos Verdes e um dos maiores defensores do Pacto Ecológico Europeu. Natural dos Países Baixos, o cientista virado político é eurodeputado há três mandatos consecutivos e um dos candidatos mais novos (47 anos), e menos experientes politicamente, na corrida ao cargo de topo, em Bruxelas.
A maior experiência deste candidato resulta do seu trabalho científico. Formado em Química e Ciências do Ambiente na Universidade de Radboud, em Nijmegen, Eickhout trabalhou como investigador nos Países Baixos em vários projetos relacionados o clima, tendo sido coautor do relatório do relatório histórico do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) sobre o agravamento das alterações climáticas, que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2007.
A emergência climática e o aumento das desigualdades são dois dos nossos principais desafios e as nossas prioridades. Queremos investir numa economia verde, em mais habitação, melhores serviços públicos.
Desde então, decidiu aplicar o seu conhecimento também na política aliada às causas verdes. Em 2019, Bas Eickhout foi o candidato principal dos Verdes ao Parlamento Europeu, juntamente com Ska Keller, liderando uma campanha que levou aos melhores resultados de sempre do partido no hemiciclo. Atualmente, os Verdes contam com 71 eurodeputados, nenhum deles português.
“Os Verdes vão ter um melhor resultado do que a Esquerda por causa de Bas“, avalia José Filipe Pinto, sublinhando que o facto de as causas ambientais defendidas pelo partido serem suportadas por uma visão científica certificada, tornam-no “num ativo muito superior”.
“Eickhout poderá ser uma grande surpresa. Estamos a assistir a uma subida deste grupo desde 2019 e de repente pode intormeter-se pela luta pelo terceiro lugar. Não ficará no fundo da lista com certeza”, prevê o politólogo.
Walter Baier, Esquerda Europeia
Oriundo do partido comunista austríaco, e doutorado em Economia pela Universidade de Viena, Walter Baier é presidente do Partido da Esquerda Europeia desde dezembro de 2022. Em fevereiro passado, e embora com pouca experiência na política europeia, o economista de 70 anos foi a escolha da ala europeia mais à esquerda — do qual o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista fazem parte — para representar o grupo na corrida à presidência da Comissão Europeia.
O seu percurso na política remota a 1977, ano em que foi eleito presidente da União Comunista de Estudantes tendo contestado, em 1981, a candidatura de um grupo neonazi às eleições para o corpo estudantil. Nesse ano, foi coorganizador da grande manifestação pacifista contra a guerra nuclear e, em 1983, foi orador na marcha pela paz, movimento que contou com a participação de mais de 100 mil pessoas.
Estamos a viver uma crise habitacional na Europa neste momento e as grandes empresas, como o Airbnb, ganham imenso com isso. É necessário um quadro legislativo que obrigue os Estados-membros a colocar um teto sobre as rendas e que proteja os inquilinos.
A justiça social e climática são duas das principais bandeiras de Baier, aliadas ainda à necessidade de promover uma Europa pela paz e democracia, com melhores serviços públicos e o garante dos direitos sociais. Mas para o especialista em Relações Internacionais da Universidade Lusófona, Baier disputa esses dossiês com os socialistas e os Verdes, o que poderá dificultar a diferenciação política nos debates. A Esquerda Europeia conta com 37 eurodeputados no Parlamento Europeu.
Maylis Roßberg, Aliança Livre Europeia
O objetivo da Aliança Livre Europeia para as eleições europeias de junho de 2024 é garantir que os direitos das minorias são respeitados na União Europeia. Essa missão será conduzida pela Spitzenkandidat mais nova de sempre, Maylis Roßberg, de 24 anos.
Ao fim de algumas décadas, o partido, volta assim, a ir sozinho às eleições. Desde as eleições de 1999, a Aliança Livre Europeia formou uma coligação, apesar das suas diferentes ideologias, com o Partido Verde Europeu que deu origem à criação do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia.
Acredito na Europa, mas os tempos mudaram. As promessas falharam. Nada pode ser tomado por garantido e é urgente fazermos ouvir as nossas vozes. Acredito numa Europa em que todas as vozes são ouvidas, e não apenas algumas.
A candidata, com pouca experiência política, assume-se como ativista e é atualmente presidente da juventude partidária. Em 2021, foi candidata às eleições parlamentares nacionais na Alemanha pela Associação de Eleitores de Schleswig do Sul.
“Maylis surge como uma tentativa de apelar ao voto jovem e das minorias. Apesar de ser jovem, e poder representar uma lufada de ar fresco, dificilmente terá a mínima hipótese [para ganhar as eleições]”, aponta o politólogo.
Valeriu Ghilețchi, Movimento Político Cristão Europeu
Valeriu Ghilețchi é um político da República da Moldávia, e atualmente deputado, depois de ter sido eleito, em 2017, vice-presidente do Parlamento daquele país, que não faz parte dos 27 Estados-membros da União Europeia. O processo está, no entanto, em curso depois de, no final de 2023, os líderes dos Estados-membros da União Europeia terem chegado a acordo para iniciar as negociações formais para a adesão ao bloco comunitário.
Ghilețchi surge assim em representação do país, e também do Movimento Político Cristão Europeu, em representação dos batistas, que não tem representação no Parlamento Europeu. Tentar mudar esse cenário nas próximas eleições legislativas não será fácil, e chegar ao cargo de presidente da Comissão Europeia, também não.
“Tem fraco peso político pela origem geográfica”, explica José Fiilpe Pinto. Mas não será esse o único desafio do moldavo. “O grande problema, é que a tradição cristã europeia não se revê nos baptistas. Revê-se no PPE“, diz, referindo a título de exemplo que em Portugal tanto o PSD e o CDS integram revê-se naquela família política, “e não com os cristãos”.
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