Jorge Cardoso, CEO da Carglass em Portugal, explica porque o vidro automóvel aumentou tanto de preço e se tornou uma fonte de custos muito relevante para as seguradoras que são 90% dos seus clientes.
A Belron, uma das maiores multinacionais de vidro automóvel no mundo, reuniu em Lisboa mais de dois mil colaboradores de todo o mundo num evento que exalta a sua liderança tecnológica e as suas marcas em que pontifica a Carglass em Portugal. O mercado nacional substituiu 250 mil a 300 mil para-brisas por ano, e a Carglass tem um papel decisivo nesta quantidade que vem da chinesa Fuyao, a maior fabricante de vidros do mundo que naturalmente tinha presença destacada no evento da Belron. Jorge Cardoso, engenheiro pela londrina Kingston University e CEO da Carglass em Portugal há 10 anos, destaca que para além de reparar e substituir, o negócio agora é também recalibrar todos os dispositivos que os vidros de automóveis hoje comportam. Foi entrevistado pelo ECOseguros.
Hoje, a rede Carglass conta 67 agências do serviço, com mais 30 viaturas, para garantir assistência em todo o país. É suficiente?
Em 2012, quando tínhamos uma rede de 25 agências, começámos verdadeiramente a escutar o mercado. Depreendemos, na altura, que se tivéssemos as cidades principais garantidas, podíamos acompanhar o resto do país com o serviço móvel. Depois, começámos a perceber que, especialmente em zonas mais do interior, o cliente precisa de proximidade, gosta de ir à agência, gosta de conhecer a pessoa. Portanto, a partir de 2012 começámos a nossa, a nossa expansão e creio que chegámos a 75 agências.
Em 2020, com o Covid, reduzimos algumas agências e agora estamos novamente a fazer um estudo de mercado para tentar perceber onde é que fazemos falta. Já identificámos alguns sítios. Vamos abrir agora em Pombal, vamos reforçar Viseu, Leiria e Guimarães, também já abrimos Mafra, o objetivo será provavelmente irmos outra vez para perto de 75 agências. Também temos algumas relocalizações para agências maiores.
Porque precisam de agências maiores?
Para além do espaço para fazer o serviço de substituição de vidro precisamos de o espaço para recalibrar os vidros. E a recalibração exige espaço à volta do carro. Existem medidas entre o carro e a máquina de calibração que são requeridas para conseguir operar. Assim, em alguns sítios estamos a manter os espaços e noutros estamos a mudar para agências maiores. O objetivo será provavelmente irmos outra vez para perto de 75 agências.
Qual a tendência deste setor? Juntar-se a redes de serviços rápidos de mecânica?
Não se vê essa tendência, não faz sentido. É um serviço cada vez mais especializado pelo menos na parte dos vidros. Olhando outros mercados tudo o que é considerado serviço rápido não inclui o vidro. Antes pelo contrário, na Alemanha, por exemplo, a Norauto tinha também negócio de vidro e acabou por se separar dele. Nós compramos o negócio de vidro e a Norauto dedica-se só a mecânica. Penso que antigamente as pessoas consideravam o vidro como uma coisa muito simples qualquer pessoa podia fazer. Hoje em dia é completamente diferente.
Em alguns países do grupo já se atingiu a marca de 50% dos para-brisas equipados com Advanced Driver Assistance System (ADAS). Em Portugal estamos nos 20% ou 22% São muito mais exigentes.
De repente, no meio do aumento dos custos com reparações para as seguradoras, o vidro tornou-se uma categoria significativa. Os preços ainda estão a subir muito?
A inflação começou a abrandar, mas ainda não estamos livres dela. Há impacto nos custos de fabricação do vidro, não há forma de fugir, mas também em tudo o que respeita à supply chain [cadeia de abastecimento] como logística, transporte e armazenamento e os custos de combustíveis. A verdade é que nós não vemos isso a acalmar.
As seguradoras têm aceitado essas razões para o aumento dos preços?
É sempre difícil, é ter uma conversa difícil, mas todos os nossos parceiros entenderam perfeitamente o que está a acontecer. Temos um grupo que nos dá todo o apoio em termos de informação e devemos partilhar essa informação com os seguradores para também entenderem o porquê do aumento. A realidade é que talvez tenhamos tido os maiores aumentos de sempre depois da Covid e, provavelmente, a menor resistência por parte das seguradoras, porque todos estávamos no mesmo barco. Todos percebemos os aumentos de preços que sofremos à nossa volta.
Que novas questões trazem os novos vidros?
Estamos a subir cada vez mais o número de para-brisas equipados com Advanced Driver Assistance System (ADAS). Em alguns países do grupo já se atingiu a marca de 50% dos para-brisas equipados com ADAS. Em Portugal estamos nos 20% ou 22%. São muito mais exigentes. Para além da tecnologia inerente, tem duas peças para fixar a câmara de filmar. Uma das consequências disso, por exemplo, é que – antes – podíamos colocar 30 vidros numa caixa e hoje conseguimos dez no máximo. Precisamos deste espaço para não danificar os apoios da câmara.
A parte logística é muito relevante porquê?
Pela própria complexidade do vidro, que acolhe muitas referências diferentes. Isso fez com que a Belron, nossa casa-mãe, tivesse de aumentar a capacidade do nosso maior armazém de vidro da Bélgica em 40%. Já tínhamos para 45 mil m² e tivemos que comprar quase mais 20.000 metros quadrados por isso. Mas com esta complexidade vem também muitas referências diferentes – mais de 100 mil. Se antigamente era um vidro para cada modelo de carro, neste momento há sete, oito ou nove referências e nalguns casos chegam a ser mais de vinte. Em Portugal precisamos de importar dois ou três vidros diferentes para ver qual a área que vai fazer fit com o modelo do cliente. Isto tudo acrescenta custos.
Se tenho um adaptive cruise control tenho de garantir que está a ler bem, que não leva o carro a sair da faixa de rodagem. Quando mudo o para-brisa tenho de ter a certeza que o fornecedor que vai fazer o serviço está qualificado para recalibrar a câmara
A recalibração é a nova arte…
As componentes de recalibração implicam grandes investimentos ao nível de tecnologia. Em software, hardware e competência dos próprios técnicos para gerir dados de viaturas, para gerir componentes eletrónicas e segurança. Antes o vidro era uma operação mecânica, hoje temos de assegurar que os sistemas de segurança funcionam. Os pesados, por exemplo, são veículos extremamente complexos e foram os primeiros que apanharam com a legislação europeia obrigando a câmaras nos para-brisas para prevenção de acidentes.
As seguradoras são 90% do negócio da Carglass. O que há a melhorar nas coberturas?
A nossa relação com as seguradoras vai muito para além da transação. Como temos acesso a informação mundial e de novas tendências de futuro do ramo automóvel na parte mais tecnológica, temos cada vez mais vontade de trabalhar em conjunto com as seguradoras. Com a Tranquilidade fizemos um projeto muito grande, em que estudámos a carteira da seguradora para tentar entender qual o peso da tecnologia nas suas apólices.
Para avaliar custos ou para prevenção?
Para prevenção, não pode haver atalhos. Quando compro um carro existe uma câmara que vem recalibrada de fábrica. Ele está ali para a minha segurança e para a minha família. Se tenho um adaptive cruise control tenho de garantir que está a ler bem, que não leva o carro a sair da faixa de rodagem. Quando mudo o para-brisa tenho de ter a certeza que o fornecedor que vai fazer o serviço está qualificado para recalibrar a câmara.
Os mediadores de seguros estão informados para recomendar a cobertura Quebra Isolada de Vidros (QIV)?
Eu acho que a função do mediador e da seguradora é explicar. Mas, para isso acontecer, eles têm que ter a informação de ter que explicar ao cliente. Os carros de hoje não são mais o Corsa de 1997 em que havia dois vidros possíveis: com faixa ou sem faixa. O vidro agora é muito mais complexo e a tecnologia do carro vai completa. Portanto, se se tiver necessidade de ter de fazer uma intervenção, vai ser mais cara, logo as apólices têm que acompanhar.
Como é que os mediadores conseguem passar isso para os seus segurados?
Percebo que o cliente quer pagar o mesmo, mas nós estamos a dar muito mais serviço do que oferecíamos há 15 anos. Mais que não seja, pela própria evolução da tecnologia do vidro. Não é só em Portugal, temos visto este mesmo debate no mundo inteiro e entendemos que as seguradoras têm concorrência à volta e alguma dificuldade em aumentar os valores das apólices. Mas é inevitável. Para isso tem que haver também uma sensibilização ao próprio cliente. Saber o que é que eu estou a conduzir, saber o que o meu carro hoje em dia está cada vez mais preparado para me proteger, para reduzir o número de acidentes e o número de mortes na estrada.
O vidro pode ser decisivo na redução de sinistros e das suas consequências?
O vidro, hoje em dia, representa 30% de resistência estrutural do veículo. A Belron tem uma equipa de pesquisa e desenvolvimento para tudo o que são sensores e tudo o que são os sistemas de apoio à condução. Faz parte da jornada natural para o veículo autónomo. Um engenheiro da indústria automóvel, que hoje trabalha na seguradora Allianz, observou que os choques traseiros representavam um quarto dos sinistros num certo grupo de seguradoras. Então, com a funcionalidade do sensor de estacionamento traseiro a funcionar corretamente acabam por reduzir, em teoria, 23% dos sinistros…
A evolução tecnológica está sem limites?
Os carros são hoje computadores autênticos com pequenos detalhes de que as pessoas não têm ideia nenhuma. Por exemplo, achamos que o sensor de chuva apenas serve para fazer o limpa para-brisas andar mas, um novo sensor de chuva está, ao mesmo tempo, a dar um sinal às pastilhas de travão para se aproximarem mais do disco. Portanto, começa a chover e, imediatamente, as pastilhas ficam mais juntas dos dois discos. Agora, os carros têm sempre mais um sensor, uma câmara, um radar. Então todos a comunicar. É o futuro, vai servir para comunicar com a infraestrutura, para ler os sinais de trânsito e para comunicar com os outros carros. No limite, os semáforos vão desaparecer e os carros comunicam entre si para ver quem passa primeiro.
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“Preço do vidro auto continua a subir, mas a Carglass está no mesmo barco com as seguradoras”
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