Editorial

A Frente Popular, o Syriza e Costa

O programa económico da Frente Popular em França faz-nos recordar a agenda do Syrisa, que à data mereceu tantos elogios de António Costa. O que dirá agora o indigitado presidente do Conselho Europeu?

Este é mais um sinal da mudança da orientação política que está em curso na Europa, o esgotamento das políticas de austeridade e a necessidade de termos uma outra política que permita que a moeda única seja efetivamente uma moeda comum, que seja uma moeda que efetivamente gere ganhos para todos os povos e todas as economias da zona euro“. A afirmação poderia ser de Pedro Nuno Santos (já lá vamos…) Em França, é uma espécie de regresso ao passado recente da União Europeia, uma resposta, desta vez, à emergência de uma extrema-direita que se aproxima do poder. Já não são os “neoliberais”, mas volta a existir um inimigo comum que une as frentes de esquerda, da extrema aos moderados, com um programa económico que vai ser outra vez um teste ao euro.

A Nova Frente Popular, que inclui os chamados “insubmissos” de Mélenchon e uma esquerda moderada dos socialistas, ganhou as eleições em França com um programa económico que é um mínimo denominador comum, o necessário, construído à pressa, para vencer a frente nacional de Le Pen. Uma coligação anti extrema-direita que servia apenas para indicar o caminho que não queriam seguir, mas que tem agora de encontrar o que querem fazer a seguir. Ainda ninguém sabe qual vai ser o novo Governo francês (e pelo sim, pelo não, Macron pediu ao atual primeiro-ministro para manter-se em funções), mas já se sabe que sairá desta coligação. E com que programa político?

É necessário perceber o ponto de partida da economia francesa, as dificuldades de uma economia que está a tentar recuperar de uma estagnação económica e com uma situação de finanças públicas sob uma enorme pressão, com um défice de quase 6% e uma dívida pública superior a 110% do PIB.

Perante este quadro, qual foi a avaliação do FMI, no chamado artigo 4º, publicada no passado mês de maio?

  • Further consolidation measures are recommended over the medium term, starting in 2024, to bring debt on a downward trajectory, while making space for targeted growth-enhancing spending. For 2024, additional new measures of about 0.4 percent of GDP will be needed to bring the deficit to 4.9 percent of GDP (…)
  • Given France’s already high levels of taxation, fiscal consolidation should continue to focus on targeted measures to lower current spending. The broad-based spending reviews are critical to target pockets of inefficiency while preserving room for growth-friendly investment (…)
  • Recent labor programs and reforms have successfully helped increase employment above its pre-pandemic trend and supported real GDP growth (…) The recent pension and unemployment benefit reforms are also supporting labor force participation, by increasing work incentives.

Os resultados das reformas estruturais ainda não tinham aparecido, os franceses, como se sabe, são no mínimo impacientes e o desgaste político de Macron nestes anos alimentou uma extrema-direita que ganhou fôlego por essa Europa fora. A resposta, in extremis, dos franceses nas urnas deu mais uma oportunidade à esquerda, que também inclui extrema-esquerda, e de certa maneira até aos liberais de Macron.

Qual é o ponto de partida do programa económico que foi a votos? Exatamente o contrário do que é sugerido pelas instituições internacionais, como o FMI, mas também a Comissão Europeia. Mais impostos numa economia já com uma elevada carga fiscal, ataque à criação de riqueza, mais despesa pública, nacionalizações, reversões das reformas do sistema de pensões e travagem nas mudanças no mercado de trabalho. Não pode dar bons resultados, e o primeiro choque não será com a Comissão Europeia, será com os mercados, de quem a França depende. Sem um programa moderado, os investidores vão assustar-se, o risco-país vai disparar (medido pela yield das obrigações do tesouro a dez anos) e a pressão sobre o custo de uma dívida que é enorme vai ser um teste de realidade ao novo Governo que sair destas eleições. Um teste ao euro, também.

O mundo mudou, a União Europeia e as instituições internacionais também aprenderam com os erros das intervenções da troika, a bem e a mal, os países do euro ultrapassaram a crise da dívida soberana, o BCE ‘esticou’ o seu mandato para defender a moeda única, mas há uma coisa que não mudou: Os investidores só emprestam fundos a Estados que tenham políticas consistentes e que permitam o reembolso dessa dívida nos termos acordados.

A Frente Popular vai ser uma espécie de Syriza francesa? Aquela afirmação, em cima, tem uma data, janeiro de 2015, e tem um autor, António Costa, à data líder socialista na oposição a Pedro Passos Coelho. E disse mais: Costa elogiou o povo grego, que “resistiu a todas as pressões”, elegendo “livre e democraticamente” o Syriza, defendendo que a União Europeia (UE) tem que respeitar a decisão do país. A história é conhecida, sobretudo para os gregos que pagaram de forma violenta, com pobreza e fome, a agenda do Syriza (e de um tal Varoufakis), com o apoio entusiasmado de líderes como Costa.

O que dirá agora o indigitado presidente do Conselho Europeu?

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