“Espero que até o fim do ano as taxas do BCE sejam mais baixas”

Em entrevista ao ECO, o economista Giorgio Primiceri, um dos oradores do Fórum BCE, mostrou-se confiante na redução da inflação e no corte gradual dos juros. "Último quilómetro" será fácil, aposta.

Giorgio Primiceri, economista e professor na Universidade de Northwestern, nos EUA, foi um dos oradores do Fórum anual do Banco Central Europeu (BCE) de 2024, que se realizou recentemente em Sintra, onde apresentou um paper que defende que a inflação pós-pandemia foi predominantemente impulsionada por forças de procura inesperadamente fortes, não só nos EUA, mas também na Zona Euro.

Perante uma plateia de banqueiros centrais, académicos e nomes do mercado financeiro, o italiano que vive nos EUA argumentou que, em comparação, o impacto inflacionista dos choques adversos na oferta foi menos pronunciado do que era esperado, embora estes choques tenham limitado significativamente a atividade económica.

Segundo o modelo desenvolvido por Giorgio Primiceri, juntamente com Domenico Giannone (do Fundo Monetário Internacional), se o BCE tivesse avançado com uma ação mais agressiva no início do episódio inflacionista e conduzido a taxa para próximo da meta de 2%, a atividade económica em 2024 teria sido 5% inferior.

Em entrevista ao ECO, à margem do evento, Giorgio Primiceri mostrou-se otimista em relação à trajetória da inflação, descartando riscos sobre os dados relativos aos serviços, e acredita num “último quilómetro” fácil nos próximos trimestres, na ausência de perturbações imprevistas. O economista prevê uma redução gradual dos juros pelo BCE, com cortes ainda este ano, e elogia as decisões da instituição liderada por Christine Lagarde e da Reserva Federal norte-americana (Fed).

O seu artigo tem como título “O aumento e a queda da inflação a Zona Euro – passado, presente e futuro”. Quais são os momentos que destaca nesta evolução?

É um fenómeno muito interessante porque o principal fenómeno positivo nos dez anos anteriores do Covid-19 foi a estabilidade da inflação. As pessoas perguntavam por que razão a inflação era tão estável, mesmo durante a crise financeira, quando a produção caiu substancialmente nos EUA e na Zona Euro. A inflação apenas caiu ligeiramente e depois voltou para aproximadamente 2%. Esse era o grande quebra-cabeças naquele momento. Depois veio o Covid-19 e houve várias fases. Houve uma fase inicial, durante o período mais grave da pandemia – pensemos essencialmente na primeira metade de 2020 – em que ocorreram dois fenómenos: houve uma contração na procura e uma contração na oferta. As pessoas não podiam trabalhar, não podiam produzir, muitos carregamentos da China foram interrompidos… a produção sofreu e o lado da oferta sofreu. Normalmente, quando há contração na oferta, a produção cai porque se produz menos e os preços aumentam porque tudo custa mais. Mas em 2020, simultaneamente, as pessoas queriam gastar menos.

Giorgio Primiceri durante o Fórum BCE 2024, em Sintra, Portugal. Créditos: Banco Central Europeu (BCE)

Houve um aumento da poupança.

As pessoas simplesmente não podiam ir a restaurantes, não podiam fazer nada. Portanto, houve uma queda na procura, uma queda na oferta, a atividade económica reduziu-se substancialmente, mas os preços não se alteraram realmente porque houve este efeito neutralizador da procura e da oferta. Depois disso, gradualmente, começou-se um caminho acidentado, porque houve confinamentos e aberturas, confinamentos e abertura, mas essencialmente o que aconteceu é que tanto as condições de oferta como de procura recuperaram gradualmente. A economia começou a produzir, não tanto como antes da pandemia, mas gradualmente todos os estrangulamentos do lado da oferta foram resolvidos.

A inflação começou a dar sinais.

E com um pouco de cautela, o BCE começou a apertar a política monetária. Não o fizeram imediatamente e não o fizeram imediatamente por uma série de razões. Queriam ser cautelosos. A economia ainda estava em recessão, os preços estavam a subir, mas se apertassem a política demasiado cedo paravam a recuperação.

Então esperaram…

Também pensaram que se tratava principalmente de estrangulamentos temporários na oferta que poderiam ser resolvidos em alguns meses. Obviamente, não foi esse o caso. Começaram a apertar [a política monetária]. No início de 2022 estavam muito agressivos e aconteceu uma coisa semelhante nos EUA. Funcionou no sentido de que o aperto da política monetária reduziu a procura agregada. Ao mesmo tempo, alguns dos estrangulamentos de abastecimento foram resolvidos e gradualmente, nesta história, a inflação começou a diminuir. Esqueci-me de mencionar que por volta do início de 2022 houve a invasão russa da Ucrânia, que levou a preços da energia, especialmente o gás e a eletricidade, maiores, o que tornou as coisas piores.

Atualmente, os serviços são a componente que regista a taxa de inflação mais elevada.

Correto.

Há motivos para preocupação com este fator?

Sim e não. Em geral, a visão convencional é que o preço dos serviços é mais rígido do que o preço dos bens, no sentido de que se alteram mais lentamente do que o preço dos serviços. É exatamente isso que está a acontecer aqui. Nos últimos dois ou três anos foi agravado pelo facto de que inicialmente se tratava de uma mudança nos gastos. As pessoas simplesmente não podiam ir a restaurantes, não podiam consumir serviços ou podiam consumir apenas uma pequena fração, por isso transferiram a maior parte dos seus gastos para bens. Portanto, o preço dos produtos disparou muito cedo. Depois, quando se tornou possível consumir serviços começaram a consumir-se e o seu preço aumentou. Ainda estão bastante elevados, mas estão a diminuir. A expectativa é que continuem a cair. Penso que na Zona Euro os serviços constituem aproximadamente 50% do cabaz de consumo típico. A inflação de bens já está muito baixa, por isso deve recupera para os valores padrão.

Podemos agora afirmar que a inflação está finalmente sob controlo e o alcance da meta está próxima?

No nosso artigo dizemos que é muito provável que sim. Tem vindo a diminuir desde o pico de 10% no último trimestre de 2022 e tem caído muito mais rapidamente do que as pessoas previam. Também houve um aumento muito mais rápido do que as pessoas previam antes, é certo, mas o declínio tem sido muito rápido. A maioria das pessoas no final de 2022 não teria imaginado que no início do primeiro semestre de 2024 a inflação seria inferior a 3%. E agora há essa questão do último quilómetro, que acho que não vai ser complicado. A inflação já está em torno de 2,5% e os modelos de projeção dizem que vai diminuir gradualmente para 2%. Na prática, tenho a certeza que iremos ter alguns solavancos, talvez para cima, talvez para baixo, mas as perspetivas são bastante otimistas. Claro que podem ocorrer episódios não previstos, mas podem sempre.

O último quilómetro [da trajetória de descida da taxa de inflação] não vai ser complicado

Giorgio Primiceri

Economista

E os riscos associados aos choques geopolíticos?

Existe, claro. A maioria dos oradores [do primeiro dia de debates do Fórum BCE] considera que o risco geopolítico cria riscos ascendentes para a inflação. Há a guerra, há eleições que são importantes. Algumas destas eleições, como salientou um dos oradores do Fórum, podem implicar mais tarifas às exportações e importações dos EUA para a China. Existem riscos que não têm nada a ver com o que aconteceu na pandemia e com o que provocou o episódio de elevada inflação que vivemos. São novos riscos. O desafio será que os bancos centrais administrem os potenciais choques que têm origem neste fenómeno.

A determinado momento, o BCE também começou a alertar para o risco da pressão dos salários na inflação. Como é que olha para este indicador?

Os salários são importantes porque são um componente importante dos custos das empresas. Quando os salários aumentam, os custos das empresas aumentam e estas vão cobrar mais por tudo o que produzem. Mas diria para os salários algo semelhante ao que disse sobre os serviços: os salários são bastante rígidos, reagem com atraso ao estado da economia, e, no início, quando surgiram as primeiras pressões inflacionistas, não cresceram muito. Começaram a crescer alguns trimestres depois e agora a expectativa é que a inflação nos salários, gradualmente, também diminua. Há uma previsão bastante uniforme de diferentes fontes de que a taxa de inflação estará perto de 2% no próximo ano.

Economista Giorgio Primiceri durante o debate de apresentação do seu ‘paper’ no Fórum do BCE 2024, realizado em Sintra, Portugal. Créditos: Banco Central Europeu

A política monetária tem sido testada nos últimos tempos. Considera que os banqueiros centrais têm passado no teste? Têm dado a resposta certa no momento certo?

No geral, acho que a resposta é sim. Escrevemos este artigo em 2024. É uma espécie de análise post mortem. Vimos todos os dados do que aconteceu desde 2020 e para nós foi muito fácil interpretar este episódio. Atribuímo-lo a uma procura surpreendentemente forte, mas já vimos o episódio completo. Agora coloco-me no lugar da Reserva Federal norte-americana ou do BCE que precisam de tomar as decisões de política monetária em tempo real. Veem a inflação a subir e precisam de decidir se aumentam as taxas para travar a inflação, mas isso acarreta um custo, porque também veem que a produção ainda não recuperou totalmente a tendência pré-Covid. É difícil. Penso que a decisão de serem um pouco cautelosos, no final das contas, foi uma boa decisão, porque se tivessem combatido a inflação com muito mais vigor desde o início, provavelmente, a produção agora seria muito menor e haveria muito mais desemprego. Apostaram em duas coisas: que a inflação era impulsionada principalmente por estrangulamentos temporários na oferta e, como sabe, no nosso não concordamos totalmente com isso, porque considerámos mais a procura, e acumularam bastante credibilidade.

Mas quando avançaram intervieram agressivamente.

Quando a dada altura se tornou evidente que precisavam de intervir, intervieram agressivamente e conseguiram reparar as coisas muito rapidamente. Acho que no final foi uma boa aposta. A Fed fez quase exatamente o mesmo. Esperaram no início porque não tinham certeza se aquelas pressões inflacionistas eram temporárias ou mais permanentes.

E a Fed agora espera novamente até avançar com um corte nas taxas.

Acho que a Fed está a esperar por dois motivos. Em primeiro lugar, o mais recente, que é a leitura dos dados da inflação ainda não ser tão positiva nos EUA como na Europa. Depois, a produção é mais forte e o desemprego é muito baixo. Nos EUA, o emprego é muito elevado, a economia está a crescer. Na Zona Euro, pelo contrário, a economia ainda está abaixo da tendência. Concordo com a decisão da Fed de ainda não aliviar os juros.

Créditos: Banco Central Europeu

Quais são, então, as suas expectativas em relação a possíveis cortes de juros na Zona Euro este ano? Vê como possível uma nova redução das taxas na reunião de setembro?

Não consigo responder a isso, só posso fazer uma suposição com base nas previsões do nosso modelo. O nosso modelo prevê que as taxas deverão cair gradualmente. Agora, quando exatamente o BCE irá decidir fazer o próximo corte? Isso é difícil. Não sei se seria justo dar um palpite, mas espero que até o fim do ano as taxas sejam um pouco mais baixas.

“Quando exatamente o BCE irá decidir fazer o próximo corte? Isso é difícil. Não sei se seria justo dar um palpite, mas espero que até o fim do ano as taxas sejam um pouco mais baixas.

Giorgio Primiceri

Economista

O BCE tem dado poucas pistas sobre o timing do que pretende fazer. Admite que pode criar maior incerteza com essa, vamos chamar-lhe, falta de clareza na comunicação?

É possível, mas há aqui uma questão. Por um lado, você deseja ser muito claro na sua comunicação e dizer exatamente o que vai fazer, para que os mercados financeiros saibam exatamente o que vai acontecer. Por outro lado, estamos num momento delicado. Estamos a sair de uma inflação que não se via desde o início dos anos 1980, final dos anos 1970. Por isso, os bancos centrais querem ser cautelosos. Acho que não querem ficar, de forma alguma, de mãos atadas, querem a capacidade de cortar mais rapidamente ou não cortar se as novas leituras dos dados não forem positivas. Talvez em termos de comunicação tenhamos ficado um pouco mal habituados com o período em que as taxas de juro ficaram estagnadas em mínimos, durante o qual as decisões não eram essencialmente sobre o nível das taxas de juro. Muitas das ações de política monetária centrou-se nas promessas de comunicação de durante quanto tempo manteria as taxas de juro tão baixas ou em que condições. Esse foi um período muito particular em que se usou sobretudo outras ferramentas. Agora as coisas estão a normalizar-se. Talvez tenha sido um período especial. Acho que quando as coisas voltarem a ficar mais calmas e normais talvez o BCE seja mais claro na comunicação.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Espero que até o fim do ano as taxas do BCE sejam mais baixas”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião