Reserva federal americana ainda sem confiança para começar a baixar juros

Persistência da inflação em níveis elevados e evolução ainda robusta da economia deve adiar primeiro corte de juros do banco central dos Estados Unidos para setembro.

Na conferência de imprensa após a reunião de política monetária de 1 de maio, o presidente da Reserva Federal (Fed) vincou que o banco central dos Estados Unidos não tinha ainda a confiança necessária para iniciar o ciclo de corte de juros. Os indicadores económicos divulgados desde então não alteraram este cenário, pelo que Jerome Powell deverá repetir este discurso após o encontro desta quarta-feira.

O Comité de Política Monetária da Fed (FOMC, na sigla em inglês), órgão que define as taxas de juro nos Estados Unidos, vai deixar as Fed Funds no intervalo de 5,25%-5,5%, o que representa o nível mais elevado desde 2001. Esta decisão, que será anunciada às 19:00 (hora de Lisboa), é vista como unânime entre economistas e investidores, contrastando fortemente com aquelas que eram as perspetivas no início do ano.

Embalados pelo otimismo da Fed com o alívio da inflação na reta final de 2023, os mercados arrancaram este ano a estimar um total de seis cortes de juros em 2024, uma perspetiva que está atualmente desfasada da realidade. A culpa é da inflação, que surpreendeu com uma trajetória ascendente nos primeiros três meses do ano. Excluindo alimentos e energia (inflação subjacente), os preços subiram a um ritmo anualizado de 4,5% no primeiro trimestre, totalmente incompatível com o alívio da política monetária.

A inflação regressou em abril a uma trajetória descendente, mas ainda a um ritmo que coloca em causa o rumo em direção à meta dos 2%. O índice de preços no consumidor subiu a um ritmo anual de 3,4%, sendo que o indicador subjacente baixou duas décimas para 3,6%. Os números de maio serão publicados esta tarde, mas as estimativas dos economistas apontam para uma estabilização, pelo que não colocará em causa o discurso que será adotado pela Fed após anunciar mais uma manutenção de juros.

Na frente dos indicadores de atividade económica os últimos sinais têm sido mistos. O crescimento do PIB no primeiro trimestre foi revisto em baixa para 1,5%, as vendas a retalho travaram o crescimento e a indústria continua débil, apontando para um abrandamento da maior economia do mundo. Contudo, os números do emprego revelados na sexta-feira (foram criados mais de 270 mil postos de trabalho em maio) deixam evidente que o mercado de trabalho continua robusto e será um risco a Fed contar com o arrefecimento da economia para conter a subida dos preços.

Primeiro corte em setembro?

Perante esta incerteza com o rumo da inflação e dos indicadores de atividade económica nos próximos meses, as expectativas apontam para que a Fed não efetue alterações significativas no seu discurso, vincando que não deverá ser necessário agravar os juros, mas também que as taxas deverão continuar em máximos por mais tempo.

Ainda assim, esta não deixa de ser uma reunião importante, sobretudo porque a Fed vai efetuar a atualização trimestral das projeções macroeconómicas, onde constam as estimativas dos responsáveis do banco central para a evolução das taxas de juro. O Summary of Economic Projections (SEP) inclui o “dot plot”, o gráfico onde estão marcados os pontos médios estimados pelos membros do FOMC para os juros no final de 2024 e 2025.

Em março, o “dot plot” apontava para três descidas de juros este ano, sendo agora altamente expectável que esta previsão seja revista em baixa. A dúvida está sobretudo em saber se a Fed irá sinalizar dois cortes em 2024, apenas um, ou mesmo nenhum. Os economistas estão divididos, com 41% dos inquiridos num sondagem da Bloomberg a estimarem que a Fed sinalize dois cortes, enquanto uma percentagem idêntica espera apenas uma redução, ou mesmo nenhuma.

A mesma sondagem aponta para que a Fed reveja em ligeira alta a estimativa para a inflação deste ano (2,5%), mantendo a estimativa para o crescimento do PIB (2,1%) e taxa de desemprego (4%). Previsões que batem certo com o prolongamento da política monetária restritiva mais alguns meses.

Apesar da incerteza, existe um consenso mais forte de que a Fed terá margem de manobra para iniciar este ano o ciclo de corte de juros. “Continuamos confortáveis ​​com as nossas principais previsões económicas de que o crescimento do PIB vai superar as expectativas este ano, o mercado de trabalho permanecerá forte e o excesso de inflação acabará por ser revertido sem necessidade de enfraquecer a economia”, comentam os economistas do Goldman Sachs.

Este banco de investimento aguarda que o primeiro corte de juros acontecerá em setembro, seguido de uma redução adicional em dezembro e mais quatro descidas em 2025 e duas no ano seguinte, até uma taxa terminal de 3,25%-3,5%. Nas sondagens das agências, setembro também é apontado como o mês mais provável para a primeira descida de juros.

O ING tem a mesma perspetiva de dois cortes de juros em 2024 (primeiro em setembro) e quatro em 2025, considerando que “a inflação persistente e os números fortes do emprego significam que a Fed indicará que está preparada para esperar mais tempo antes de considerar seriamente cortes de juros”. Para que o cenário se altere e a Fed ganhe confiança para baixar os juros, o banco dos Países Baixos diz que têm de se verificar três requisitos:

  • Mais evidências de que a inflação está a aliviar. Mais dois ou três meses consecutivos de abrandamento da inflação subjacente para subidas mensais de 0,2% (contra 0,4% nos primeiros meses do ano) será um fator necessário, mas não suficiente, para motivar um corte de juros.
  • Mais evidências de folga no mercado de trabalho. Se a taxa de desemprego consolidar de forma mais convincente acima de 4%, com evidências de arrefecimento dos salários, também ajudará a reforçar os argumentos a favor de descida de juros.
  • Evolução mais suave do consumo. A estabilização do rendimento das famílias, o esgotamento das poupanças acumuladas na pandemia e o aumento do incumprimento no crédito sugerem que o stress financeiro está a materializar-se para muitas famílias, o que provocará um abrandamento no consumo.

Se forem cumpridas todas as estas três condições, acreditamos que a Fed irá passar de uma política monetária ‘restritiva’ para ‘ligeiramente menos restritiva’ com cortes de 25 pontos base na reunião de setembro”, referem os economistas do ING.

A Capital Economics espera que a inflação abrande de forma mais célere do que a Fed está a prever e assinala que “existe também uma possibilidade crescente de que a evolução mais fraca da atividade económica convença a Fed a cortar os juros”. Com o PIB a crescer abaixo do previsto no primeiro trimestre, a consultora mantém o cenário central de o primeiro corte surgir em setembro.

Depois da reunião desta quarta-feira, a Fed volta a ter uma reunião de política monetária a 31 de julho, pelo que é certo que o banco central deixará a taxa de juro em máximos de mais de 23 anos durante um ano (último aumento foi em julho de 2023). Já se os juros descem ou não em 2024 existe uma incerteza mais elevada, que as palavras de Powell e as projeções dos responsáveis na Fed podem ajudar a diminuir, mas só serão dissipadas em função dos indicadores económicos dos próximos meses, sobretudo a inflação.

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