Sánchez e Scholz ajudam António Costa a ficar mais perto de Bruxelas
Negociações para os 'top jobs' em Bruxelas arrancam esta noite, num jantar entre os 27 líderes. Com apoio de Sánchez e Scholz, Costa deverá ser o nome apontado para a presidência do Conselho Europeu.
Encerradas as eleições europeias, segue-se agora a corrida para os cargos de topo em Bruxelas. Ursula von der Leyen, António Costa, Roberta Metsola e Kaja Kallas são os nomes que, para já, reúnem maior consenso entre os 27 para liderar as principais instituições da União Europeia (UE). O jantar informal entre líderes europeus marcado para esta segunda-feira será o pontapé de partida de um processo que se pede que esteja concluído até ao final do mês, mas ainda está tudo em aberto. Até 27 de junho, dia de Conselho Europeu, deverão decorrer as negociações no bloco.
Deste quarteto, Roberta Metsola deverá ter a reeleição mais fácil uma vez que o seu mandato será de apenas dois anos e meio, tal como está previsto na presidência rotativa do Parlamento Europeu. Ursula von der Leyen, que procura uma reeleição como presidente da Comissão Europeia, é quem terá de trilhar algum caminho para garantir o apoio dos socialistas depois de, nas últimas semanas, ter optado por dar atenção a Giorgia Meloni e a um possível crescimento significativo da extrema-direita, em Estrasburgo, desagradando os socialistas.
Por seu turno, a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, é a candidata liberal favorita ao cargo de alta-representante da UE para a política externa, mas a possível eleição de Mark Rutte para secretário-geral da NATO está ainda dependente desse desfecho. Já António Costa deverá ser o único nome colocado em cima da mesa do jantar entre os líderes europeus para a presidência do Conselho Europeu, instituição que representa os 27 Estados-membros da UE.
Em Bruxelas, são poucos aqueles que se recordam o que levou o ex-primeiro ministro a demitir-se, e mesmo os que se lembram terão ficado tranquilizados quando, no mês passado, foi ouvido pelo DCIAP, a pedido do próprio, a propósito das suspeitas que lhe são incutidas por causa da Operação Influencer. Certo é que na mesa redonda do Conselho, os oito anos de governação de Costa facilmente ofuscam a investigação que decorre, e por cá, depois de o Governo ter anunciado que apoiaria uma candidatura de Costa, a hipótese de voltar a ter um português na liderança de uma instituição europeia está cada vez mais perto de se tornar numa realidade.
“Creio que a possibilidade de o doutor António Costa fazer parte da solução é realmente muito forte porque é a figura mais destacada, prestigiada e reconhecida para essas funções, mesmo fora da família socialista, e isso faz dele um candidato muito forte”, aponta Pedro Silva Pereira, eurodeputado pelo PS e vice presidente do Parlamento Europeu. “Ainda assim, é claro que poderão surgir outras possibilidades. Temos de aguardar com cautela”, diz em declarações ao ECO.
Já para Margarida Marques, ex-secretária de Estado para os Assuntos Europeus e eurodeputada socialista, o perfil de António Costa é o que melhor se enquadra para a presidência do Conselho Europeu, cargo cujas funções se resumem a encontrar consensos. “É a pessoa melhor posicionada para um cargo que pede por compromissos, é assim que se constrói a UE”, diz, recordando o trabalho que António Costa levou a cabo durante os anos da pandemia.
O apoio do Governo de Luís Montenegro não era a única peça que faltava a Costa. Embora seja um nome favorito entre os 27 chefes europeus, a verdade é que, entre os que apoiam o potencial candidato português, nem todos são determinantes para garantir a sua eleição para a presidência do Conselho Europeu. Ora, além de ser necessário que pelo menos 14 Estados-membros votem a favor da candidatura do português à liderança desta instituição, estes países têm, simultaneamente, de representar, pelo menos, 65% da população da União Europeia.
Na mesa redonda do Conselho Europeu, existem apenas cinco líderes socialistas. A maioria dos chefes europeus (13) pertence à família do Partido Popular Europeu e a restante (cinco) integra o grupo dos liberais, dos conservadores (2) e dos nãos inscritos (2). Com o apoio de Pedro Sanchéz (Espanha) e Olaf Sholz (Alemanha), os dois negociadores do lado dos socialistas europeus, uma importante fatia da população europeia fica reunida, mas será preciso também olhar para os sociais-democratas do PPE e para os liberais.
Este último grupo não deverá dificultar as negociações uma vez que o principal negociador pelo Renovar Europa, Emmanuel Macron – que mantém uma boa relação com o ex-primeiro-ministro português –, estará ocupado com questões de política interna depois de ter anunciado eleições legislativas para 30 de junho face à vitória da extrema-direita francesa nas eleições europeias. Ademais, os resultados fragilizaram o grupo que sofreu uma queda de 23%, passando de 102 para 80 eurodeputados.
“O grupo dos liberais está numa posição menos forte do que esteve em 2019 quando conseguiu obter a presidência do Conselho. Hoje ninguém fala dessa possibilidade. O Renew foi o que mais perdeu nas últimas eleições e Macron está focado na política interna. Não creio que seja um problema, e a dimensão europeísta do Macron leva-o a ter uma posição construtiva nestas negociações”, aponta Pedro Silva Pereira, análise à qual sobrescreve a ex-eurodeputada socialista.
“Neste momento, há um compromisso entre capitães. As negociações [preliminares] foram breves. Se tivessem sido demoradas, então Macron não teria tanta disponibilidade”, acrescenta Margarida Marques.
Já entre os sociais-democratas, títulos como o Politico falam em “consenso generalizado”, e dão a título de exemplo o grego Kyriakos Mitsotakis, que irá representar o PPE nas negociações para os top jobs em Bruxelas, e o luxemburguês Luc Frieden.
Mas ainda está tudo em aberto. O jantar desta noite entre os antigos colegas de António Costa vai permitir medir o pulso das negociações, mas para já tudo aponta no mesmo sentido. A decisão do encontro informal entre os líderes não será, contudo, final, e até o dia do Conselho Europeu, dia 27 de junho, muito ainda poderá acontecer. Porém, o ideal seria que até ao final do mês o tema ficasse fechado dado que em julho a Hungria assume a presidência rotativa do Conselho da União Europeia.
“Seria uma situação não desejável o arrastamento do processo para lá do final do mês. Charles Michel [atual presidente do Conselho Europeu] é que tem estado a articular a preparação para a decisão final, e portanto uma alteração dos interlocutores não seria desejável”, aponta Pedro Silva Pereira.
Uma reeleição atribulada
Ursula von der Leyen esteve cinco anos à frente da Comissão e está à procura de mais cinco. Ao início, a ambição parecia fácil de concretizar, e a recondução era dada como garantida, mas as semanas de campanha eleitoral deixaram um mal estar entre a spitzenkandidat do PPE e os socialistas.
A governante alemã esteve atenta às sondagens que indicavam um subida galopante da extrema direita no Parlamento Europeu, e para um risco de uma fusão entre os dois maiores grupos destronar os socialistas de segunda maior força política em Estrasburgo. Von der Leyen rapidamente apercebeu-se que seria obrigada a negociar, pelo menos, com a direita radical, representada pelos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), e liderado por Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana.
A porta foi aberta durante a campanha, mas, talvez sem necessidade. Os resultados eleitorais revelaram que os sociais-democratas e os socialistas continuam a ser os dois maiores grupos no Parlamento, e os liberais seguraram (por pouco) o terceiro lugar. O grande destaque destas eleições europeias foi a ascensão dos partidos de extrema-direita, que fizeram avanços significativos, especialmente em países como França, mas a orgânica do Parlamento manteve-se e agora von der Leyen terá de passar os próximos dias a acarinhar os socialistas.
“Há uma preocupação da nossa parte e um voto socialista em von der Leyen deve exigir um compromisso no sentido em que ela se compromete com o Parlamento que não fará um acordo com Meloni”, sublinha Margarida Marques. “Normalmente, isto não seria uma condição, mas dada a forma como von der leyen lidou com Meloni nos últimos meses, parece-nos necessário. Não podemos passar um cheque em branco, tem de haver compromisso político”, diz ainda a ex-secretária de Estado.
Para ser reconduzida como presidente da Comissão Europeia, a spitzenkandidat do PPE precisa não só de ser um nome consensual entre os 27 Estados-membros, como também conseguir, pelo menos, 361 votos no Parlamento Europeu. Mesmo que consiga convencer os socialistas no hemiciclo, entre o PPE e PES estão reunidos 326 votos. Acrescentando os dos liberais (80 eurodeputados), este total sobe para 406. Mas não será certo que todos os eurodeputados tenham o voto alinhado.
“Na política nem os pequenos almoços são grátis e tudo é objeto de um big burgain (regatear) nos bastidores”, alerta José FIlipe Pinto, politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona ao ECO. “Vai haver muito um jogo político a decorrer entre as várias famílias europeias”, diz.
Mas não é só isso que está em cima da mesa. Ao contrário do seu primeiro mandato, se tudo correr conforme o plano, Ursula von der Leyen vai poder beneficiar do sistema de spitzenkandidat que, em 2019, não só falhou como beneficiou a alemã que foi o nome alternativo escolhido quando o alemão Manfred Weber não reuniu consenso no Parlamento Europeu. Desta vez, não será expectável que um nome surpresa saia da cartola, mas têm sido apontados alguns planos B, entre eles, Mário Draghi ou Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro da Grécia.
“Há sempre muita especulação política nesta fase e não podemos levá-las todas a sério. Creio que von der Leyen dificilmente deixaria de ser a candidata principal. Não creio que as resistências a von der Leyen tenham a mesma intensidade do que com Weber, e nem creio que os nomes alternativos de que se falam sejam mais do especulação”, diz Pedro Silva Pereira.
Alta representante da UE à espera da NATO
Face aos resultados das eleições, os sociais-democratas ganharam a presidência da Comissão Europeia e os socialistas a do Conselho. Os liberais ficam assim encarregues de apontar um nome para o alto-representante da UE para a política externa, cargo ocupado por Josep Borell. A primeira-ministra da Estónia tem sido um dos nomes referidos pela imprensa internacional pois permite manter um equilíbrio na representação geográfica, algo que os Estados da Europa Central têm vindo a exigir.
Mas antes de Kaja Kallas, já Mark Rutte, primeiro-ministro neerlandês, era apontado para o cargo. Isto, antes de se ter mostrado interessado no cargo de secretário-geral da NATO.
“Se nos três primeiros cargos os nomes são consensuais, o mesmo já não se passa com a representante para os negócios estrangeiros da UE”, considera José Filipe Pinto. “Com as eleições para a NATO, este ano, Mark Rutte deixa de ser um potencial candidato e o caminho fica livre para a candidata da Estónia”, explica. Mas apesar de ainda ser um nome preliminar, do lado dos socialistas surgem dúvidas.
“A UE ficaria melhor servida com uma alta representante que tivesse uma posição mais próxima da Europa central. A Estónia tem uma posição muito específica pela sua própria situação regional e história política”, diz Margarida Marques, admitindo não haver mais nenhuma alternativa, para já, em cima da mesa.
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