• Entrevista por:
  • Helena Garrido e Paula Nunes

“Não partilho o otimismo que reina no país”

António Costa está a surfar uma onda que não foi criada agora nem por nós, defende o economista em entrevista ao ECO.

O crescimento económico que estamos a ter agora explica-se com a herança da política seguida por Pedro Passos Coelho e com a conjuntura internacional. Rapidamente regressará a estagnação da economia, característica das últimas quase duas décadas, defende Nuno Garoupa.

Nesta parte da entrevista falamos da conjuntura económica. O economista agora a dar aulas nos Estados Unidos considera que António Costa tem sabido “surfar” a onda de crescimento mas não a criou. E que o seu otimismo tem sido mais eficaz em matéria eleitoral. “É difícil encontrar, nos últimos 40 anos, um primeiro-ministro que tenha tido uma tática política, conjugada com uma semântica, mais otimista no sentido de produzir estes resultados”.

Sobre a eventual saída de Portugal da Zona Euro, considera que há um equivoco no debate: o problema é a transição. No longo prazo podemos estar melhor mas se no curto prazo se morrer não é melhor, argumenta Nuno Garoupa numa parte da entrevista em que olhamos também para o passado e as criticas que faz a Pedro Passos Coelho.

A crise económica portuguesa está ultrapassada?

Não. Não partilho deste otimismo que reina neste momento no país. Portugal está exatamente onde esteve nos últimos 15 ou 20 anos, que é estagnado. Essa estagnação tem é períodos melhores e piores. Teve períodos piores porque passamos pelo pacote de austeridade e aí, apesar de pessoalmente, como é público e notório, ser bastante crítico do Governo anterior, acho que é completamente demagógico dizer que aplicou o pacote de austeridade porque quis e havia uma alternativa.

Não havia alternativa?

Acho que não havia alternativa e por duas razões. Não havia grande alternativa em termos de políticas concretas, porque estávamos de facto numa situação de emergência de financiamento da economia, de falta de dinheiro. E depois não havia alternativas porque fazemos parte de uma União Europeia. Podemos ter todas as opiniões que queiramos, mas na altura e até hoje com a preponderância da Alemanha, entendeu-se que aquele era o conjunto de políticas corretas para seguir. É demagógico insistir que havia programas alternativos. Só para esclarecer: as minhas críticas ao Governo de Passos Coelho são não de que fez um pacote de austeridade mal feito ou com más reformas, o meu entendimento é que não fez todas as reformas que tinham de ser feitas. Acho que o problema do Governo de Pedro Passos Coelho foi não ter feito um pacote de reformas mais ambicioso.

Há de facto um benefício daquilo que foi a política e a herança de Passos Coelho. Depois há uma conjuntura económica europeia que é neste momento muito mais favorável do que era há dois ou três anos. Vamos voltar rapidamente para taxas de estagnação à volta de 1%, 1,5% de crescimento.

Nuno Garoupa

Professor universitário

Foi uma oportunidade perdida?

Foi uma oportunidade perdida em áreas fundamentais como justiça, regulação, universidades, investigação científica e outras áreas. Foram políticas tímidas ou mal desenhadas e uma oportunidade perdida que não vamos voltar a ter tão cedo. Não confundir as minhas criticas com as dos partidos da esquerda. Em termos ideológicos, a minha crítica é à direita do Governo de Passos Coelho. Neste momento beneficiamos de duas coisas. Uma, é que depois de um programa de austeridade, em que a economia contrai, é normal que a passe a expandir e que haja algum crescimento. O que seria estranho é que depois de um programa de ajustamento a economia continuasse a minguar. Há de facto um benefício daquilo que foi a política e a herança de Passos Coelho. Depois há uma conjuntura económica europeia que é neste momento muito mais favorável do que era há dois ou três anos.

Portanto, este crescimento é conjuntural?

É puramente conjuntural. Vamos voltar rapidamente para taxas de estagnação à volta de 1%, 1,5% de crescimento. Este sonho de que de repente vamos ser uma economia pujante, a crescer a 3% ou a 3,5%, penso que vai desaparecer rapidamente.

Quando?

Para isso precisaria de uma bola de cristal. Estamos extraordinariamente dependentes da evolução quer da economia europeia, quer da economia americana. Qualquer solavanco que possa haver na Europa ou nos Estados Unidos vai-nos afetar diretamente e imediatamente. Ainda mais tendo em conta este crescimento que nós observámos ultimamente, à base das exportações e do turismo, duas áreas que nos expõem às flutuações internacionais.

Também é injusto quando se diz que o Governo encolheu caminho e já não acredita no modelo do crescimento pelo consumo interno e afinal adotou o crescimento da exportação. Isto não são modelos que os governos escolhem. O modelo das exportações depende imenso de quem quer comprar os nossos produtos. É normal que num ciclo em que, de repente, a economia mundial nos permite exportar mais, que nós exportemos mais, sem qualquer atividade por parte da política industrial.

O que está a dizer é que estes resultados não têm qualquer contributo do Governo?

Não digo que não tenham qualquer contributo, mas acho que tem um contributo relativamente marginal.

E o discurso menos pessimista não é indutor de confiança?

Mas essa confiança, se alguma implicação económica tivesse, devia ser através do consumo interno. E o que o está a ser o motor deste crescimento não é o consumo interno.

"É difícil encontrar, nos últimos 40 anos, um primeiro-ministro que tenha tido uma tácita política, conjugada com uma semântica, mais otimista no sentido de produzir estes resultados. No fundo António Costa está a “surfar” uma onda. Mas não vamos confundir o ser bom a surfar uma onda, com o ser bom a criar a onda.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Ou seja, o discurso mais otimista de António Costa não está a conseguir ser eficaz?

O discurso otimista tem benefícios políticos em termos daquilo que é o resultado eleitoral. Aí António Costa tem jogado muito bem e tem feito um papel muito bom. É difícil encontrar, nos últimos 40 anos, um primeiro-ministro que tenha tido uma tática política, conjugada com uma semântica, mais otimista no sentido de produzir estes resultados. No fundo António Costa está a “surfar” uma onda, que não foi criada por nós, mas que vem de trás. Mas vão dizer-me que ele aí foi inteligente porque conseguiu apanhar a onda e surfar a onda. Sim, sem dúvida. Um primeiro-ministro menos habilitado podia ter a mesma onda e não a saber aproveitar e eventualmente até a desfazer. Não está em causa que há mérito em saber surfar a onda. Mas não vamos confundir o ser bom a surfar uma onda, com o ser bom a criar a onda. Porque nós temos um problema estrutural, não temos só um problema conjuntural. Somos uma economia que tem um enorme problema de dependência do exterior, em que não é claro onde é que estão as nossas vantagens competitivas, como é que se faz a nossa economia mais competitiva. Já tivemos imensos sonhos. A grande solução da economia era a economia do mar. De repente desapareceu. Depois ia ser a questão tecnológica, mas não se percebe qual é a nossa vantagem competitiva…

O clima…

O clima pode ser, mas temos um problema de mão-de-obra e de disponibilidade de recursos para investimento. Outra vantagem competitiva de que se fala tem sido o turismo. Evidentemente que o turismo correu bem. Acho que o Governo anterior, como este Governo, têm feito, quer ao nível central, quer ao nível da autarquia de Lisboa, um trabalho muito meritório.

Há um risco de se destruir essa onda do turismo, com estas tentativas de regulamentação do alojamento local, por exemplo?

Pode criar alguns problemas pontuais, mas a grande questão é mais estrutural. Se, em algum momento, a Turquia e os países do Médio Oriente evoluem para uma situação de maior estabilidade política e voltam a ser destinos de ponta, podem afetar de alguma forma Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Estamos de facto a fazer aquilo que pode ser feito. Mas evitaria era um excessivo otimismo de que o turismo é como o petróleo, um recurso inesgotável e que é o motor da nossa economia. Não é. Estamos a fazer o melhor possível nesta altura.

Não há uma bolha imobiliária nesta altura?

Está criada uma bolha imobiliária, mas também não é claro que esta bolha imobiliária tenha necessariamente de levar a uma crise imobiliária a médio prazo, porque sabemos, quer da nossa história recente quer de outros países, que nem todas as bolhas rebentam da mesma maneira.

A nossa rebentou na banca, sem nós darmos conta.

Exatamente. Há um começo de bolha imobiliária, mas também é uma bolha imobiliária muito localizada em Lisboa e no Porto. Vai haver evidentemente um downsize dessa bolha, mas também não acho que neste momento seja uma coisa que deveria preocupar imenso os reguladores e as autoridades políticas.

"Sair do euro? No longo prazo é melhor para nós mas se entretanto morri no curto prazo, não é melhor para nós. A discussão de que fora do euro estaríamos melhor, é uma discussão profundamente equivocada, porque o nosso problema não é ficar fora do Euro, é como se faria a transição de dentro para fora.”

Nuno Garoupa

Professor universitário

Portugal deveria reestruturar a dívida?

É uma questão complicada. Temos dois níveis de discussão diferentes que se confundem. Uma coisa é o problema de otimização livre, isto é, se eu não tivesse condicionante deveria ou não reestruturar a dívida? Aí, provavelmente estaria inclinado a dizer que sim. Se dependesse só de nós, provavelmente deveríamos reestruturar a dívida. Outra coisa é quando temos um problema de otimização condicionada e, aí, tenho grandes dúvidas.

Estamos dentro de uma União Europeia e mais particularmente na Zona Euro que tem um conjunto de regras muito complicadas. Depois estamos inseridos em mercados internacionais que têm também as suas regras. Não sei se a capacidade de pôr a renegociação da nossa dívida em cima da mesa não vai criar mais custos do que benefícios em termos políticos e em termos da nossa relação, quer com a Zona Euro, quer com os mercados.

Na sua perspetiva a Zona Euro está ameaçada?

A minha conclusão, depois destes sobressaltos todos, é que a Zona Euro vai estar em risco sempre, mas que vai ficando. Há duas dimensões nesta discussão: se sairmos do Euro ficamos melhor ou pior? Isso é uma discussão. Eu até posso comprar o argumento de que nós, fora do Euro, estaríamos melhor do que dentro. Mas sair do Euro não será voltar ao escudo de 1998.

É mais uma situação comparada com o que aconteceu na Argentina?

Não é só isso. Uma coisa é comparar Portugal na Zona Euro com o Portugal fora da Zona Euro. Mas há o problema da transição: como vou daqui para ali. O que quero dizer é que, até me podem vender o argumento que estando fora da Zona Euro estaríamos melhor, mas o problema é como é que eu faço a transição da situação em que estamos para essa? Aí, é que eu vejo um problema à Argentina. A transição tem um custo social brutal. Mesmo que nos possam acenar com benefícios a longo prazo, para citar os nossos velhos economistas, “a longo prazo estamos todos mortos”.

As transições que conhecemos são a da Argentina, e é grave. Com a agravante de que a Argentina era um estado soberano. Como é que nós fazemos essa transição, quando a nossa soberania está compartilhada com a UE? Com a nossa saída do Euro, a Zona Euro vai continuar a existir, a ideia seria continuarmos a ser parte de um mercado comum. É muito complicado fazer perceber como podíamos fazer um Portugalexit e pensar se num curto prazo isso não teria custos devastadores para a nossa economia. No longo prazo é melhor para nós mas se entretanto morri no curto prazo, não é melhor para nós. A discussão de que fora do euro estaríamos melhor, é uma discussão profundamente equivocada, porque o nosso problema não é ficar fora do Euro, é como se faria a transição de dentro para fora.

  • Helena Garrido
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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