Saldo orçamental do primeiro trimestre deverá ficar na linha de água

Instituto Nacional de Estatística divulga na segunda-feira o saldo orçamental do primeiro trimestre. Tema deverá voltar esta semana à 'ribalta', com audição de Sarmento no Parlamento.

Portugal corre o risco de não voltar a alcançar este ano o feito histórico registado no primeiro trimestre de 2023, quando pela primeira vez obteve um excedente orçamental no arranque do ano. O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga na segunda-feira o saldo orçamental do primeiro trimestre, em contabilidade nacional (a que conta para Bruxelas), e os economistas consultados pelo ECO consideram que o saldo orçamental, em contabilidade nacional, ficará na linha de água.

O tema promete voltar ao campo de batalha político, já que tem sido cavalo de guerra entre o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e o seu antecessor, Fernando Medina, a quem o governante social-democrata acusa de ter executado despesa não prevista com o anterior Governo em gestão.

“Admito que haja um ligeiro défice [no primeiro trimestre], dado aquilo que têm sido as comunicações do ministro das Finanças e em função de algumas despesas que não estavam previstas”, disse o economista e presidente do ISEG João Duque.

Por seu lado, Pedro Braz Teixeira, economista e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, aponta para um saldo nulo. “Em contabilidade pública, o saldo foi de negativo de 259 milhões de euros, cerca de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Em contabilidade nacional há sempre ligeiras divergências, pelo que o saldo deverá ter sido aproximadamente nulo, podendo ser ligeiramente positivo se parte da despesa registada este ano for atribuída ao ano anterior”, prevê.

Já para João Borges de Assunção, economista e coordenador do NECEP – Católica Lisbon Forecasting Lab, “parece normal” que o excedente acumulado “no primeiro trimestre de 2024 desça ligeiramente do valor anormalmente elevado registado em 2023”. Contudo, considera pouco provável “que entre já em território negativo”.

Pelo menos desde o início dos anos 2000 (data da sério histórica do INE) que o país não registava um excedente orçamental, em contabilidade nacional, nos primeiros três meses do ano. Alcançou-o no arranque do ano de 2023: 1,1% do PIB, superando o melhor resultado até então, quando no primeiro trimestre de 2019 o ex-ministro das Finanças e atual Governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, registou um saldo neutro (e o primeiro excedente da história democrática portuguesa, de 0,1% do PIB na totalidade do ano).

No primeiro trimestre de 2022, Portugal registou um défice de 0,6% do PIB, enquanto nos primeiros três meses de 2021 o défice atingiu 5,7%.

Para João Bordes de Assunção, “houve aumentos significativos de salários na Função Pública e pensões que entraram em vigor em janeiro com a aprovação do orçamento de estado para 2024”, que influenciam o desempenho das contas nacionais entre janeiro e março.

“Também houve descidas no IRS para além da mera correção técnica decorrente da inflação. Acresce que o governo cessante pode ter antecipado algumas despesas no quadro do envelope financeiro dado pelo orçamento de estado. Nesse sentido há alguma incerteza sobre se esses efeitos todos terão um impacto material e visível nas contas públicas do primeiro trimestre do ano”, aponta.

Pedro Braz Teixeira recorda que a receita corrente cresceu abaixo do orçamentado, destacando a receita fiscal, que apresentou uma ligeira queda.

“Para além disso, a despesa subiu mais do que o previsto, em particular as transferências, que subiram 22,8% quando a meta anual era de 7,5%, e as despesas de pessoal (subiram 7,8%, quando deveriam subir 5,6%)”, indica.

De acordo com a execução orçamental da Direção-Geral do Orçamento (DGO), em contabilidade pública, o Estado registou um défice de 259 milhões de euros em março, último mês de Fernando Medina como ministro.

As contas em contabilidade nacional são apuradas pelo INE, em lógica de compromisso, sendo a utilizada nas comparações internacionais e na avaliação de Bruxelas. Os dados em contabilidade pública são divulgados pela DGO, sendo na ótica de caixa, ou seja, são considerados os recebimentos e pagamentos ocorridos em determinado período numa lógica de tesouraria.

O atual ministro das Finanças e o seu antecessor entraram em discórdia sobre as contas do Estado, em contabilidade pública, numa troca de acusações, na qual Miranda Sarmento estimou em cerca de 600 milhões de euros o défice registado até março, enquanto o ex-ministro das Finanças Fernando Medina refutou que o país apresente um problema orçamental.

A ‘guerra’ entre ambos levou mesmo o PS a chamar Miranda Sarmento ao Parlamento, onde será ouvido na próxima quarta-feira para esclarecer as declarações e a real situação orçamental.

Ligeiro excedente e 2024 ainda é cenário central

O cenário de um ligeiro excedente no final do ano ainda é o central para a generalidade dos economistas consultados pelo ECO, mas há riscos.

No Luxemburgo, esta semana, o ministro das Finanças mostrou-se confiante num excedente de cerca de 0,2% a 0,3% do PIB este ano, o que o economista João Borges de Assunção acredita ser possível. “Parece-me prematuro dizer que haverá um défice este ano. A atividade económica continua a evoluir de formal normal e sem agravamento no desemprego”, refere.

Por seu lado, João Duque considera que existe um risco de o país regressar aos défices já este ano, mas assinala que o ministro das Finanças tem alguns instrumentos para o evitar. “O ministro das Finanças vai fazer aquilo que aprendeu com Mário Centeno, que é cortar no investimento e assim evitar o défice. Vai ser assim”, antevê.

“No entanto, um défice de 0,1% ou um excedente de 0,1% é praticamente a mesma coisa”, defende.

Já Pedro Braz Teixeira destaca que “o crescimento tem sido em linha com o esperado, mas há significativos riscos geopolíticos, que não se têm materializado, mas que poderão concretizar-se até ao final do ano, podendo colocar em risco o cenário macroeconómico e, assim, a perspetiva de excedente orçamental”.

“Para além disso, o Governo não tem uma base parlamentar estável e tem havido coligações negativas na oposição, reduzindo a receita e aumentando a despesa. Por isso, existe um risco, sobretudo político, de regressarmos aos défices ainda em 2024”, conclui.

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