A ‘regra Sahm’ e a ameaça de recessão nas terras do Tio Sam
Os dados do emprego nos EUA obedecem à regra da economista Claudia Sahm e apontam a uma recessão. Mas intervir para evitá-la e ceder ao choradinho dos investidores seria um erro da parte da Fed.
“Indicadores recentes sugerem que a atividade económica continuou a expandir-se a um ritmo sólido. Os ganhos de emprego foram moderados e a taxa de desemprego subiu, mas permanece baixa.” As palavras, proferidas pela Reserva Federal dos Estados Unidos depois da reunião de política monetária da passada quarta-feira (primeiro em comunicado e depois na voz do chairman Jerome Powell), pareciam tranquilizantes. Não se preocupem, não vamos já baixar as taxas de juro pois está tudo ok, indicava o banco central. A inflação tem baixado, mas ainda está algo alta, portanto, esperem até setembro para ver se mexemos, parecia explicar.
Menos de 48 horas depois, o efeito calmante foi substituído por um ataque de nervos, provocado por um conjunto de dados do emprego que foram intragáveis para os investidores. Em julho, a economia americana acrescentou apenas 114 mil empregos nos setores não-agrícolas, muito abaixo das expectativas de 175 mil, na segunda pior subida desde 2000. O aumento dos salários foi de somente 0,2% e o número de horas semanais trabalhadas caiu para 34,2, ou mínimos de 2020.
Na longa lista de marcos preocupantes, o número que atraiu mais atenção foi o da taxa de desemprego, que subiu para 4,3% de 4,1% no mês anterior. Os analistas apressaram-se a usar o dado para gritar “recessão!”, apontando para a regra de Sahm. Essa regra, publicada pela economista Claudia Sahm em 2019, explica que quando a média móvel de três meses da taxa de desemprego nacional está 0,5 pontos percentuais ou mais acima do seu mínimo nos 12 meses anteriores, a economia está nos primeiros meses de recessão. Foi o caso da taxa de julho.
A regra é bastante recente, mas tem sido muito bem recebida pelos economistas e analistas, pois é simples e fiável. Numa análise de dados a partir de 1950, a regra acerta em todas as recessões e deu apenas dois falsos positivos (e um desses foi apenas uma questão de timing).
Estará, então, a maior economia do mundo já em recessão? Claudia Sahm diz que não, mas alerta que poderá estar a caminhar nessa direção. A interpretação dos investidores foi semelhante, com as quedas fortes dos índices acionistas em Wall Street esta segunda-feira a serem explicadas em grande parte pelos receios dos investidores sobre uma contração económica, que se ainda não chegou está a caminho.
Outra pergunta que urge fazer é sobre a postura da Fed – como é que deixou aparecer, de forma quase furtiva, a possibilidade de uma recessão numa altura em que defende que a economia está forte (cresceu 2,8% no segundo trimestre)? O banco central tem estado focado na teimosia da inflação, que está a baixar mas de forma menos rápida que esperado, levando a adiamentos no corte das taxas de juro. Powell tem recentemente falado mais sobre o mercado de trabalho, e após meses a sinalizar um ‘soft landing‘ para a economia, a Fed estava em processo de virar a atenção da inflação para o crescimento e pode ter sido apanhada de surpresa momentaneamente.
Claudia Sahm sublinha que a Reserva Federal está na situação pouco usual de ter em mãos uma solução pronta para evitar uma recessão e acalmar os mercados financeiros – baixando os juros que estão no intervalo de 5,25% a 5,50%. Antes da abertura de Wall Street alguns analistas falavam da possibilidade de um corte intercalar (ou seja anunciado entre duas reuniões da Fed) de 50 pontos base.
Deverá, no entanto, a Fed tomar essa decisão? Não. E por diversas razões.
Primeiro, porque não é certo que a economia esteja em recessão e até há dados que contrariam essa noção. Esta segunda-feira, os resultados do S&P Global US Services PMI de julho revelaram um aumento da atividade no setor de serviços, mantendo a tendência positiva dos últimos meses.
Segundo, porque não é claro que as quedas nas bolsas tenham sido principalmente provocadas pelo espetro da recessão. Vários outros fatores também estiveram em jogo: as descidas das ações das gigantes tecnológicas na sexta-feira, sinais de que as avaliações já estão ‘esticadas’ e os índices perto de máximos, e a inversão da política monetária no Japão, que ajudou o principal índice de bolsa de Tóquio a tombar 12,4% na segunda-feira.
Finalmente, e mais importante, porque há o risco moral (o ‘moral hazard‘ em inglês). Cortar as taxas de juro de forma repentina, agressiva e fora de horas pode até ajudar a evitar o risco de uma recessão e de uma hecatombe nas bolsas. Mas daria sinais errados, nomeadamente que o banco central não está em controlo da situação económica. Pior ainda, que está à mercê de Wall Street e que corre a acudir o investidores cada vez que fazem um choradinho mesmo após um período de ganhos históricos.
Será mesmo necessário um desvio significativo do plano de política monetária para proteger índices acionistas como o Nasdaq e o S&P 500, que até após as quedas de segunda-feira registam ganhos de mais de 8% este ano?
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A ‘regra Sahm’ e a ameaça de recessão nas terras do Tio Sam
{{ noCommentsLabel }}