• Especial por:
  • Claudia Goldin

“A longa caminhada das mulheres para a equidade”. Pré-publicação do novo livro da Nobel da Economia

O que falta para atingirmos a equidade entre elas e eles? Claudia Goldin, a quem foi atribuído o Nobel da Economia em 2023, lança uma nova luz no seu novo livro. O ECO antecipa o 1.º capítulo.

A investigação sobre as mulheres no mercado de trabalho valeu a Claudia Goldin o Prémio Nobel da Economia em 2023. Agora, publica o livro “Carreira e Família — A longa caminhada das mulheres para a equidade“, que é lançado oficialmente a 4 de julho em Portugal. Em antecipação, o ECO publica o primeiro capítulo, que pode ler abaixo.

Neste novo livro, a investigadora e professora universitária revisita a história da luta das mulheres pela igualdade de género e “lança uma nova luz sobre o caminho para a equidade”, defendendo que “é preciso mudar de forma radical a maneira como o trabalho está estruturado.”

O Novo Problema sem Nome

Neste momento, mais do que nunca, casais de todos os tipos lutam para encontrar um equilíbrio entre emprego e família, entre a sua vida profissional e a sua vida familiar. Como nação, estamos a tomar consciência, coletivamente, da importância da prestação de cuidados, do seu valor para a geração atual e para as futuras. Estamos a começar a ter consciência plena dos seus custos em termos de perda de rendimento, carreiras destruídas e compromissos entre casais (heterossexuais e do mesmo sexo), bem como das exigências particularmente extenuantes que representa para as mães e pais que criam os seus filhos sozinhos. Estas tomadas de consciência foram anteriores à pandemia, mas foi ela que as pôs sob as luzes da ribalta.

Em 1963, Bettyy Friedan escreveu sobre mulheres com formação universitária que se sentiam frustradas como mães donas de casa, comentando que o seu problema «não tem nome». Quase sessenta anos depois, as mulheres com cursos universitários estão em grande medida a fazer carreira, mas os seus salários e promoções — em relação aos dos homens que se formaram ao mesmo tempo — continuam a fazer com que pareçam ter sido atiradas para o lado. Também têm um «problema sem nome».

Mas o problema delas tem muitos nomes: discriminação sexual, preconceitos de género, glass ceiling,1 mommy track,2 recusar determinadas funções para ter tempo livre — escolha o que quiser. E o problema parece ter soluções imediatas. Deveríamos ensinar as mulheres a serem mais competitivas e dar-lhes formação para negociarem melhor. Temos de denunciar o preconceito implícito dos gestores. O governo deveria impor mandatos com paridade de géneros nos órgãos sociais das empresas e obrigar ao cumprimento da doutrina de salário igual para trabalho igual.

Nos Estados Unidos e alhures, as mulheres clamam cada vez mais alto por uma resposta dessas. As suas preocupações estão espalhadas por manchetes a nível nacional (e sobrecapas de livros). Será que precisam de mais dinamismo? Será que precisam de apostar na carreira? Por que as mulheres não conseguem subir na escala empresarial à mesma velocidade que os seus homólogos do sexo masculino? Porque não são recompensadas ao nível que a sua experiência e antiguidade merecem?

Muitas mulheres são atormentadas por dúvidas mais privadas, dúvidas que são partilhadas com os seus parceiros íntimos ou relegadas para conversas privadas com amigos chegados. Deveriam sair com alguém cuja carreira absorve tanto tempo como a sua? Deveriam adiar o momento de ter uma família, mesmo estando certas de que querem ter uma? Deveriam congelar os seus óvulos se, aos trinta e cinco anos, ainda não tiverem um parceiro? Estarão dispostas a abandonar uma carreira ambiciosa (talvez aquela que têm estado a construir desde que fizeram o exame de admissão à faculdade) para criar os filhos? Se não estiverem, quem vai embalar os almoços, buscar o filho à aula de natação e responder ao telefonema assustador do serviço de enfermagem da escola?

As mulheres continuam a sentir-se defraudadas. Ficam para trás nas suas carreiras ao mesmo tempo que ganham menos do que os maridos e colegas do sexo masculino. Dizem-lhes que os seus problemas são causados por elas mesmas. Não competem de uma forma suficientemente agressiva ou não negoceiam tanto quanto é necessário; não exigem um lugar à mesa, e quando o fazem, não pedem o suficiente. Mas também lhes dizem que os problemas não são obra delas, mesmo quando os problemas são a sua desgraça. Aproveitam-se delas, discriminam-nas, assediam-nas e excluem-nas do clube dos rapazes.

Todos estes fatores são reais, mas serão a raiz do problema? Explicarão a diferença importante entre homens e mulheres nos seus salários e carreiras? Se todos eles fossem resolvidos por milagre, será que o mundo das mulheres e homens, o mundo dos casais e dos jovens pais, pareceria completamente diferente? Serão eles, em termos coletivos, o «novo problema sem nome»?

Embora o discurso vívido, público e privado, tenha revelado estas questões importantes, somos culpados, amiúde, de ignorarmos a enorme escala e a longa história das disparidades entre os géneros. Uma única companhia que é repreendida, mais uma mulher que consegue chegar ao conselho de administração, um punhado de líderes tecnológicos progressistas que entram em licença parental — soluções destas equivalem, em termos económicos, a atirar uma caixa de pensos rápidos a alguém que tem peste bubónica.

Estas respostas não serviram para apagar as diferenças em termos de disparidades salariais entre homens e mulheres e nunca irão constituir uma solução total para a desigualdade de género porque se limitam a tratar os sintomas. Nunca permitirão que as mulheres concretizem carreira e família no mesmo grau que os homens. Se quisermos erradicar ou mesmo estreitar a disparidade salarial, temos de mergulhar primeiro em direção à raiz destas dificuldades e dar um nome mais exato ao problema: trabalho ganancioso.

Resta-me esperar que, quando ler esta obra, a pandemia — que ainda está a grassar no momento em que termino este capítulo — já tenha amainado e tenhamos beneficiado dos seus duros ensinamentos. A pandemia ampliou algumas questões, acelerou outras e expôs ainda mais coisas que haviam estado em putrefação durante muito tempo, mas a disputa entre cuidar e trabalhar que temos perante nós precedeu em muitas décadas esta catástrofe mundial. De facto, o caminho para concretizar, e depois equilibrar, carreira e família está a ser percorrido há mais de um século.

Durante grande parte do século XX, a discriminação das mulheres foi um obstáculo importante à sua capacidade de terem uma carreira. Documentos históricos que vão da década de 1930 à de 1950 revelam indícios conclusivos fáceis de detetar — provas reais de preconceitos e discriminação no emprego e nas remunerações. No final dos anos 1930, os gerentes de empresas diziam aos agentes responsáveis pelos inquéritos: «O trabalho com empréstimos não é adequado às raparigas», «As pessoas com estes empregos [venda de automóveis] estão em contacto com o público… as mulheres não seriam aceitáveis» e «Não poria uma mulher no trabalho de vendas [de corretagem]». Isso passou-se no fim da Grande Depressão, mas, mesmo durante o mercado de trabalho restritivo do final da década de 1950, os representantes de empresas afirmavam categoricamente: «Mães de crianças pequenas não são contratadas», «Mulheres casadas e com… bebés não são incentivadas a regressar ao trabalho» e «A gravidez é uma condição para a uma demissão voluntária [embora] a empresa tenha prazer em que as mulheres regressem quando os filhos estiverem, talvez, nos primeiros anos do ensino secundário».

As barreiras matrimoniais — leis e políticas empresariais que restringiam o emprego das mulheres casadas — estiveram em alta até à década de 1940 e metamorfosearam-se em obstáculos à gravidez e políticas de contratação que excluíam mulheres com bebés e crianças de tenra idade. As instituições académicas e alguns organismos governamentais tinham barreiras contra o nepotismo. Inúmeros empregos apresentavam restrições em termos de sexo, estado civil e, é claro, raça.

Hoje em dia, não vemos muitas provas conclusivas explícitas. Agora, os dados mostram que a verdadeira discriminação em termos de salário e emprego, embora ainda tenha importância, é relativamente pequena, o que não significa que as mulheres não enfrentem discriminação e preconceitos ou que o assédio e as agressões sexuais não existam no local de trabalho. Não foi por acaso que assistimos a um movimento #MeToo a nível nacional. No final da década de 1990, Lilly Ledbetter apresentou uma queixa por assédio sexual, junto da EEOC, contra a Goodyear Tire e obteve o direito de intentar uma ação. Foi uma verdadeira vitória para ela, que desistiu da queixa depois de ter sido reintegrada como supervisora. Isto aconteceu anos antes de ela ter apresentado a queixa, hoje famosa, por discriminação salarial. O desempenho de Ledbetter foi classificado como baixo e quase não teve aumentos salariais devido ao comportamento discriminatório dos homens que supervisionava e daqueles que, em última instância, mandavam, mas que ignoravam o sexismo dos seus subordinados. No caso dela, 100 por cento da diferença entre o seu salário e o dos seus pares devia-se à discriminação.

Então, porque persistem, realmente, as diferenças salariais quando a igualdade de género no trabalho parece estar ao nosso alcance, e numa época em que há mais profissões do que nunca abertas às mulheres? Estarão as mulheres a receber mesmo um salário menor por trabalho igual? De um modo geral, já não é tanto assim. A discriminação salarial em termos de pagamento desigual pelo mesmo trabalho representa uma fração minúscula da disparidade salarial total. Hoje em dia, o problema é diferente.

Alguns atribuem a disparidade salarial entre homens e mulheres à «segregação profissional» — a ideia de que as mulheres e os homens estão a escolher pessoalmente, ou a ser obrigados a fazê-lo, profissões ligadas a estereótipos de género (como enfermeira por oposição a médico, professora do ensino primário ou secundário por oposição a professor universitário), e que essas profissões escolhidas têm salários diferentes. Os dados contam-nos uma história um pouco diferente. Em relação às quase quinhentas profissões listadas no censo dos Estados Unidos, dois terços da diferença salarial baseada no género provêm de fatores que se encontram no seio de cada profissão. Mesmo que as profissões femininas seguissem a distribuição masculina — se as mulheres fossem os médicos e os homens os enfermeiros –, isso apagaria apenas, na melhor das hipóteses, um terço da diferença salarial entre homens e mulheres. Assim, sabemos de uma forma empírica que a parte do leão da disparidade salarial decorre de outra coisa.

Os dados longitudinais — informações que acompanham as vidas e salários dos indivíduos — permitem-nos ver que, quando da saída da faculdade (ou da pós-graduação), os salários de homens e mulheres são incontestavelmente similares. Nos primeiros anos de emprego, a disparidade salarial é modesta para os recém-licenciados ou os que acabaram de fazer um MBA, por exemplo, e explica-se em grande medida por diferenças dos campos de estudo e escolhas profissionais de homens e mulheres. Homens e mulheres partem de uma posição quase igual, têm oportunidades muito semelhantes, mas fazem escolhas um pouco diferentes, o que gera uma ligeira disparidade salarial inicial.

É só mais adiante nas suas vidas, cerca de dez anos depois da formatura universitária, que se tornam aparentes as grandes diferenças salariais entre homens e mulheres. Trabalham em partes diferentes do mercado, para empresas diferentes. Sem surpresa, estas alterações costumam iniciar-se um ano ou dois após o nascimento de um filho e têm quase sempre um impacto negativo nas carreiras das mulheres, mas a disparidade de rendimentos também começa a alargar-se logo depois do casamento.

O aparecimento de carreiras para as mulheres alterou de uma forma fundamental a relação entre a família americana e a economia. Nunca chegaremos ao fundo da disparidade salarial entre homens e mulheres enquanto não compreendermos a trajetória do problema muito maior de que ela é um sintoma. A disparidade salarial entre homens e mulheres é uma consequência da disparidade das carreiras; a disparidade das carreiras está na base da iniquidade no casal. Para compreendermos verdadeiramente o que isso significa, temos de fazer uma viagem pelo papel da mulher na economia americana e ter em consideração como se transformou ao longo do último século.

Iremos centrar-nos sobretudo em mulheres com uma licenciatura universitária, uma vez que tiveram a maior parte das oportunidades para obter uma carreira, e o seu número tem estado em expansão desde há algum tempo. Desde 2020, quase 45 por cento das mulheres de vinte e cinco anos concluíram, ou irão concluir em breve, uma licenciatura de quatro anos numa faculdade. Para os homens, o patamar é de apenas 36 por cento. É claro que o número de mulheres com licenciatura universitária nem sempre foi superior ao dos homens. Durante muito tempo, e por muitas razões, as mulheres estiveram em grande desvantagem em termos de frequência de faculdades e licenciatura nas mesmas. Em 1960, havia 1,6 homens por cada mulher que concluía uma licenciatura de quatro anos numa faculdade ou universidade dos Estados Unidos, mas, a partir de finais da década de 1960 e início da de 1970, as coisas começaram a mudar. Nos anos 1980, a vantagem dos homens evaporara-se. De então para cá, licenciaram-se mais mulheres do que homens, todos os anos, em instituições com cursos de quatro anos.

E não se limitam a formar-se em faculdades e universidades em números recorde — colocam a fasquia cada vez mais alto. Mais do que nunca, estas licenciadas têm em vista graus académicos mais importantes após a licenciatura e carreiras estimulantes subsequentes. Imediatamente antes da Grande Recessão, 23 por cento das mulheres com licenciaturas universitárias estavam a obter um dos graus profissionais mais elevados, incluindo um doutoramento em direito ( JD), um doutoramento (PhD), um doutoramento em medicina (MD) ou um MBA, o que reflete um aumento para mais do quádruplo ao longo das quatro décadas anteriores. Para os homens, a fração manteve-se em redor de 30 por cento durante o mesmo período de quarenta anos. As mulheres foram planeando cada vez mais ter carreiras longas, muitíssimo bem remuneradas e gratificantes — uma proeza sustentada que se incorpora como parte da identidade de alguém.

Entre elas também são mais as que estão a ter filhos — mais do que em qualquer outro momento desde o fim do Baby Boom. Quase 80 por cento das mulheres com uma licenciatura universitária e que hoje em dia têm quarenta e muitos anos deram à luz um filho (acrescente-se 1,5 pontos percentuais para incluir as adoções por parte das que não deram à luz). Há quinze anos, só 73 por cento das mulheres com uma licenciatura universitária e com quarenta e poucos anos tinham dado à luz pelo menos uma vez. Portanto, as mulheres com uma licenciatura universitária nascidas em redor do início da década de 1970 têm uma taxa de natalidade consideravelmente mais elevada do que a das mulheres com uma licenciatura universitária nascidas em meados da de 1950.9 Existem agora, mais do que nunca, mais mulheres como Keisha Lance Bottoms, Liz Cheney, Tammy Duckworth, Samantha Power e Lori Trahan — que tiveram todas elas carreiras bem-sucedidas e também filhos e que agora têm cerca de cinquenta anos.

As mulheres com uma licenciatura universitária já não aceitam, sem discussão, ter uma carreira, mas não uma família. As que têm filhos já não se contentam plenamente com terem uma família, mas não uma carreira. De um modo geral, as mulheres com uma licenciatura universitária querem ter êxito nos dois campos, mas, fazerem-no, exige que superem uma enorme quantidade de conflitos de tempo e façam um grande número de escolhas difíceis.

O tempo é um grande igualador. Dispomos todos da mesma quantidade e temos de fazer escolhas difíceis em termos da sua distribuição. O problema fundamental para as mulheres que tentam atingir o equilíbrio entre uma carreira bem-sucedida e uma família alegre são conflitos de tempo. Investir numa carreira significa amiúde um contributo de tempo considerável nos primeiros tempos, precisamente durante os anos em que uma pessoa «deveria» estar a ter filhos. Gozar a família também implica um tempo considerável. Essas escolhas têm consequências dinâmicas, e nós dispomos de pouca capacidade para remediar as más decisões. Há cinquenta anos, ao aconselhar mulheres mais novas em relação à carreira, uma administradora de empresas com três filhos disse: «É difícil — mas façam-no».

Estamos sempre a fazer escolhas, como ir para a farra ou estudar, fazer cadeiras difíceis ou fazer as fáceis. Como é natural, algumas são mais decisivas. Casar cedo; casar tarde. Fazer uma pós-graduação; arranjar um emprego já. Ter um filho agora; correr um risco grande que não se poderá correr mais tarde. Passar tempo com um cliente; passar tempo com um filho. Essas escolhas importantes, com consequências e que dizem respeito à distribuição do tempo, no caso das mulheres com uma licenciatura universitária começam mais ou menos quando concluem a licenciatura.

Não há muito tempo, os casamentos entre licenciados universitários aconteciam em idades espantosamente precoces. Até cerca de 1970, a idade média quando do primeiro casamento, para uma mulher com uma licenciatura universitária, era próxima dos vinte e três anos. O primeiro filho nascia pouco depois. O casamento precoce impedia com frequência as mulheres de prosseguirem os estudos, pelo menos de imediato. Os casais recém-casados mudavam-se mais vezes por causa da carreira e estudos dos maridos do que por causa da carreira e estudos das mulheres. Estas nem sempre maximizavam as suas perspetivas pessoais de carreira futura. Pelo contrário, era frequente sacrificarem as suas carreiras a fim de otimizarem o bem-estar da família.

No caso das mulheres que se licenciaram entre a década de 1940 e o final da de 1960, os casamentos precoces aconteciam porque adiar o casamento era um desafio. Receber um alfinete, uma lavaliere e — o máximo — ficar noiva pouco depois de iniciar uma relação séria (e sexual) era uma apólice de seguro importante contra uma gravidez pré-nupcial. Num mundo sem contraceção controlada pelas mulheres e de eficácia elevada, a escolha era limitada.

Em 1961, a pílula já fora inventada, aprovada pela FDA, e era adquirida por um grande número de mulheres casadas. No entanto, as leis estaduais e as convenções sociais não permitiam que a pílula se difundisse entre as jovens solteiras. Essas restrições começaram a desaparecer cerca de 1970, por diversas razões, na sua maioria não relacionadas com a contraceção. A pílula deu às mulheres com uma licenciatura universitária uma nova capacidade de planearem as suas vidas e eliminarem a primeira condicionante. Podiam matricular-se em atividades de ensino e formação pós-graduação que consumiam muito tempo — de facto, consumiam tudo. O casamento e os filhos podiam ser adiados, apenas o tempo suficiente para uma mulher lançar os alicerces de uma carreira sustentável.

Foi nessa altura que as coisas começaram a mudar, radicalmente. Após 1970, a idade quando do primeiro casamento começou a aumentar e continuou a subir ano após ano — de tal forma que a idade média quando do primeiro casamento para as mulheres com uma licenciatura universitária ronda agora os vinte e oito anos.

Mas no preciso momento em que foi resolvido o problema da restrição temporal, outros surgiram de repente. A formação de pós-graduação passou a ter início mais tarde nas vidas das licenciadas e a levar mais tempo a ser concluída. O tempo até à primeira promoção numa grande quantidade de campos, desde a academia à saúde, direito, contabilidade e consultoria foi prolongado cada vez mais. Os anos adicionais cresceram dando origem a outro conflito temporal que tinha de ser ultrapassado.

Há uma década ou mais, uma primeira promoção surgia quando uma pessoa estava no início da casa dos trinta. Em tempos mais recentes, acontece com trinta e muitos anos. O calendário já não permite facilmente que se tenha o primeiro filho depois da promoção a sócia, da agregação ou de qualquer outro avanço. O primeiro nascimento ocorre amiúde antes destes marcos de carreira. É frequente os filhos darem cabo das carreiras. E as carreiras amiúde dão cabo das possibilidades de as mulheres terem filhos.

O calendário é brutal. Para as mulheres que querem ter uma família, esperar pelos trinta e poucos anos para terem o primeiro filho é apostar contra a possibilidade de serem bem-sucedidas na vertente familiar e terem filhos, mas as mulheres com licenciaturas universitárias conseguiram inverter as probabilidades recorrendo a diversos meios, incluindo a utilização de tecnologias de reprodução assistida. A fração de mulheres com filhos registou um aumento surpreendente no caso das que fizeram quarenta anos recentemente. O aumento da taxa de natalidade não diminui as frustrações, a tristeza e a dor física das que tentaram e não foram bem-sucedidas. No caso das que tiveram êxito, isso não significa que possam manter as suas carreiras.

Mesmo com todas estas dificuldades, muita coisa mudou, em termos históricos, numa direção positiva, aproximando-nos mais de uma maior autoeficácia das mulheres e de uma maior igualdade de género. As mulheres têm um melhor controlo da sua fertilidade, os casamentos ocorrem mais tarde e, por conseguinte, duram mais. Agora, as mulheres são a esmagadora fração dos licenciados. Muitíssimas delas entram em programas para obtenção de graus profissionais ou pós-graduações e são as primeiras classificadas nas suas turmas. As melhores empresas, organizações e departamentos estão a contratá-las. E depois, o que acontece?

Se a carreira de uma mulher tiver uma oportunidade de prosperar e se ela conseguir ter filhos, surge o conflito temporal por excelência. Os filhos tomam tempo. As carreiras tomam tempo. E nem mesmo os casais mais ricos podem contratar todos os cuidados no exterior. Além disso, para quê trazermos filhos a este mundo se não formos amá-los e criá-los?

A restrição fundamental imposta pelo tempo é decidir quem vai estar disponível para os problemas domésticos — isto é, quem vai deixar o escritório e ficar em casa em caso de necessidade. Ambos os progenitores poderiam fazê-lo. Essa equidade dentro do casal proporcionaria a partilha fundamental a meias, mas quanto custaria à família? Muito — uma realidade em relação à qual os casais estão hoje mais conscientes do que nunca.

À medida que aumentaram as aspirações, tanto em termos de carreira como de família, uma componente importante da maior parte das carreiras tornou-se aparente, visível e central. O trabalho, para muitos dos que estão a fazer carreira, é ganancioso. Todo aquele que fizer horas extraordinárias, abdicar de tempo dos fins de semana ou mesmo dos serões ganhará bastante mais — tanto que, mesmo numa base horária, a pessoa ganha mais.

Trabalho Ganancioso

A ganância do trabalho significa que os casais com filhos ou outras responsabilidades em termos de cuidados ganhariam se adquirissem um pouco de especialização. Esta especialização não significa catapultarem-se de volta para o mundo de Leave It to Beaver.4 As mulheres continuarão a seguir carreiras exigentes, mas um dos membros do casal estará disponível para os problemas domésticos, pronto para deixar o escritório ou o local de trabalho de imediato. Essa pessoa terá um lugar com uma flexibilidade considerável e, de um modo geral, não se espe ará dela que responda a um e-mail ou a um telefonema às dez da noite. Esse progenitor não terá de cancelar a presença num treino de futebol por causa de um processo de fusão e aquisição. Todavia, o outro progenitor estará disponível, no escritório, e fará precisamente o contrário. O impacto potencial nas promoções, progressão na carreira e salário é óbvio.

O trabalho dos profissionais liberais e dos gestores foi sempre ganancioso. Os advogados sempre trabalharam até tarde. Os académicos foram sempre julgados pela sua produção cerebral e espera-se que não desliguem os cérebros ao serão. Os médicos e veterinários já estiveram, em dada altura, ao serviço vinte e quatro horas por dia durante os sete dias da semana.

O valor dos empregos gananciosos aumentou grandemente com a crescente desigualdade salarial, que disparou desde o início da década de 1980. No ponto mais alto da distribuição dos rendimentos, os salários subiram em flecha. O trabalhador que aceita mais horas de trabalho tem uma recompensa cada vez maior. Os empregos que exigem os horários mais longos e a menor flexibilidade são pagos de uma forma desproporcionadamente mais elevada, enquanto, nos outros, os salários estagnaram. Assim, os lugares onde, para começar, era mais difícil as mulheres entrarem, como os da área financeira, são precisamente aqueles onde assistimos às maiores subidas salariais nestas últimas décadas. O colaborador do departamento de participações privadas que acompanha as negociações do princípio ao fim, que elaborou modelagem difícil e que esteve presente em todas as reuniões e jantares fora de horas, terá uma hipótese maior de obter uma grande gratificação e a procurada promoção.

A desigualdade crescente de rendimentos pode ser uma razão importante pela qual a disparidade salarial entre homens e mulheres com licenciaturas tem permanecido fixa nestas últimas décadas, apesar das melhorias em termos de credenciais e cargos das mulheres. Pode ser a razão pela qual a disparidade salarial entre homens e mulheres com licenciaturas se tornou maior do que a entre homens e mulheres em toda a população nos finais da década de 1980 e início da de 1990. As mulheres têm andado a nadar rio acima, mantendo a sua posição, mas enfrentando uma forte torrente de desigualdade endémica de rendimentos.

O trabalho ganancioso também significa que a equidade no casal tem sido, e continuará a ser, abandonada em troca de um rendimento familiar aumentado. E quando a equidade no casal é atirada janela fora, em geral leva consigo a igualdade de género, exceto nas uniões do mesmo sexo. As normas de género que herdámos são reforçadas sob uma enorme variedade de formas para atribuir às mães um maior quinhão de responsabilidade pelos cuidados infantis, e para atribuir mais cuidados familiares às filhas crescidas.

Tomemos um casal, Isabel e Lucas, casados (que tem como modelo um casal que conheci há vários anos). Licenciaram-se ambos pela mesma faculdade de artes liberais e, mais tarde, obtiveram pós-graduações idênticas em tecnologia da informação (TI). Depois, foram contratados pela mesma empresa, a que chamaremos InfoServices.

A InfoServices proporcionou a cada um deles a escolha entre dois cargos. O primeiro tem um horário normalizado e apresenta a possibilidade de flexibilidade nas horas de entrada e saída. O segundo tem horas de plantão imprevisíveis à noite e aos fins de semana, embora o número total de horas anuais não aumente necessariamente muito. O segundo cargo tem uma remuneração 20 por cento mais elevada, para atrair pessoas talentosas e dispostas a trabalhar com horas e dias incertos. E a InfoServices escolhe os seus gestores entre os que ocupam este cargo. É o lugar «ganancioso», e tanto Isabel como Lucas optaram inicialmente por ele. Igualmente capazes e igualmente isentos de obrigações externas, os dois passaram alguns anos a trabalhar ao mesmo nível e pelo mesmo salário.

Quando estava a beirar os trinta anos, Isabel decidiu que precisava de mais flexibilidade e tempo na sua vida, para passar mais tempo com a mãe doente. Continuou na InfoServices, mas optou por um lugar que, embora exigisse o mesmo número de horas, era mais flexível em termos de quais seriam as horas de trabalho. Era menos ganancioso nas suas exigências e menos generoso na remuneração.

Podemos ver as suas trajetórias na Figura 1.1. O caminho onde ambos começaram e onde Lucas ficou — ganancioso e inflexível — é mostrado a traço cheio e tem uma remuneração horária (implícita se a pessoa for um assalariado e explícita se for paga à hora) que aumenta de acordo com o número de horas, ou talvez consoante determinadas exigências horárias. Se ele trabalhasse sessenta horas por semana, receberia mais de uma vez e meia o que ganharia se fizesse quarenta horas. A remuneração horária implícita de Lucas aumenta com as horas trabalhadas (ou com a inflexibilidade das mesmas), o que significa que poderia duplicar o seu salário semanal mesmo que não trabalhasse o dobro das horas por semana.

O novo papel de Isabel, o lugar mais flexível, é apresentado pela linha tracejada. A sua remuneração horária é constante, pelo que não importa quantas horas trabalha ou a que horas o faz; o salário é o mesmo. Se trabalhasse sessenta horas, receberia uma vez e meia o que ganha trabalhando quarenta horas. Uma semana normal de trabalho põe Lucas, no seu lugar ganancioso, na posição do losango. De um modo equivalente, uma semana normal de Isabel no seu novo lugar põe-na na posição do ponto.

Quando o casal decidiu ter um filho, pelo menos um dos progenitores tinha de estar disponível para acorrer aos problemas. Não podiam desempenhar ambos o lugar que Lucas tinha, com as suas horas imprevisíveis e inflexíveis. Se o fizessem, nenhum deles estaria disponível se a enfermeira da escola telefonasse ou se o infantário da criança fechasse de súbito a meio do dia. Se o cargo exigisse que ambos estivessem no escritório, às quintas-feiras, precisamente às onze da manhã, teriam de se limitar a esperar que o filho não caísse do baloiço a essa hora ou que um membro mais velho da família não tivesse uma consulta médica nesse momento.

Ambos podiam ter trabalhado no cargo de Isabel, mas, sobretudo porque estavam a planear uma família, não puderam permitir-se essa decisão. Fazê-lo significaria que ambos renunciariam à quantidade de rendimento semanal adicional que Lucas trazia. Se quisessem partilhar os cuidados infantis em partes iguais, precisavam de confrontar esse desejo com o quanto lhes custaria. Podia ser muito — e suficientemente significativo para terem de sacrificar a equidade no casal em troca de um rendimento familiar mais elevado.

Como acontece na maioria dos casais heterossexuais que esperam um filho, Isabel ficou no cargo flexível enquanto Lucas se manteve no mais ganancioso. (O que continuaria a ser verdade mesmo que excluíssemos os primeiros meses após o parto e todo o tempo da infância da criança.)

Lucas continuou a ganhar mais do que Isabel, e a disparidade salarial limitou-se a aumentar depois de terem tido filhos. Ele foi promovido; ela não. No caso de outros casais em cargos semelhantes, a disparidade salarial pode aumentar ainda antes de terem filhos, uma vez que os casais que estão a planear uma família mudam-se com frequência para otimizar as possibilidades de emprego, em especial do marido, o que é uma grande parte do porquê de a disparidade salarial entre homens e mulheres ainda ser substancial.

No caso dos casais do mesmo sexo, não haverá uma disparidade salarial em função do género, mas a equidade no casal também será posta de lado precisamente pelas mesmas razões que motivaram as decisões de Isabel e Lucas. Num mundo de empregos gananciosos, a equidade nas famílias é cara.

Se as mulheres não tivessem de estar de plantão às emergências domésticas, poderiam aceitar empregos com um salário desproporcionadamente elevado em troca de muitas horas de trabalho, horários imprevisíveis, plantões noturnos e fins de semana esporádicos — e, na verdade, muitas mulheres fazem-no. Escolher horários longos e exigentes é bom para as mulheres acabadas de sair da faculdade e para as que têm menos responsabilidades familiares, mas, quando chega um bebé, as prioridades alteram-se. A prestação de cuidados primários é morosa, e, de súbito, as mulheres estão de plantão às emergências domésticas. A fim de terem mais disponibilidade para as suas famílias, têm de estar menos disponíveis para os seus empregadores e clientes e, por consequência, têm tendência para reduzir os horários ou aceitar empregos em áreas do mercado que proporcionam mais flexibilidade — e ganham muito menos. Essas responsabilidades reduzem-se à medida que os filhos vão ficando mais velhos e se tornam mais independentes, e, de facto, os salários das mulheres sobem em relação aos dos homens nesses períodos, mas outras exigências familiares surgem amiúde um pouco mais tarde na vida, substituindo as exigências reduzidas dos filhos.

A história de Isabel e Lucas não é fora do comum. À medida que encontram parcerias de vida e começam a planear famílias, os licenciados são confrontados, da forma mais dura, com uma escolha entre um casamento de iguais e um casamento com mais dinheiro.

Um Casamento de Iguais

Há algum tempo, perguntei às alunas de uma das minhas cadeiras de licenciatura o que queriam do casamento. Uma delas respondeu num instante: «Quero um homem que queira o que eu quero». Achei que a sua resposta era uma declaração sincera de um desejo de equidade. De então para cá, tem sido repetida por muitas alunas e amigas minhas, mas nunca de uma forma tão sucinta e clara. Todavia, o dilema que continua a existir é que, mesmo que se conseguisse essa conjunção, seria oneroso em termos de equidade familiar terem ambos carreiras exigentes, ou oneroso em termos do rendimento familiar terem ambos carreiras menos exigentes. Para maximizar o rendimento potencial da família, um dos parceiros aposta no emprego que ocupa muito tempo no escritório enquanto o outro sacrifica a carreira para assumir as tarefas que ocupam muito tempo em casa. Independentemente do género, este último ganhará menos.

O género não é um fator que possa ser ignorado, porque a pessoa que sacrifica a carreira para ficar em casa é — em termos históricos e ainda hoje em dia — na maior parte das vezes uma mulher. As mulheres não são indolentes nem menos talentosas e partem numa posição de bastante igualdade em relação aos homens. Devido em parte às normas de género enraizadas que iremos explorar, mesmo mulheres ambiciosas e com talento sentiram a necessidade de abrandar as suas carreiras para bem da sua família. Os homens são capazes de ter uma família e ir em frente porque as mulheres recuam nas suas carreiras para obterem mais tempo para a família. Ambos ficam privados de algo: os homens renunciam ao tempo com a família; as mulheres renunciam à carreira.

Para o leitor moderno, a ideia de as mulheres terem carreiras em que possam dar um passo atrás ou em que possam dar um passo em frente pode parecer tão normal que não seja digno de nota. As mulheres frequentam a escola, tal como os homens, e seguem o ensino superior e carreiras lucrativas, precisamente como os homens, mas vale a pena determo-nos para refletir sobre quão nova é esta situação. Em 1900, muito poucas mulheres licenciadas com filhos pequenos faziam parte da força de trabalho, já para não falar de terem algo que se assemelhasse a uma carreira. As que se dedicavam ao trabalho não tinham filhos e, amiúde, não casavam. Mais de um século depois, as mulheres não se limitam a trabalhar; têm carreiras relevantes que muitas conseguem, ou tencionam conjugar com uma família num casamento equitativo. Em toda a história do mundo, isto nunca aconteceu antes.

Quando o papel económico de mais de metade da população se altera, isso marca uma mudança histórica espantosa — uma alteração que teve ramificações imensas. As vidas das mulheres com uma licenciatura universitária evoluíram da forma mais radical, mas os efeitos desta mudança profunda reverberaram por toda a sociedade americana, afetando toda a organização social do trabalho, escolas e famílias. Quando as mulheres passaram do lar para o mercado de trabalho, não passaram apenas de trabalho gratuito para trabalho remunerado. Passaram das responsabilidades familiares para cargos que exigiam um nível de ensino amplo, que passaram a fazer parte das suas identidades e, amiúde, perduraram por todas as suas vidas.

No século XX, cada geração de mulheres deu mais um passo nesta caminhada, enquanto uma grande quantidade de progressos ao nível do lar, da empresa, da escola e na contraceção preparou o caminho para esse avanço. Cada geração expandiu os seus horizontes, aprendendo com os êxitos e fracassos da anterior e deixando lições para a vaga seguinte de mulheres. Cada geração passou um testemunho para a seguinte. A caminhada levou-nos da escolha difícil de ter uma família ou uma carreira à possibilidade de ter uma carreira e uma família. Foi também um caminho em direção a uma maior equidade salarial e equidade no casal. É uma progressão complexa e multifacetada que ainda decorre.

Se esta alteração ao longo das décadas foi esmagadoramente positiva, porque continuamos a debater-nos com enormes diferenças entre os rendimentos, profissões e cargos de homens e mulheres e com as enormes disparidades entre as suas responsabilidades familiares?

As jovens modernas, sobretudo durante a crise atual da Covid, estão angustiadas — e com razão. Apesar da sua viagem ao longo desta estrada que foi preparada pelas suas bisavós, avós e mães (que, na sua maioria, também estão angustiadas), continuam divididas entre dedicarem-se a uma carreira ou dedicarem-se a uma família. Com os progressos tecnológicos e as melhorias no ensino, cursos profissionais e nas oportunidades, muitas barreiras foram suprimidas e muitos obstáculos discriminatórios ao êxito das mulheres foram derrubados. Como veremos, ao longo desta caminhada centenária, camadas de diferenças de género foram removidas, barreiras ao emprego das mulheres foram derrubadas e uma grande quantidade de limitações temporais foi afastada. Nuvens desapareceram e, com melhor luz, as razões da diferença final tornaram-se agora visíveis.

Coletivamente, chegámos a um momento em que podemos perguntar como iremos alterar o sistema para gerar maior igualdade de género e equidade no casal. Como poderemos alterar o diagrama de base, o do trabalho ganancioso de Lucas e do trabalho flexível de Isabel, para obtermos os dois? A resposta, como descobriremos, é que temos de alterar o modo como o trabalho está estruturado.

Temos de fazer com que os cargos flexíveis sejam mais abundantes e mais produtivos. Determinar se e como se poderá fazer isso é onde nos levará esta viagem. Revelará a necessidade de mais apoio para permitir que os progenitores e outros prestadores de cuidados sejam membros mais produtivos da economia. Tornará clara a relação entre a produtividade da economia e os cuidados a crianças em idades pré-escolar e escolar — o tema que saltou para a ribalta e se tornou tão relevante, súbita e rapidamente.

No momento em que podíamos ver de uma forma mais clara porque ter carreira e família é tão difícil para as mulheres — e, desse modo, podíamos considerar uma solução — fomos engolidos por uma pandemia de proporções mundiais. Fomos varridos por um tsunami. Passámos de AEC (Antes da Era do Corona) para DC (Durante o Corona); de uma «antiga normalidade» para circunstâncias que puseram famílias de pernas para o ar, deixaram doentes milhões de pessoas, mataram centenas de milhares nos EUA e apagaram anos de crescimento económico das nações do mundo. Estas circunstâncias também podem ter desviado muitas jovens mães das suas progressões precárias na carreira enquanto tentavam redigir peças processuais, comunicações académicas e relatórios de consultoria e tomar conta de clientes e pacientes, ao mesmo tempo que ensinavam a adição e a subtração aos seus filhos.

Agora, estamos a entrar numa era AC/DC desconhecida — um mundo que é em parte Após Corona (AC), no sentido de que muitas escolas e empresas abriram, mas com muitas das restrições e vestígios do mundo DC. A passagem para um mundo AC/DC revelou outro defeito da sociedade e economia americanas: a prestação de cuidados, tão fundamental para os objetivos de carreira das mulheres e para a equidade no casal, também é fundamental para o funcionamento de toda a economia. As mulheres não podem ser trabalhadoras essenciais em dois locais em simultâneo. Algo tem de ser sacrificado.

Voltaremos — daqui a muitas páginas — a examinar o mundo AC/DC, mas para uma compreensão plena de como chegámos aqui e como poderemos utilizar da melhor forma esta oportunidade de ultra passar o trabalho ganancioso, temos de voltar ao início. O desejo de carreira e família está há muito em formação entre as mulheres com uma licenciatura universitária. Essa aspiração tem estado em preparação, a alterar-se, a emergir e a metamorfosear-se ao longo de várias fases fundamentais da nossa história.

No início das nossas viagens, quando havia diferenças enormes entre os níveis de ensino de homens e mulheres e quando governar um lar exigia muito mais tempo e trabalho, ninguém se poderia ter apercebido de que os últimos impedimentos para condições equitativas seriam: a estrutura do trabalho e as nossas instituições de prestação de cuidados.

Embora tenhamos chegado a uma era de igualdade sem precedentes entre homens e mulheres em termos económicos, sob determinados aspetos continuamos a viver na idade das trevas. As nossas estruturas do trabalho e da prestação de cuidados são relíquias de um passado em que só os homens tinham, em simultâneo, carreiras e famílias. Toda a nossa economia está presa numa forma antiquada de funcionar, tolhida por métodos primitivos de divisão de responsabilidades.

À medida que mais mulheres do que nunca aspiram a ter carreiras, famílias e equidade no casal, e à medida que mais casais do que nunca tentam conciliar exigências de tempo conflituantes, é imperativo que compreendamos aquilo que a disparidade económica de género revela sobre a nossa economia e a nossa sociedade — para que possamos trabalhar tendo em vista soluções que lhe ponham termo e tornem trabalho e vida mais equitativos para todos. Os dados contidos nos capítulos seguintes mostrarão o progresso feito em cada geração, o modo como as normas de género e as estruturas do local de trabalho evoluíram durante décadas e como a caminhada deve prosseguir.

Este livro é a história de como as aspirações de carreira, família e equidade surgiram ao longo do último século e como podem ser realizadas hoje em dia. Não existe um remédio simples, mas, ao compreendermos por fim o problema e dando-lhe o seu verdadeiro nome, poderemos preparar um melhor caminho em frente.

Notas

  1. Os obstáculos invisíveis que impedem a progressão na carreira das mulheres (N. do T.).
  2. Um percurso de carreira em que são concedidos alguns benefícios às mães, por exemplo, horários flexíveis, mas que tem menos oportunidades em termos de promoções (N. do T.).
  3. Equal Employment Opportunity Commission (Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Emprego), o organismo federal responsável por fazer cumprir as leis contra a discriminação no local de trabalho (N. do T.).
  4. Série de televisão americana que retratava a vida de uma família convencional (N. do T.).
  • Claudia Goldin
  • Prémio Nobel da Economia de 2023

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“A longa caminhada das mulheres para a equidade”. Pré-publicação do novo livro da Nobel da Economia

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião