Governo aguentou 100 dias. Sobrevivência está agora amarrada ao OE2025
Futuro do Executivo liderado por Montenegro joga-se no OE2025. Partidos procuram ganhar margem negocial, enquanto primeiro-ministro endurece o discurso, mas ninguém quer ter o ónus de gerar uma crise.
100 dias já estão garantidos. Cumprir os cerca de 1.500 que faltam para levar a legislatura até ao fim é uma tarefa que não se adivinha fácil para o Executivo minoritário liderado por Luís Montenegro, de acordo com os politólogos consultados pelo ECO. Ninguém ousa arriscar um cenário de longevidade tão longo. Para já, todas as atenções estão centradas em outubro, mês em que o Governo viverá o primeiro teste de fogo ao entregar o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025).
A sobrevivência de Luís Montenegro em São Bento está acorrentada à viabilização do OE, necessitando que o PS vote a favor ou o Chega se abstenha, e, a três meses da apresentação do documento, está “tudo em aberto”, vai-se ouvindo dizer entre alguns parlamentares. No entanto, a convicção entre a generalidade dos politólogos ouvidos pelo ECO é que o Orçamento acabará por passar, porque nenhuma das partes acredita em ganhos com eleições antecipadas.
“O Orçamento do Estado vai ser um momento chave. Se for aprovado, é muito provável que devido a um conjunto de circunstâncias o Governo consiga comprar alguma estabilidade, ganhando algum tempo para governar. Caso não seja aprovado teremos uma nova crise”, considera André Azevedo Alves, politólogo e professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, em declarações ao ECO.
O Orçamento do Estado vai ser um momento chave. Se for aprovado é muito provável, que devido a um conjunto de circunstâncias, o Governo consiga comprar alguma estabilidade, ganhando algum tempo para governar. Caso não seja aprovado teremos uma nova crise.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem repetido os apelos para que o documento seja viabilizado e entre em vigor a 1 de janeiro do próximo ano – “é prioritário”, disse -, de forma a garantir, no seu entendimento, “estabilidade política”. O Chefe de Estado quer evitar o cenário de 2021, quando o Governo de António Costa (PS) viu o Orçamento do Estado para 2022 ‘morrer’ logo na votação na generalidade, com o voto contra do ex-parceiro da “geringonça” Bloco de Esquerda (BE), levando a eleições antecipadas.
O Executivo e os partidos preparam terreno para a negociação que se avizinha e procuram posicionar-se para ganharem vantagem no processo.
No Governo repete-se o mantra de que há disponibilidade para negociar, mas também se deixam avisos à navegação: “Até por força do resultado eleitoral e da composição da Assembleia da República, aceito negociar, quero obter o maior consenso possível”, afirmou, na segunda-feira, o primeiro-ministro, para logo acrescentar: “mas, não aceito contrariar a minha palavra do ponto de vista dos principais compromissos eleitorais e não aceito deturpar os compromissos que assumi”.
Ficou a advertência à oposição, leia-se ao secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, para que não lhe peçam “para fazer o contrário daquilo” em que acredita. “Para isso, prefiro ir embora. Não vou andar com jogos de sombras políticas, nem a simular negociações com partes que já têm previamente a sua posição definida”, disse.
As declarações de Luís Montenegro não são, contudo, somente dirigidas à oposição, pretendem chegar também ao eleitorado. André Azevedo Alves acredita que durante o processo de negociação do Orçamento irá assistir-se a uma “espécie de jogo entre o Governo e os partidos, especialmente o PS e o Chega, em que vão tentar passar responsabilidades mutuamente”.
António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e professor de Ciência Política na Universidade Lusófona, destaca que “o Governo tem mantido, e terá de manter, uma dupla estratégia: uma atitude reformista junto da sociedade e uma negociação política no parlamento”.
“A margem de sobrevivência está sobretudo dependente da ameaça dos partidos políticos da oposição não se concretizar”, assinala. Acredita, contudo, que “o Governo sobreviverá ao Parlamento em relação ao Orçamento do Estado”.
A margem de sobrevivência está sobretudo dependente da ameaça dos partidos políticos da oposição não se concretizar. O Governo sobreviverá ao Parlamento em relação ao Orçamento do Estado.
“Não vale a pena andar a fazer futurologia barata sobre quem irá viabilizar o Orçamento dado o passado recente. A estratégia do Governo é sobreviver e poderá passar pela negociação à esquerda, com o PS, ou, e nada está dito sobre isso, a negociação à direita”, considera.
Para o politólogo, “Portugal vive uma conjuntura política muito fluida”, pelo que é natural que ora o Governo acuse a oposição de aprovar medidas à sua revelia, ora conclui que é necessário negociar.
Com uma posição semelhante, André Azevedo Alves aponta que “fazer previsões que o PS ou o Chega viabilizam o Orçamento não é possível neste momento”. Contudo, para o especialista em Ciência Política, Pedro Nuno Santos está propenso a receber maior pressão para que o ónus de uma crise política não recaia sobre o PS do que o presidente do Chega, André Ventura, receberá nesse sentido.
Uma ideia que o secretário-geral socialista tem procurado contrariar, colocando a tónica no Governo e na sua disponibilidade para negociar. “É muito importante que nós, se calhar, nesta altura deixemos de pressionar sistematicamente o PS sobre o Orçamento porque também já começa a ser um pouco demais. Quem tem que apresentar um Orçamento e garantir condições para a sua viabilização é o Governo, não é o PS”, afirmou na segunda-feira.
O tom no PS tem vindo a alterar-se ligeiramente. Se há três meses afirmava ser “praticamente impossível” aprovar o OE2025, argumentando com a distância programática entre PS e PSD, nas últimas semanas já se começou a ouvir, pela voz de altos dirigentes socialistas, a palavra viabilização conjugada com negociação.
É muito importante que nós, se calhar, nesta altura deixemos de pressionar sistematicamente o PS sobre o Orçamento porque também já começa a ser um pouco demais. Quem tem que apresentar um Orçamento e garantir condições para a sua viabilização é o Governo, não é o PS.
O desafio à disponibilidade do Governo para negociar foi manifestado na segunda-feira pela líder da bancada parlamentar socialista, Alexandra Leitão, em Castelo Branco, avisando que “o PS, como maior partido da oposição, não vai prescindir, se for para o viabilizar, de ter uma palavra significativa a dizer nas políticas que o Orçamento consagra”, disse, citada pela Lusa. Alexandra Leitão deixou, contudo, recados sobre as condições: se a posição do Executivo estiver fechada em matérias como a descida gradual do IRC e o IRS Jovem, a margem para aprovação cai.
No mesmo dia, o primeiro-ministro endureceu o discurso e desafiou a oposição: “Querem ver vertidas algumas – algumas, com certeza – das suas propostas, sim, têm parceria. Se por um acaso tudo isto não passar de um jogo, então tenham [o PS] a coragem de deitar abaixo o Governo”, afirmou, citado pela Lusa.
Querem ver vertidas algumas – algumas, com certeza – das suas propostas [no Orçamento do Estado para 2025], sim, têm parceria. Se por um acaso tudo isto não passar de um jogo, então tenham [o PS] a coragem de deitar abaixo o Governo, porque nós cá estaremos para poder dizer aos portugueses o que é que está em causa.
Montenegro garantiu que as declarações não são nem “uma ameaça”, nem “um desejo“, porque está “consciente do prejuízo” que uma nova crise poderia trazer, mas afirmou que não deixará cair medidas caras ao partido, apontando a redução do IRS como uma das propostas que “podem não ter a aprovação do Parlamento, mas são inegociáveis do ponto de vista da sua consumação”. Ao longo dos últimos 100 dias, o Executivo fez um sprint para apresentar diversas, entre as quais alterações fiscais.
Pedro Nuno Santos ripostou no dia seguinte criticando as declarações do primeiro-ministro: “No dia em que o PS fala em viabilizar, disponibiliza-se para viabilizar, aquilo o que o primeiro-ministro tem para fazer, em vez de ser abraçar a disponibilidade do PS para construir uma solução comum, aquilo que temos do primeiro-ministro são ameaças de eleições”, disse.
“No lado do PS, dado os resultados das eleições europeias, o posicionamento de Luís Montenegro, de alguns nomes dentro do próprio PS e as declarações do próprio Presidente da República, a pressão vai ser muito grande para que Pedro Nuno Santos viabilize o Orçamento. Não é certo que o faça, mas vai existir essa pressão”, antevê André Azevedo Alves.
O politólogo considera que “se apenas dependesse de Pedro Nuno Santos o Orçamento não seria viabilizado, mesmo com essas pressões todas”. “Por outro lado, aprovar o Orçamento tem um custo político para Pedro Nuno Santos. Há de ser menor do que o de provocar uma crise, mas também existe”, assinala, acrescentando que “dado o que tem sido o posicionamento de Luís Montenegro, da parte do Chega é mais provável que André Ventura não ceda”.
O presidente do Chega, André Ventura, disse na segunda-feira querer ver o documento antes de decidir, mas avaliou como “difícil que um documento que é as linhas orientadoras gerais do Governo possa ser feito sem qualquer entendimento de governação”. “Tenho visto o PS com muita vontade de aprovar, com muita vontade de segurar o Governo, ainda bem, é sinal que eles se entendem, e é sinal que podemos finalmente começar a ter PS e PSD juntos e o Chega a liderar a oposição”, disse, citado pela Lusa.
O antigo líder do PSD e comentador Luís Marques Mendes afirmou, no domingo, ter a certeza sobre a viabilização do próximo Orçamento do Estado, porque, apesar de vir a existir “muito ruído”, nem o PS, nem o Governo têm interesse numa crise.
José Adelino Maltez, cientista político e professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa, também defende que “ninguém quer ser responsável por uma crise, porque não se perceciona que levasse a um resultado muito distinto do atual”.
Ninguém quer ser responsável por uma crise, porque não se perceciona que levasse a um resultado muito distinto do atual. O Governo tem um grande aliado que é o PS sentir que não tem condições para ganhar eleições a curto prazo.
“O Governo tem um grande aliado que é o PS sentir que não tem condições para ganhar eleições a curto prazo. Sente que precisa de ganhar tempo”, realça. Para o politólogo, atualmente “o maior risco do Governo é um erro de discurso”, acreditando, paralelamente, que “o que aconteceu com [o ex-primeiro-ministro] António Costa pode acontecer com Montenegro, faltar-lhe o ânimo”.
“A determinada altura ficam fartos porque tentam e não conseguem. Os governos em Portugal caem quase sempre por dentro por apodrecimento”, disse.
Apesar da generalidade dos atores políticos considerarem que não há vantagens em ir para eleições antecipadas, há quem defenda o contrário, como o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva. Segundo o ex-Chefe de Estado, a probabilidade de sucesso do Governo é “muito alta” apenas se houver um governo com “apoio maioritário” no Parlamento, na sequência de “eleições legislativas, antecipadas ou não”.
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