“Estado tem de ajudar as empresas rodoviárias a fazer a reconversão de frotas”

Porta-voz das empresas de transporte rodoviário de passageiros adverte que só com mais apoio público será possível financiar a renovação da frota, que tem apenas 2% de autocarros elétricos.

A reconversão da frota rodoviária vai exigir montantes de investimento “muito elevados” e o apoio do Estado, argumenta Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP – Associação Nacional de Transportes de Passageiros e administrador do Grupo Barraqueiro, que lembra que apenas 2% da frota de autocarros de passageiros é elétrica.

Para o líder da associação que representa empresas de transportes coletivos rodoviário de passageiros, um setor que enfrenta problemas que ameaçam a sobrevivência de muitas empresas do setor, devido a contratos que não são rentáveis e às tarifas sociais, “não é certamente com linhas de financiamento marginais que se vão atingir as metas de transição energética”.

Como é que o setor de transporte rodoviário de passageiros está a encarar o problema da sustentabilidade?

Estamos a preparar-nos de forma muito precária e muito difícil. Para podermos contribuir para uma renovação, ou melhor, reconversão de frota, temos de ter a tal margem de lucro que nos permita ter meios para investir em novas frotas. A margem de lucro serve exatamente para permitir ao dono da empresa ter dinheiro disponível para poder investir.

Perdeu-se uma oportunidade histórica de não alocar verbas no PRR para esta questão. Foram alocadas verbas completamente marginais. Outros países da Europa aproveitaram melhor. Foi uma pena.

Luís Cabaço Martins

Presidente da ANTROP

A questão da sustentabilidade ambiental passa muito pelo processo de descarbonização, que é exigente. É um colosso. É um problema enorme. Perdeu-se uma oportunidade histórica no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para esta questão. Foram alocadas verbas completamente marginais. Outros países da Europa aproveitaram melhor. Foi uma pena. A ANTROP já se disponibilizou, até junto deste Governo, para colaborar na elaboração de um plano de médio prazo de reconversão de frotas em que haja obrigações de parte a parte. E em que o Estado nos ajude a fazer essa reconversão.

Em que fase está atualmente essa reconversão da frota?

Neste momento, o que temos é uma percentagem muito reduzida – o que os números de 2023 nos dizem é que apenas 2% dos autocarros em Portugal são elétricos. A evolução é muito lenta. Os operadores aproveitam algumas linhas pontuais de ajuda à reconversão, mas que são muito limitadas. Tem permitido a aquisição de alguns autocarros elétricos, mas, em termos nacionais, a percentagem continua muito baixa.

Tem de haver um plano de descarbonização e que passa por dois segmentos. Primeiro, pela clara aposta no reforço da utilização de transporte público. Não vamos conseguir a descarbonização só com a mudança das viaturas. Vamos ter que criar uma dinâmica muito significativa para haver uma transição do transporte individual para o transporte público.

Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, em entrevista ao ECO - 26JUN24
Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Num segundo segmento, tem de aumentar a capacidade de ajuda do Estado para a aquisição de viaturas alternativas. Temos de trabalhar num programa a médio prazo que ultrapasse a vida dos Governos, mas que haja uma política clara. Tem de se perceber o caminho relativamente ao tipo de tecnologia que se vai usar. Essa tecnologia – seja elétrica, hidrogénio ou mista – tem de ter uma resposta ao nível das infraestruturas, de abastecimento. Tem de haver uma posição clara se se quer investir em autocarros limpos ou investir em meios de transporte – que são muito mais caros – como metros de superfície. Não faz sentido haver uma aposta muito significativa no reforço dos metros ligeiros de superfície nas cidades e, ao mesmo tempo, querer-se que os autocarros sejam todos descarbonizados. É impossível. Não há dinheiro para tudo. Tem de haver uma opção.

O autocarro é o meio de transporte mais capilar. Não serve para transportar grandes massas da população – para isso existe o comboio – mas é bastante flexível e permitir responder às necessidades da procura ao nível urbano, suburbano e até interurbano. É bastante mais barato do ponto de vista estrutural. Neste momento não há condições, se não houver esse apoio forte, para haver uma alteração dessa percentagem atual.

Vai ser preciso dinheiro público para esta transição?

Naturalmente. Estamos a falar de uma aposta estratégica do Governo, de compromissos assumidos pelo Estado português relativamente às metas ambientais. Temos todos de contribuir.

Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, em entrevista ao ECO - 26JUN24
Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Vai ser possível cumprir todas as metas europeias, nos prazos definidos?

Parece-me bastante difícil. Os especialistas já dizem isso. As primeiras datas já são muito difíceis de cumprir. Depende muito do tipo de investimentos que querem fazer. Ao nível das infraestruturas da mobilidade, este é um ponto central no que vai ser a definição do que se vai fazer e a velocidade a que se vai fazer essa reconversão. Neste momento temos 83% da energia fóssil, que tinha de passar para 35% em 2040 e em 2050 para 22%. Isso implica um esforço para que as energias limpas, que hoje são 12%, em 2040 fossem 55% e em 2050 fossem 67%.

Isto implica esforços muito significativos, com investimentos muito grandes. Não é certamente com linhas de financiamento marginais que vamos atingir as metas de transição energética.

 

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