Os incêndios não se combatem com água

Que é feito dos sucessivos planos de prevenção dos incêndios, de valorização da floresta, do ordenamento do território?

O ecrã com fundo branco, o pensamento acelerado, ao ritmo das redes sociais, à procura de explicações, umas rápidas, outras fáceis, de explicações que sirvam para expiar a raiva de quem vê, impotente, uma tragédia desta dimensão e cansado de sucessivos governos que, ano após ano, prometem novos planos de proteção civil, de valorização da floresta, de ordenamento do território, de prevenção de incêndios. Já não chega, já não é suficiente o drama de quem se viu apanhado pelos incêndios? Já morreram 62 pessoas em Pedrógão Grande, o que falta mais?

Portugal é um país com particulares condições naturais para incêndios, mesmo dos naturais, daqueles que não resultam de falha ou dolo humano. É uma floresta que é, ela própria, um combustível. Como diz Henrique Pereira dos Santos em entrevista ao ECO, “é completamente irrelevante saber como é que começa o fogo. O problema central é porque é que ele não para. E não para porque há continuidade de combustíveis. A quantidade de combustíveis que está no terreno é de tal maneira grande que é absolutamente impossível combatê-lo diretamente sem primeiro fazer a redução de combustíveis”. É uma evidência. Por isso o que choca, e indigna, não é o incêndio, são as consequências, as mortes. A incapacidade do país de prevenir. Não é um problema deste governo, é de todos. Mas vale a pena recordar que ainda em março deste ano houve um conselho de ministros dedicado à floresta, com direito a comunicado e a conferência, com uma bateria de medidas anunciadas. Ficam aqui algumas:

  • É aprovada uma Proposta de Lei que revê o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, sendo atualizados e harmonizados os conceitos de “edificação” e “edifício” a aplicar ao edificado em espaços florestais. É também reforçado o pilar da prevenção operacional (vigilância, deteção e alerta).
  • É aprovada uma Proposta de Lei que revê o Regime Jurídico das Ações de Arborização e de Rearborização travando a expansão da área de plantação de eucalipto, permitindo novas plantações apenas como compensação de áreas anteriormente ocupadas por eucalipto e entretanto abandonadas, sendo obrigatório que as áreas de permuta sejam previamente limpas e deixadas em condições de utilização para outra atividade agrícola ou silvícola.
  • É criado o Programa Nacional de Fogo Controlado com o objetivo de regulamentar a realização de queimadas e o uso profissional do fogo na prevenção e combate aos incêndios.

Mas não só. Também uma bateria de medidas para dar um valor económico às florestas, como esta:

  • É criado um regime jurídico de reconhecimento das Entidades de Gestão Florestal, que deverão integrar uma área mínima de 100 hectares, da qual pelo menos 50% deverá ser constituída por propriedades com área inferior a 5 hectares. Estas entidades beneficiarão de acesso preferencial a propriedades integradas no Banco de Terras e terão igualmente acesso a regime específico de benefícios fiscais.

Estas medidas estão no terreno? Não estão? As respostas vão ter de ser dadas. Para que as responsabilidades políticas sejam assumidas por quem de direito. Mas pedir agora demissões de governantes não é apenas demasiado cedo, é puro oportunismo, para aparecerem depois na fotografia a acenar com o dedo e a dizerem ‘eu fui o primeiro, eu fui o primeiro’.

O valor económico das florestas não se constrói de um dia para o outro. E enquanto isso não for uma realidade, enquanto o minifúndio dominar, seja daquele que é dono, mas não quer saber porque não retira do seu terreno qualquer tipo de rendimento, seja do que é dono, mas não tem meios para garantir a sua proteção ou um investimento mínimo, os incêndios vão continuar. Perguntem-se porque é que a Portucel, por exemplo, não tem problemas de incêndios. E não há ordenamento possível, e eficaz, sem este problema resolvido.

Sobra a proteção civil, a gestão de uma inevitabilidade que são os incêndios. É fácil encontrar culpados, não vou por aí, mas é preciso fazer perguntas, daquelas que incomodam: como é que no tempo do Street View, das tecnologias, da informação recolhida, acumulada e tratada, há portugueses a morrerem em estradas que são apanhadas pelos incêndios!? Por mais que me expliquem, não consigo compreender. Como é que não se antecipam os ventos, e as suas mudanças, como é, que no século XXI, ainda aceitamos explicações na base dos fatalismos?

Sabemos outra coisa, com dor e morte, os incêndios em Portugal não se combatem com água.

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