Apesar do ataque contra Trump, restringir o acesso a armas nos EUA continua fora de questão

  • Joana Abrantes Gomes
  • 16 Julho 2024

Republicanos não atribuem o ataque contra o seu líder à lei em vigor desde 1791, enquanto os democratas, habituais defensores da restrição ao acesso a armas, temem agravar tensões se tocarem no tema.

Seria de esperar que um incidente como a “tentativa de assassínio” com uma arma de fogo, especialmente de um ex-presidente e candidato presidencial, levasse, pelo menos, a um apelo a um maior controlo do acesso a armamento pela população. Não nos EUA, onde o direito à posse de armas está até inscrito na Constituição.

“Pareceria lógico” que um ataque como o ocorrido no passado sábado, em que Donald Trump foi atingido a tiro numa orelha enquanto discursava num comício político em Butler, no Estado norte-americano da Pensilvânia, conduzisse a uma alteração à política de armas no país, mas a questão é uma “marca identitária”, sobretudo para o Partido Republicano, constata Bruno Cardoso Reis, doutorado em Segurança Internacional pelo King’s College de Londres, ao ECO.

Os membros do GOP (em português, Grande Velho Partido, como é comummente designado o Partido Republicano nos EUA) não atribuem o ataque contra o seu líder à lei que permite o porte civil de armas. Por sua vez, têm-se focado em imputar responsabilidades à Administração norte-americana por falhas nos serviços de segurança ou em acusar o atual Presidente e os democratas de que foi o seu discurso, em que dizem que o antecessor de Biden é “um fascista autoritário que tem de ser travado a todo o custo”, que “levou diretamente à tentativa de assassinato de Trump”, como afirmou o recém-nomeado candidato a vice-presidente republicano, o senador do Ohio J.D. Vance.

Para Alberto Cunha, doutorando em Estudos Europeus no King’s College, “nenhuma referência a uma reforma da lei sobre o porte de armas foi ou deverá ser feita” pelos republicanos, dado que “o partido está unido na oposição a qualquer maior restrição” na venda ou posse das mesmas. É uma posição que, acrescenta Bruno Cardoso Reis, “nenhum massacre ou ataque parece ser capaz de alterar”.

Durante a convenção do Partido Republicano, que decorre até quinta-feira em Milwaukee (Wisconsin), a Reuters entrevistou 12 delegados apoiantes de Donald Trump, dos quais nenhum defendeu a imposição de limites ou proibições de armas como a espingarda semiautomática AR-15, usada pelo atirador no ataque de sábado e bastante comum nos EUA (estima-se que existam 44 milhões deste tipo no país), o aumento da idade legal para adquirir uma arma ou mesmo uma verificação mais rigorosa dos antecedentes de quem quer comprar armas.

Donald Trump, candidato republicano às presidenciais de novembro, na convenção do partido que arrancou na segunda-feira em Milwaukee.EPA/JUSTIN LANE

A oposição do GOP à restrição do acesso a armas deve-se, por um lado, ao processo histórico de construção dos Estados Unidos, desde a luta pela independência à Guerra Civil, e, por outro, ao facto de a National Rifle Association (NRA) – a principal organização norte-americana de lobby pró-armas de fogo, que, segundo a própria, tem mais de seis milhões de membros – ser uma das maiores financiadoras do partido.

Trata-se de um “caldo cultural que faz com que, até hoje, muitos norte-americanos se achem pura e simplesmente no direito inalienável que nenhuma lei ou Estado pode violar, que é ter na sua posse armas para se poderem defender das várias ameaças”, resume Luís Tomé, professor catedrático e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).

O “direito de posse e porte de armas” é conhecido como “Second Amendment” (Segunda Emenda) da carta de direitos da Constituição dos EUA, onde está inscrito desde 1791 e é interpretado como um direito constitucional e individual. A alteração mais recente à legislação federal ocorreu em 2022, quando o Congresso norte-americano aprovou um projeto-lei que ampliou as condições para a compra de armas por menores de 21 anos e previa milhões de dólares em financiamento destinado à promoção da saúde mental e incentivos para os Estados incluírem registos juvenis no Sistema Nacional de Verificação de Antecedentes Criminais.

Do lado dos democratas também ninguém invocou o assunto após o incidente – embora, por norma, defendam uma reforma da lei para restringir o porte de armas, especialmente quando há tiroteios em escolas. Nas declarações que fez ao país nas 24 horas seguintes, o Presidente Biden limitou-se a apelar à união e a condenar o ataque contra o seu adversário. “Na América, resolvemos as nossas diferenças nas urnas, não com balas. O poder de mudar a América deve estar sempre nas mãos do povo – e não nas mãos de um aspirante a assassino”, afirmou.

“Podia ter dito qualquer coisa subliminarmente, mas nem sequer quis tocar nisso”, observa o investigador Luís Tomé. Porquê? “Iria agravar tensões e dividir ainda mais e, neste momento, não é favorável para os democratas porem essa matéria em cima da mesa, tendo em conta que a vítima foi um republicano que defende e continua a defender a posse de armas“, argumenta, ressalvando, no entanto, que “daqui a algum tempo, se quiserem mostrar diferenças”, poderão voltar a falar no assunto.

Não obstante, sem maioria na Câmara dos Representantes e sem o apoio republicano, os democratas não conseguirão promover qualquer alteração à lei de posse de armas no país que, segundo a organização não-governamental suíça Small Arms Survey, tem o maior arsenal de armas nas mãos da população, num total de 393 milhões em 2023.

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