Prejuízos nos cuidados continuados ultrapassam 300 euros/mês por utente
Estudo da Faculdade de Economia do Porto conclui que o subfinanciamento do Estado se mantém, apesar das atualizações dos valores.
Os prejuízos das unidades de cuidados continuados ultrapassaram os 300 euros/mês por utente no ano passado, conclui um estudo da Faculdade de Economia do Porto, que diz que o subfinanciamento se mantém, apesar das atualizações dos valores.
Segundo o estudo, feito a pedido da Associação Nacional dos Cuidados Continuados (ANCC) e a que a Lusa teve acesso, o valor pago pelo Estado ainda é insuficiente devido ao aumento do salário mínimo nacional e à necessidade, em muitas unidades, de mais profissionais do que a legislação recomenda.
Os especialistas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, além dos custos de 2023, equacionaram três cenários: um que considera apenas o aumento de 4,4% no salário médio esperado para este ano; outro que, além disso, aplica a taxa de inflação prevista para este ano (2,5%) nas rubricas de “Custos Diretos e Indiretos” e outro que, aplicando a mesma taxa de inflação, considera o aumento de 7,89% nos custos com pessoal, decorrente do aumento do salário mínimo nacional.
Nas análises aos custos do ano passado, os especialistas concluíram que em todos os tipos de unidades (convalescença, média duração e longa duração) há prejuízo, sendo que o maior é nas Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM), onde a diferença entre os custos e o financiamento do Estado chega aos 10,79 euros/dia/utente.
“Considerando que, nesta resposta, as entidades analisadas disponibilizam em média 31 camas, isto traduz-se num subfinanciamento estatal de aproximadamente 122 mil euros por instituição ao longo do ano de 2023″, conclui o documento.
Apesar da atualização dos valores pagos pelo Estado para as Unidades de Média Duração e Reabilitação (UMDR) e as ULDM, que visou mitigar as dificuldades financeiras das entidades parceiras da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) – “exacerbadas pela pandemia de Covid-19 e pelo aumento da inflação decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia” -, estes valores “continuam a ser claramente insuficientes”, refere o estudo.
“A senhora ministra da Saúde já disse publicamente que reconhece que há um subfinanciamento grave nos cuidados continuados e aquilo que nós esperamos é que, agora, passem das palavras aos atos”, disse à Lusa o presidente da ANCC, José Bourdain. O responsável sublinha que o “enorme subfinanciamento” acontece tanto nas respostas sociais como nos cuidados continuados.
Ao considerar os três cenários, os especialistas referem que o valor fixado pelo Estado para 2024 nas três tipologias de resposta “continua significativamente inferior ao custo por utente/dia suportado pelas instituições”, sublinhando que a diferença é “particularmente relevante” na ULDM (-6,99 euros no Cenário 1, -7,59 euros no Cenário 2 e -9,48 euros no cenário 3) e na UMDR (-5,08 euros no Cenário 1, -5,74 euros no Cenário 2 e -8,14 euros no Cenário 3).
Dizem ainda que este subfinanciamento pode comprometer a qualidade dos cuidados prestados por algumas instituições e até mesmo a sua própria sobrevivência, considerando “particularmente relevante” rever a participação estatal no financiamento da RNCCI.
Apontam ainda como consequência as “deficiências orçamentais, degradação das infraestruturas e falta de equipamentos”, além da desmotivação dos profissionais.
“Os utentes sofrem com a menor qualidade dos cuidados e redução dos serviços”, acrescentam os especialistas, insistindo na necessidade de “acautelar que as instituições gerem alguma margem de lucro” que permite melhorar as instalações e os cuidados prestados, garantindo a sustentabilidade do sistema”.
Segundo disse à Lusa José Bourdain, já houve unidades que escreveram ao Governo a dizer que iam baixar os padrões de prestação de serviços aos utentes, nomeadamente cortando nos recursos humanos.
O estudo foi elaborado com informações contabilísticas de 27 instituições, sendo 24 delas associadas à ANCC. Estas instituições têm um total de 1.169 camas distribuídas pelas três tipologias de resposta – Unidades de Convalescença (internamentos até 30 dias), UMDR (entre 30 e 90 dias) e ULDM (mais de 90 dias).
Considerando que, nesta resposta, as entidades analisadas disponibilizam em média 31 camas, isto traduz-se num subfinanciamento estatal de aproximadamente 122 mil euros por instituição ao longo do ano de 2023.
Setor quer revisão da lei que define pessoal necessário
Neste contexto, a ANCC defende a revisão da lei que define o pessoal necessário para o funcionamento destas instituições, pois prevê menos pessoas do que as unidades precisam para prestar o serviço.
“Há dois tipos de situação, uma é, face ao quadro legal em vigor, na prática, aqueles profissionais que lá estão não são suficientes, nomeadamente ao nível de enfermagem e auxiliares de ação médica. Há ainda o quadro de recursos humanos absolutamente necessário para o funcionamento da unidade e que não está na legislação, nomeadamente pessoal administrativo, da receção e da limpeza”, explicou à Lusa José Bourdain.
O responsável sublinhou que “nenhuma unidade destas funciona sem que haja pessoal para fazer a limpeza, sobretudo numa unidade de saúde, onde a limpeza é extremamente importante”.
No estudo feito a pedido da ANCC, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto conclui que, em termos de recursos humanos, os dados “evidenciam que o número e as categorias profissionais recomendados pela Portaria 174/2014, de 10 de setembro, para garantir adequadas condições de funcionamento nas diferentes respostas, são manifestamente insuficientes, nomeadamente ao nível de pessoal auxiliar e enfermeiros”.
Adicionalmente, “não contempla algumas categorias profissionais essenciais ao funcionamento das instituições, como técnicos de manutenção, pessoal de cozinha, pessoal de limpeza, técnicos administrativos ou técnicos de recursos humanos”, refere o documento.
“Estamos a falar também de pessoal de cozinha, de pessoal que trabalha nas lavandarias e também de um farmacêutico, que é uma exigência do Infarmed, mas não é uma exigência da Rede de Cuidados Continuados”, explicou José Bourdain.
O trabalho da Faculdade de Economia do Porto conclui ainda que, nos últimos três anos, os custos com pessoal nestas instituições subiram entre 9% a 13% – consoante o tipo de unidades (convalescença, média duração e reabilitação ou longa duração e manutenção).
José Bourdain exigiu igualmente que a diária seja paga em função de um quadro de recursos humanos que tenha um salário idêntico ao praticado na Função Pública. “Dou o exemplo da profissão da ministra da saúde: um farmacêutico na administração pública ganha 1.780 euros e no setor social ganha 1.160”.
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