Luxo “desaperta” calçado português, esmagado entre custos de produção e preços na exportação
Estudo da EY Parthenon traça roteiro para a indústria portuguesa disputar segmento de luxo com os italianos e escapar à “ameaça da sustentabilidade financeira”. Setor vira-se para EUA, Coreia e Japão.
O aumento dos custos de produção, associado à dificuldade de aumento do preço médio de venda, está a criar pressão sobre as margens e a ameaçar a sustentabilidade financeira das empresas portuguesas de calçado. O diagnóstico é feito pela consultora EY Parthenon no estudo de mercado “Os caminhos da indústria de calçado em direção ao luxo”, encomendado pela associação do setor (APICCAPS) para avaliar este mercado, identificar as oportunidades e traçar uma estratégia para a afirmação de Portugal neste segmento de maior valor acrescentado.
Na última década, em que o custo da mão-de-obra cresceu acima da produtividade e do preço médio de exportação do calçado nacional, triplicou para 38,9 euros a diferença de valor face ao maior concorrente neste segmento do luxo: subiu 88% em Itália (para 66,6 euros) e apenas 19% em Portugal (para 27,7 euros). Calcula a consultora que se os fabricantes nacionais tivessem acompanhado o ritmo italiano, teriam exportado mais quase 1.200 milhões de euros em 2023. Ou seja, quase daria para duplicar o saldo da balança comercial do setor.
A indústria portuguesa vendeu menos dez milhões de pares de calçado no estrangeiro durante o ano passado, com a redução das quantidades exportadas (-11,3%, para um total de 66 milhões de pares) a ser superior à perda de 8% em valor, em relação ao ano anterior. Já depois de ter perdido 56 empresas e 1.361 postos de trabalho em 2023, como o ECO noticiou em março, a falta de encomendas está a parar várias fábricas e a destruir empregos neste setor tradicional, com os empresários do cluster a admitirem que “em 30 anos nos sapatos nunca [viram] uma crise tão profunda”.
Com o setor a entrar num “momento de redefinição estratégica”, para reduzir os custos de produção, o documento que será apresentado esta quarta-feira numa conferência no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, sugere às empresas ganhar escala com a integração de vários players; aumentar a produtividade através de novos processos industriais; otimizar o custo da mão-de-obra subcontratando parte no exterior; e diminuir o custo das matérias-primas através de inovação do produto. Já para puxar pelo preço, além de explorarem outras geografias e “novas fases da cadeia de fornecimento”, resta-lhes explorar o segmento de luxo.
Um questionário realizado aos associados da APICCAPS mostra que 43% das empresas vendem ou já venderam calçado de luxo nos últimos cinco anos. Porém, a dificuldade começa logo em definir o preço de fronteira para este segmento. As empresas que vendem luxo — e têm um PVP médio de 344 euros — atiram para valores mais elevados do que aquelas que não o fazem, cujo PVP médio se fica pelos 228 euros. E porque não produzem sapatos de luxo? Por não o considerarem um “segmento interessante” (29%), inadequação do produto (18%), insuficiente atividade comercial (16%) e por considerarem o preço oferecido “demasiado baixo” (16%), respondem os empresários.
Preço ajuda a “roubar” fatia italiana no luxo
Em quantidades, a produção mundial de calçado é dominada pelos países asiáticos, sendo a China responsável por praticamente 55% do total. Já em valor, a análise da EY Parthenon estima que 8% do mercado global de 398 mil milhões de dólares (366 mil milhões de euros) é gerado pelo segmento de luxo. Em que Itália é “líder incontestável”, com uma quota de 53%, apesar de representar apenas 1% do mercado global. No entanto, garante neste estudo que “os produtores portugueses com mentalidade e know-how conseguirão entrar no mercado de luxo, oferecendo preços mais competitivos” do que o maior concorrente.
O setor do calçado em Portugal, que em 2022 tinha 1.468 empresas, 38.513 trabalhadores e faturava 2,6 mil milhões de euros, “oferece elevada reputação social e ambiental, bem como qualidade de produção e preços inferiores aos países europeus. Quer Portugal, quer Itália conseguem oferecer qualidade e reputação elevada, mas Portugal apresenta menores custos de produção”, descreve. No plano das remunerações, combinando um vencimento base de 875 euros com subsídios, prémios e trabalho suplementar de 129 euros, o salário médio bruto no setor ronda os 1.004 euros, segundo números da APICCAPS. Comparam com um valor ligeiramente inferior na restauração (978 euros), mas bastante superior na generalidade da indústria transformadora portuguesa (1.303 euros).
Do curto ao médio e longo prazo, a consultora sugere um caminho com três fases para o setor se conseguir posicionar em segmentos superiores:
- Entrar no cluster italiano (estabelecer relações diretas com fornecedores de marcas de luxo ou por meio de agentes para produção de componentes e produtos semiacabados)
- Produzir diretamente para marcas de luxo (estabelecer acordos de produção diretamente com as marcas)
- Elevar os “prodígios” (desenvolver marcas nacionais de calçado de luxo, fomentando o seu reconhecimento internacional, e utilizando-as como locomotiva da marca Made in Portugal)
Evolução do número de empresas e do emprego no setor do calçado
Entalado entre a perda do segmento médio para a cada vez mais sofisticada concorrência asiática e a inaptidão para fornecer os grandes volumes que exigem as principais marcas internacionais de moda, o setor aposta todas as fichas nos investimentos em curso e previstos no plano estratégico até ao final da década, avaliados em 600 milhões de euros. Abrangem áreas como automação, digitalização, sustentabilidade, internacionalização e qualificação dos trabalhadores — e é com eles que tem de ganhar a capacidade tecnológica que lhe permita ombrear com a concorrência nos segmentos de luxo.
Por outro lado, adverte o Centro de Estudos da Universidade Católica do Porto, no âmbito do Plano Estratégico Cluster do Calçado 2030, “o esforço de promoção internacional, seja ao nível da indústria, seja ao nível individual, carece de foco geográfico” nos mercados em crescimento. Calculando que “o mercado potencial do calçado português é constituído pelos consumidores que têm um rendimento igual ou superior à média do PIB per capita dos países da OCDE em 2020, ou seja, cerca de 38.500 dólares”, identifica 145 cidades no mundo que albergam mais de 500 mil clientes potenciais para o calçado português.
Localização das cidades com maior número de potenciais clientes
Segundo a “nova abordagem” proposta pela Universidade Católica, cerca de dois terços dos investimentos do setor deverão centrar-se na Europa e nos EUA, embora também identifique oportunidades na Coreia do Sul e no Japão. Já a partir de julho e num calendário que se estende até ao final do primeiro trimestre do próximo ano, a APICCAPS tem missões empresariais agendadas precisamente para Seul (Coreia do Sul), Atlanta (EUA) e Tóquio (Japão).
A qualidade dos nossos produtos tem de atingir patamares superiores, irrepreensíveis, para que possamos chegar aos mais exigentes mercados.
Luís Onofre, que em janeiro deste ano foi reeleito para um novo mandato à frente da associação empresarial sediada no Porto, aponta ao “reforço muito substancial” da presença internacional e dramatiza que “a qualidade dos produtos [nacionais] tem de atingir patamares superiores, irrepreensíveis, para que possa chegar aos mais exigentes mercados”. “Acredito que é possível voltarmos a dar um salto qualitativo”, acrescenta o empresário de Oliveira de Azeméis.
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