Competitividade da UE luta com forte concorrência interna

O bloco europeu quer ser mais competitivo, mas a coesão entre os 27 Estados-membros da União Europeia sente-se ameaçada com as fortes disparidades fiscais e políticas de protecionismo nacional.

A União Europeia (UE) tem vivido tempos de grandes desafios e mudanças, especialmente no que toca à sua coesão interna e competitividade externa. As disparidades fiscais entre os Estados-membros revelam-se como um fator de crescente tensão, afetando diretamente a harmonização económica e, por conseguinte, a força competitiva do bloco europeu no mercado global.

Enquanto as normas económicas têm sido progressivamente alinhadas, a fiscalidade continua a ser uma área onde as diferenças são notórias. Em Portugal, por exemplo, a tributação sobre o trabalho é significativamente mais complexa e onerosa quando comparada com outros países da UE.

No plano empresarial, as disparidades também não são pequenas, sobretudo se somar-se à concorrência fiscal um quadro cada vez mais intenso do protecionismo industrial nacional.

Disparidades fiscais entre Estados-membros

As regras económicas têm vindo a harmonizar-se dentro da União Europeia (UE), mas uma das questões que permanece distintiva dos países são os sistemas fiscais. E isso comece desde logo na tributação sobre o trabalho, em que Portugal está longe dos países europeus mais competitivos.

Os cidadãos da UE podem trabalhar em qualquer país do bloco, mas a tributação a que estão sujeitos muda consoante o país. Tanto as taxas como o número de escalões mudam de país para país, sendo que Portugal é atualmente o segundo Estado-membro com mais escalões de IRS, a seguir ao Luxemburgo (23).

A coesão política da UE exigirá agirmos todos em conjunto, mas as mudanças geopolíticas estão a aumentar a probabilidade de uma Europa a duas velocidades.

Goldman Sachs

A concorrência fiscal no seio da UE é também visível na tributação dos rendimentos dos investidores. E também neste ponto Portugal fica atrás de muitos dos Estados-membros, desde logo com Espanha. Se em Portugal as mais-valias gerados por ações e outros valores mobiliários são tributados a 28%, em Espanha a tributação varia entre 19% e 26%, consoante o montante do capital investido.

O mesmo nível de competição entre os países da UE acontece na forma como o Fisco tributa as empresas, e que leva várias companhias a optar pelos regimes mais favoráveis para localizar a sua sede. É o caso das retalhistas Sonae e Jerónimo Martins, que têm sede fiscal nos Países Baixos para beneficiar do sistema fiscal.

A Irlanda é outro país que, através de um quadro fiscal menos pesado sobre o tecido empresarial, tem conseguido atrair muitas empresas, nomeadamente multinacionais tecnológicas como a Alphabet (dona da Google), Meta (dona da Facebook), Airbnb e Twitter.

Segundo o ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2020, Portugal tem a terceira taxa efetiva de IRC mais elevada entre os países europeus.

A Comissão Europeia está consciente das fortes disparidades fiscais que se fazem sentir entre os 27 Estados-membros da UE e já avançou com uma proposta para lançar um sistema fiscal unificado e acabar com a concorrência fiscal agressiva entre os países do bloco europeu, mas ainda não se atingiu consenso.

Protecionismo nacional como força de bloqueio

Após a pandemia, vários países se aperceberam da falta de autonomia que tinham em certas áreas, como foi o exemplo das máscaras, além das perturbações às cadeias de fornecimento que se sentiram e deixaram marcas nas empresas. A competitividade tornou-se um problema que está a ser encarado ao nível da UE, mas também individualmente nos países.

Mas já antes isto era um problema. Em 2019, a Alemanha estava a sofrer com as disrupções da cadeia de fornecimento e decidiu avançar com políticas protecionistas para recuperar o ânimo das indústrias. A estratégia da Alemanha passou por dar apoios especiais a setores como baterias para carros elétricos, produtos químicos e impressão 3D.

 

A questão do protecionismo nacional levantou-se também recentemente após a resistência de alguns países em avançar nos acordos com o Mercosul. O antigo primeiro-ministro, António Costa, defendeu que o protecionismo prejudica o objetivo do bloco: “Se queremos ter autonomia estratégica, não podemos tê-la regressando ao protecionismo”, disse, numa conferência em abril.

Benefícios individualizados beliscam coesão europeia

Durante a pandemia, a UE levantou algumas regras de ajudas estatais, beneficiando com isso os países maiores, já que têm maior margem orçamental para apoiar as empresas nacionais. E quando chegou a altura de responder ao Inflation Reduction Act, dos EUA, as ideias também se centraram à volta da flexibilização dos apoios nacionais, nomeadamente através de benefícios fiscais.

Ao permitir este tipo de apoios, quem tira o maior benefício são os países de maior dimensão, cujas indústrias têm mais verbas disponíveis. A Alemanha já aproveitou este ambiente para avançar com um esquema de subsídios que apoia a descarbonização das indústrias intensivas em energia, que recebeu “luz verde” da Comissão Europeia.

A União Europeia enfrenta um dilema crucial: encontrar um equilíbrio entre as necessidades individuais dos Estados-membros e o objetivo coletivo de uma união mais forte e competitiva.

O presidente francês, Emmanuel Macron, também defendeu a necessidade de conceder subsídios às indústrias que serão críticas no futuro. “No entanto, como demonstrou o levantamento das regras em matéria de auxílios estatais durante a pandemia, os maiores vencedores desta flexibilização são os grandes países, porque dispõem dos meios para apoiar as suas indústrias”, salienta a economista Maria Demertzis, num estudo publicado no think tank Bruegel.

A especialista questiona assim: “subsidiar as tecnologias do futuro pode ajudar a restaurar a competitividade global, mas será que o fará à custa de condições de concorrência equitativas na UE?”

Além disso, é incontornável que a aposta da UE em certas indústrias estratégicas beneficia mais alguns países, alargando ainda mais o fosso entre os Estados-membros. No investimento na defesa, por exemplo, são as empresas alemãs e francesas que se destacam.

Como destaca uma análise da Goldman Sachs, “a coesão política da UE exigirá agirmos todos em conjunto, mas as mudanças geopolíticas estão a aumentar a probabilidade de uma Europa a duas velocidades”. “O setor da defesa é o candidato mais provável para a próximo iniciativa reforçada de coordenação política, dada a necessidade de atingir o objetivo da NATO (em
pelo menos 2% do PIB em despesas militares) e a quota de mercado das empresas da UE e do Reino Unido na produção de armas”, indicam.

Apesar destas situações, a presidente da Comissão Europeia e candidata a segundo mandato na instituição, Ursula von der Leyen, reiterou que a UE vai “voltar aos auxílios estatais normais” em meados deste ano, após alívio temporário das regras.

“Houve um enquadramento temporário e de crise para auxílios estatais por estarmos a passar por uma transição profunda de descarbonização e digitalização e, além disso, por ter havido uma crise relacionada com a pandemia e com a guerra russa na Ucrânia. Esse enquadramento temporário era razoável, mas agora está a expirar”, disse Ursula von der Leyen.

Segundo Von der Leyen, entre os 27 Estados-membros da UE, o país que mais concede ajudas estatais per capita é a Hungria. No total, em 2022, os 27 Estados-membros comunicaram cerca de 228 mil milhões de euros em despesas com auxílios estatais para todos os objetivos, incluindo medidas de crise relacionadas com a pandemia e a guerra da Ucrânia.

As soluções para estes desafios não são simples. A UE enfrenta um dilema crucial: encontrar um equilíbrio entre as necessidades individuais dos Estados-membros e o objetivo coletivo de uma união mais forte e competitiva.

Mas parece certo que só através de uma maior integração e solidariedade será possível superar os desafios fiscais e industriais, reforçando a posição da União Europeia como um bloco económico coeso e resiliente no palco global.

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