Seguro agrícola: Há novos protagonistas nos campos
Regras mudam, a Generali Tranquilidade saiu, a Fidelidade está em serviços mínimos, fica a CA Seguros com novos operadores ambiciosos na conquista de um mercado que está 94% por segurar.
Com seis meses de atraso, o IFAP, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, publicou as tabelas de preço e produtividade que determinam o capital do seguro de colheitas, bem como as restantes regras que regem o ramo do seguro agrícola. O sistema informático que permite a colocação das candidaturas de bonificação ao prémio abriu apenas em 20 de maio, tornando possível emitir as apólices definitivas dos seguros de colheitas no ano em curso. Os operadores do mercado reclamam pelo atraso, já houve granizo e geada, os prémios seguiram os valores do ano passado, há regras novas e ajustes de preços a realizar.
Este atraso é um indicador da importância do Estado nos seguros agrícolas. Por um lado, os prémios de seguros dos agricultores são bonificados por fundos europeus. Por outro, o governo português coloca um mecanismo de compensação de sinistralidade às seguradoras quando o volume de indemnizações excede as receitas destas. No entanto, depois de duas ameaças em anos passados, o atual Executivo promete que este mecanismo vai terminar no final deste ano.
Não terá sido apenas por este motivo que os dois mais históricos seguradores de riscos agrícolas em Portugal estão a abandonar este negócio. A Generali Tranquilidade, que nos últimos anos deteve cerca de 50% do mercado, já não fez seguros agrícolas este ano. A Fidelidade, detentora de 22,6% de quota no ano passado, está apenas a manter os clientes antigos, enquanto a CA Seguros que também controlou cerca de 20% do negócio em 2023, ainda está firme, mais pela sua natural vocação de apoio aos agricultores que pelos 4,2% que o seguro agrícola significa para a sua produção total.
A Caravela, que tem a Safe-Crop como agência de subscrição, e a UNA entraram no mercado em 2022 e prometem aproveitar o espaço que terá de ser ocupado e também todo a enorme de lacuna de proteção por seguros que existe no setor. Ainda há que contar com a seguradora japonesa Sompo, que não entra nas contas de produção do mercado português porque a Atlas, a sua agência de subscrição em Portugal, coloca os seguros numa sucursal da Sompo fora do país.
Agricultura cresce, seguros estagnam
O facto é que a produção de seguros não tem crescido tanto como o setor agrícola. O Rendimento da atividade agrícola a preços ao produtor, medido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), indicou – para a produção vegetal – um valor de 7,6 mil milhões de euros em 2022, mais 22% do que em 2022. Nesse ano, a produção foi de 6,25 mil milhões de euros e os capitais seguros pelos seguros agrícolas atingiram, segundo o IFAP, 423 milhões. Comparando valores, verifica-se que apenas 6,7% da produção agrícola esteve segurada, enquanto em todo o mundo, segundo o SRI Crop Insurance Resilience Index da resseguradora Swiss Re, a cobertura é de 40%. Se a lacuna de proteção global é de 60%, em Portugal é 94%, pelo que o potencial do crescimento do mercado é muito relevante no longo prazo mas, de imediato, a oportunidade é ganhar os 14 milhões de euros em prémios de que a Generali Tranquilidade desistiu.
O setor é subsidiado. Os apoios seguradores europeus incidem numa bonificação das tarifas aplicadas aos seguros em território nacional, continente e regiões autónomas. São calculados os capitais a segurar, através das tabelas agora tardiamente publicadas pelo IFAP, de acordo com a produtividade de cada cultura em Kgs por hectare e o preço de referência pago ao produtor em euros por Kg. Sobre esse capital seguro incidem tarifas segundo cinco regiões de risco no continente (de A a D) que cobrem danos nas culturas devido a eventos climáticos como incêndios, granizo, geada ou neve, mas excluindo a seca. Os agricultores candidatam-se a esta bonificação que varia entre 57% e 60% do custo do prémio, conforme a sua situação, pagando apenas o valor líquido do prémio, devendo a seguradora procurar o restante junto do IFAP.
Já o mecanismo de compensação de sinistralidade é iniciativa do governo português e tem custo previsto no Orçamento de Estado. Tem como objetivo atribuir às seguradoras uma compensação financeira quando a sinistralidade atinge uma determinado valor, isto é, o montante das indemnizações pagas excede uma dada percentagem do valor dos prémios processados. É um processo de resseguro normal de stop-loss que, face a muitas hesitações das grandes resseguradoras mundiais em o aceitar, obrigou o Estado a ser ressegurador público. Assim, há lugar à atribuição de compensação de sinistralidade quando as indemnizações pagas decorrentes de sinistros forem superiores a 150% dos prémios processados no conjunto das regiões A, B e C e superiores a 85 % dos prémios processados no conjunto das regiões D e E. É este apoio que o Governo quer terminar no final deste ano, obrigando as seguradoras a recorrerem apenas a resseguradores globais.
“Do nosso lado, estamos preparados para o novo enquadramento, pois nunca trabalhámos com este apoio. Acreditamos que promove uma seleção adversa”, afirma Filipe Charters de Azevedo, da Safe-Crop. Fonte do setor acrescenta que sem o resseguro haverá algum desconforto no mercado, já que nem todas as seguradoras irão querer suportar um conjunto de riscos sem o suporte do Estado”.
A solução, segundo a mesma fonte, é “flexibilizar o seguro de colheitas, permitindo alterar franquias, riscos meteorológicos cobertos e formas de peritagem, mantendo os restantes apoios europeus. Se tal for permitido, se houver esta flexibilidade por parte do IFAP, o fim do resseguro público poderá nem sequer ter impacto”, conclui. Sem esta vontade de flexibilizar o mercado, acrescenta, “continuaremos a ter um elevado gap de proteção e um mercado de dinamismo lento”.
Protagonistas estão a emergir
A hoje Generali Tranquilidade tinha longa tradição de seguro agrícola, mas decidiu “descontinuar este produto” face às dificuldades em trabalhar nesta área. Também a Fidelidade vai reduzir a sua produção apenas satisfazendo clientes antigos.
Para este ano desenham-se apenas cinco protagonistas mais ativos: CA Seguros, a Caravela através da agência de subscrição Safe Crop, a Sompo através da também agência de subscrição Atlas, a corretora Cegrel e a UNA seguros.
A CA Seguros tem estado vocacionada para a contratação dos seguros de colheitas desde o seu início e “continuará a prestar esse serviço aos clientes do Crédito Agrícola, protegendo os seus investimentos e garantindo a sua continuidade de negócio, num ramo que, cada vez mais, está dependente do clima e das intempéries” afirma fonte da empresa. Para a CA Seguros de campanha deste ano já está a terminar pelo que já faltam poucas culturas para serem contratadas, referindo que as Seguradoras já estão a assumir risco praticamente desde fim de março. A CA Seguros continua a trabalhar diretamente com os agricultores através dos balcões da Caixa Agrícola, não podendo estatutariamente utilizar os serviços de mediadores ou corretores.
Quanto ao resseguro estatal, a CA Seguros há muito que saiu deste sistema e contrata resseguro privado. No entanto, a seguradora entende que “foi um mecanismo de excelente implementação que proporcionou um seguro, durante muitos anos, a segurados de altíssimo risco”. Refere que para funcionar bem o sistema de resseguro do Estado deverá ser alvo de uma grande reformulação e fiscalização, de modo “a que todos tenhamos a garantia que o Resseguro está ser bem aplicado, do mesmo modo que o resseguro privado faz”.
Safe-Crop e Atlas procuram ativamente mediadores de seguros em todo o país para a sua expansão no ramo agrícola, mais interessados em preencher as lacunas dos agricultores quanto a seguros que em concorrer entre si.
A Caravela iniciou em 2023 a exploração do seguro de Colheitas em parceria com a Safe-Crop, num modelo de MGA. Em relação à sua estratégia, fonte da seguradora refere: “Estamos atentos às alterações que se perspetivam para o setor, porém aguardamos a estabilização do enquadramento regulatório” acrescentando que “o setor agrícola está em crescimento, tem vindo a observar a entrada de novas empresas com tecnologia inovadora e explorando novos nichos, fator que esteve na base deste nosso passo para a exploração desta área de negócio”, conclui.
Do lado da Safe-Crop, a certeza é que, apesar da saída Generali Tranquilidade, “50% do mercado não desapareceu”. Filipe Charters de Azevedo garante que “os clientes não ficaram sem resposta. Cada um dos atuais fornecedores de seguros de colheita, sejam seguradoras ou agentes de subscrição, ajustou a sua oferta e rede de distribuição de forma a conseguir satisfazer as necessidades dos agricultores”. No caso da Safe-Crop, continua, “sendo um projeto recente, obrigou-nos a correr ainda mais depressa. Uma das soluções encontradas foi diversificar a nossa linha de agentes e corretores no campo, dispostos a estar ombro a ombro com os nossos clientes”. Charters de Azevedo confirma que tem parceiros a vender produtos Safe-Crop em todo o país e afirma “continuamos à procura de agentes que queiram vender seguros de colheitas”.
A mediadora agente de subscrição Atlas é uma separação do departamento agrícola da corretora de seguros Secose e em 2012 iniciou um projeto exclusivamente dedicado ao setor agrícola representando a Sompo Internacional, seguradora japonesa que subscreve riscos nos principais mercados agrícolas mundiais como Estados Unidos, China, Japão, Índia e América do Sul. Tendo obtido 937 mil euros de comissões em 2022, o seu principal acionista, Frederico Bernardino, aponta a sua estratégia para o alargamento do mercado nacional e para esse objetivo está a recrutar 25 mediadores de seguros em todo o país. Quer ainda alargar as suas parcerias com resseguradoras para além da Sompo. “Queremos aumentar a dispersão geográfica das nossas apólices, evitar os mesmos estadios de diferentes culturas, ou seja, evitar concentração de riscos”, diz.
A Cegrel, corretora baseada em Portalegre tendo a Villas Boas como maior acionista e liderada por Miguel Fino, colocou em 2023 cerca de 60% dos seus seguros na Generali Tranquilidade e 37,5% na Fidelidade, exatamente as seguradoras que ou saíram ou estão em desaceleração no ramo. Segundo fontes do mercado, é mesmo a Cegrel – com comissões de 712 mil euros em 2023 – que vai mantendo a Fidelidade neste ramo. Para este ano, a corretora planeia “consolidar a carteira existente de clientes e prémios, aumentar a implantação no mercado do ramo colheitas/agrícola, alargar a carteira nos restantes ramos e manter o valor de comissões em 2024”, já que não preveem aumento das comissões no ramo agrícola por parte das seguradoras.
Finalmente, fonte da UNA salienta que o setor agrícola “é um ramo em que temos investido, temos desenvolvido e alargado a nossa oferta ao longo do tempo”, mas há prudência ao definir a velocidade que vai imprimir ao negócio.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Seguro agrícola: Há novos protagonistas nos campos
{{ noCommentsLabel }}