O dólar deve continuar a ganhar força e a rendibilidade das obrigações permanece mais atrativa nos EUA. As ações europeias têm potencial para um desempenho superior, mas a perspetiva não é consensual.
Os mercados entraram em território desconhecido quando o Banco Central Europeu (BCE) anunciou o primeiro corte de juros desde 2019 na reunião de 6 de junho. Nunca a autoridade monetária da Zona Euro tinha iniciado um ciclo de descida das taxas de juro ante da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed). A tendência confirmou-se após a reunião do banco central norte-americano, que manteve a política monetária no nível mais restritivo desde 2001 e baixou as estimativas para apenas um corte de juros em 2024.
A taxa dos depósitos do BCE baixou para 3,75% e os economistas estimam pelo menos mais um corte até ao final do ano, prevendo que as descidas acelerem em 2025 à medida que a inflação se encaminha para a meta dos 2%. A primeira baixa de juros nos Estados Unidos não chegará antes de setembro e muitos economistas admitem que as Fed Funds podem permanecer em 5,25%-5,50% até ao final do ano.
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Este potencial agravamento no diferencial de taxas de juro entre o BCE a Fed abre oportunidades de investimento? Quais as estratégias mais eficazes para tirar partido desta tendência? Os analistas apontam alguns caminhos, sendo que as soluções não são consensuais e existem opções mais arriscadas do que outras.
O dólar é um dos vencedores mais óbvios se o BCE continuar a descer os juros de forma mais intensa do que a Fed. O fluxo de investimento para obrigações norte-americanas também deverá ganhar força. Vários analistas apontam para um desempenho superior das ações europeias, mas a perspetiva é contestada por vários especialistas.
Dólar com força e obrigações dos EUA atrativas
A evolução da moeda norte-americana este ano tem espelhado esta perspetiva de alívio mais lento da política monetária nos Estados Unidos. O índice que mede o desempenho do dólar face ao cabaz das principais divisas mundiais acumula uma valorização de 4% em 2024 e no final de abril o DXY transacionou em máximos desde setembro de 2022. O euro sofre uma desvalorização superior a 3% face ao dólar este ano.
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Apesar da deterioração das contas públicas dos Estados Unidos e da tendência de “desdolarização” representarem uma ameaça, os analistas apontam para um ganho adicional do dólar, o que reforça a atratividade dos ativos norte-americanos. Com destaque para as obrigações soberanas dos EUA, que são vistas como a melhor forma de estar exposto a esta tendência devido ao risco reduzido.
“Os investidores podem capitalizar o crescente diferencial de taxas de juro através de várias estratégias”, sendo que uma opção passa por “investir em obrigações líquidas dos EUA, títulos do Tesouro e obrigações empresariais com categoria de investimento em particular, que oferecem rendimentos mais elevados em comparação com os seus homólogos europeus”, diz Gianluca Bergamaschi. O head of fixed income mandates da Generali Asset Management adverte, contudo, que “é crucial lembrar que estas estratégias acarretam risco cambial e os investidores geralmente precisam de protegê-lo através de derivados que anulam grande parte do diferencial de rendimento”.
Henrique Tomé assinala que existem “várias alternativas atrativas”, sendo que a mais óbvia passa por “ter alguma alocação do portfólio em dólares, pois poderão beneficiar da valorização da moeda em relação ao euro”. O analista da XTB destaca o investimento na dívida pública dos Estados Unidos, pois “estes títulos tendem a oferecer rendibilidades (yields) mais atrativas em comparação com os equivalentes da Zona Euro quando as taxas de juro nos EUA sobem. Isto proporciona não só um retorno potencialmente maior, mas também um possível ganho de capital se os investidores venderem os títulos antes da maturidade”.
Ainda nesta classe de ativos, “os investidores podem também considerar ETF que sejam constituídos por obrigações do Estado ou corporativas”, pois “estes instrumentos permitem diversificação e exposição ao mercado norte-americano, que pode beneficiar de taxas de juro mais altas e um ambiente económico diferente daquele da Zona Euro”, acrescenta Henrique Tomé.
Com a curva de rendimentos invertida desde meados de 2022, as obrigações dos EUA têm negociado com yields atrativas nos últimos tempos, sobretudo nos prazos mais curtos, que são mais sensíveis ao nível das taxas de juros. Os títulos com maturidade a 12 ou menos meses persistem com rendibilidades acima de 5%, enquanto nos prazos de referência a dois a dez anos têm aliviado de forma mais acentuada, mas permanecem em níveis bastante atrativos. Na Zona Euro, as taxas estão bem mais baixas, com a yield dos títulos a 10 anos da Alemanha na casa dos 2,5% e mesmo nos títulos mais arriscados de Itália abaixo dos EUA.
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Esta aposta dos títulos de dívida de curto prazo dos Estados Unidos fica bem patente nos montantes aplicados nos fundos do mercado monetário norte-americanos, que atingiram um recorde já bem acima de 6 biliões de dólares, num incremento de cerca de 1 bilião de dólares desde 2022.
Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, alerta que “aproveitar o diferencial de taxas de juro implica correr também risco cambial, sendo que as coberturas anulariam esse diferencial” e que as atuais “taxas de mercado já incorporavam a expectativa de corte de taxas por parte do BCE”.
Para os investidores mais sofisticados e propensos ao risco, existem estratégias de carry trade, que como explica Henrique Tomé, passa por “pedir emprestado numa moeda com uma taxa de juro baixa e investir noutra moeda com uma taxa de juro mais alta”. O que no contexto atual, significa “tomar emprestado em euros a taxas baixas e investir em ativos denominados em dólares americanos”.
Ações europeias podem alcançar desempenhos superiores
Na classe de ativos das ações a narrativa é distinta e menos consensual entre os analistas. Vários bancos de investimento estão a dar preferência às bolsas europeias em detrimento das norte-americanas, precisamente devido ao impacto da política monetária mais favorável que se perspetiva na Zona Euro.
É o caso do Goldman Sachs, que destaca a melhoria dos indicadores económicos, tendência positiva nos resultados das empresas, avaliações mais atrativas e peso mais relevante das empresas cíclicas, que têm uma sensibilidade mais elevada ao ciclo económico e nível das taxas de juro. O banco de investimento assinala que as ações apresentam um histórico positivo em alturas de descidas de juros, que é habitualmente “muito mais forte” quando são acompanhados pela evolução robusta da economia.
O Citigroup também tem uma posição “construtiva” para as ações europeias, assinalando que a combinação de descidas de juros com a inversão na tendência dos resultados ajuda a justificar valorizações adicionais no índice europeu Stoxx600 até ao final do ano. Numa perspetiva de médio prazo, quando o BCE regressar ao “velho normal” de taxas de juro abaixo de 2%, o banco assinala que a política monetária pode representar um “vento favorável” mais duradouro para as ações europeias.
Em 2024, ações europeias registam uma valorização inferior a 7%, com o índice Stoxx600 a aliviar este mês dos máximos históricos alcançados em maio. Em Wall Street os índices estão a transacionar em recorde, com o índice S&P500 (14%) a duplicar o desempenho anual do homólogo europeu.
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Gianluca Bergamaschi concorda que o diferencial de taxas de juro representa uma “boa oportunidade” para as ações europeias conseguirem um desempenho superior às norte-americanas. “Uma política monetária mais branda na Europa pode estimular o crescimento económico e impulsionar os resultados empresariais, enquanto a economia norte-americana pode enfrentar constrangimentos relacionados com taxas de juro mais elevadas e um dólar mais forte”.
O responsável da gestora de ativos da seguradora italiana assinala que “as exportações são um tradicional motor de crescimento da economia europeia e o principal beneficiado deve ser o setor industrial, que parece ter já atingido o ponto mais baixo”. Os PMI, indicadores avançados de atividade económica seguidos com muita atenção nos mercados, estão a sinalizar uma recuperação sustentada da economia europeia, sendo que em abril atingiram mesmo um nível mais elevado do que nos Estados Unidos.
Gianluca Bergamaschi alerta que as “tensões geopolíticos e medidas protecionistas” representam os principais riscos para esta perspetiva positiva para as bolsas europeias. O impacto dos resultados das eleições europeias nas bolsas da região ilustra estes riscos, com o índice francês CAC a marcar perdas em redor de 5% na semana passada devido ao temor de uma vitória da extrema-direita nas próximas eleições legislativas.
Outros analistas descartam a relevância do diferencial de taxas de juro no desempenho das ações. “Tivemos bull market com as taxas a subirem e estamos a ter com as taxas a caírem, ou a prepararem essa descida no caso da Fed”, diz Filipe Garcia, acrescentando que “o mercado não me parece estar a dar grande importância às taxas de desconto e parece mais centrado nos múltiplos e nas receitas futuras”.
As grandes tecnológicas norte-americanas têm dominado os ganhos em Wall Street, à boleia de crescimento muito forte da atividade e euforia com o desenvolvimento da Inteligência Artificial. Muitos analistas continuam a preferir a bolsa norte-americana devido à predominância deste setor e também ao desempenho económico superior.
“A economia americana tem-se revelado muito mais dinâmica e resiliente do que a europeia e não é o facto de as taxas de juro estarem mais elevadas numa economia em comparação com outra que pode fazer com que exista este desnível”, comenda Henrique Tomé, reforçando que a economia europeia “está francamente mais fraca do que a americana”. “Parece pouco provável” as bolsas europeias superarem as norte-americanas tendo em conta a dinâmica de “as bolsas de valores internacionais estarem muito dependentes do comportamento também de Wall Street”.
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