Empresas antecipam encomendas para salvar o Natal

As perturbações nos transportes de mercadorias, nomeadamente os constrangimentos no Mar Vermelho, forçaram as empresas a adiantar encomendas para salvaguardar eventuais atrasos no Natal.

As empresas “preferem ter os produtos de Natal já no armazém”. A garantia foi deixada por Vincent Clerc, CEO da Maersk, na apresentação de resultados da gigante dinamarquesa da logística este mês, que alertou para as perturbações que se mantêm no transporte de mercadorias, nomeadamente no transporte marítimo, uma realidade transversal a todas as geografias.

Com tempos de viagem muito maiores e custos mais elevados, as empresas portuguesas tiveram também que se ajustar à nova realidade. Adiantar encomendas é hoje uma prática normal, sobretudo para salvar o Natal.

Independentemente do ramo de atividade ou do facto de ser fábrica, armazenista ou retalhista, todas as empresas estão obrigadas a aumentar os seus stocks devido à incerteza instalada quanto ao tempo necessário para o suprimento e/ ou reabastecimento”, reconhece Mário de Sousa, CEO da Portocargo, um dos principais transitários do país.

Depois dos problemas verificados durante a pandemia, devido às falhas nas cadeias de fornecimento, que “provocou um enorme abalo no ‘modus operandi’ de todos”, e da guerra na Europa, “com a crise no Médio Oriente, após os ataques dos Hammas a Israel e posterior reação deste último, agravado pelos sucessivos ataques dos Houthis, com o apoio do Irão, a generalidade dos navios tiveram de alterar a sua rota via Suez para a rota do Cabo da Boa Esperança“, explica o CEO da Portocargo.

O significativo aumento no número de dias que um navio demora a efetuar a rotação nos percursos entre Ásia – Europa e Asia Leste dos EUA, causou enormes congestionamentos, falta de equipamento (contentores) e diminuição na regularidade de escalas nos respetivos Portos. Toda esta incerteza e aumento de prazos implica um necessário aumento de stock, justificando essa antecipação de encomendas

Mário de Sousa

CEO da Portocargo

Estas mudanças, “além do significativo aumento nos custos dos transportes marítimos e significativo aumento no tempo de trânsito, causam enormes constrangimentos no fluxo das mercadorias.” “O significativo aumento no número de dias que um navio demora a efetuar a rotação nos percursos entre Ásia – Europa e Asia Leste dos EUA, causou enormes congestionamentos, falta de equipamento (contentores) e diminuição na regularidade de escalas nos respetivos Portos. Toda esta incerteza e aumento de prazos implica um necessário aumento de stock, justificando essa antecipação de encomendas“, admite.

“Se até ao final de 2019 era possível programar com grande rigor o tempo necessário desde o ato da encomenda até à colocação das mercadorias nos pontos de venda e de consumo, a partir do momento em que a disrupção aconteceu, com a chegada da pandemia e até ao momento, é de todo impossível determinar com algum rigor quando as matérias-primas, componentes ou produtos acabados se encontram disponíveis nos locais onde são necessários”, conclui Mário de Sousa.

Na prática, esta alteração de rota — do Mar Vermelho para o Cabo da Boa Esperança — significa aumentar em 7.000 quilómetros a travessia, o que custa tempo e dinheiro, nomeadamente face aos maiores custos com combustível. Uma situação que está a forçar as empresas a procurar alternativas para minimizar o impacto no negócio e evitar falhas nas encomendas, nomeadamente no Natal.

Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal

Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, realça que os constrangimentos ao nível dos transportes, nomeadamente nas rotas para a Ásia, devido aos problemas no Mar Vermelho, que forçaram a alterar rotas, com mais custos e tempos de viagem mais longos, já “entraram na equação” das empresas, que têm estes problemas em conta na gestão de stocks.

O responsável do setor têxtil e de vestuário admite que “para quem produz em Portugal essa situação traz algumas vantagens”.

A indústria têxtil, que perdeu 5,6% das exportações em 2023, mas ganhou quota na Europa, é um dos setores que tem sido fortemente afetado pela crise do Mar Vermelho. Por um lado, as empresas enfrentam custos e prazos mais elevados para exportar os seus produtos. Por outro lado, neste setor que exporta quase 100% da produção, são penalizadas nas importações de matéria-prima para as suas produções.

Esta situação levou várias empresas do setor a avaliar alternativas para evitar problemas criados pelos constrangimentos nos transportes. As têxteis Riopele e a Mundotêxtil estão, desde há alguns meses, a alterar o sistema logístico e a reforçar stocks, para minimizar o impacto da crise do Mar Vermelho nos custos e nos prazos das entregas.

A Mundotêxtil, principal produtora de felpos em Portugal, tem vindo a ajustar os seus processos para “provisionar com uma maior antecedência, o que implica um aumento na disponibilidade financeira para manter os níveis de stock adequados”.

Mário de Sousa reconhece que “muito mais dinheiro [as empresas] precisam para o significativo aumento do volume de stocks que necessitam para não entrarem em rotura“, conclui. “Como o custo do dinheiro tem sido mais elevado que anteriormente, é natural que os fatores indicados contribuam para o aumento de inflação e, porque não dizê-lo, alguma especulação”, alerta.

Esta situação tem levado ainda a um aumento de custos para as empresas, que enfrentam o dilema de subir preços ou absorver esses aumentos de preço para proteger margens.

O mais recente inquérito de conjuntura de julho, baseado nas respostas de cinco mil empresas, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revela que todos os setores de atividade em Portugal estão a preparar-se para subir novamente os preços de venda ao consumidor nos próximos meses. Segundo estes indicadores, o saldo das expectativas dos empresários sobre a evolução futura dos preços de venda nos próximos três meses “aumentou significativamente na indústria transformadora, na construção e obras públicas e no comércio e, de forma moderada, nos serviços”.

“Os custos suportados pelas empresas têm aumentando constantemente, devido aos elevados custos de financiamento, aumentos dos salários bem acima da média dos últimos anos e subida do preço das commodities, destacando-se o preço dos fretes marítimos, que aumentou assinalavelmente em função das tensões geopolíticas no Médio Oriente”, sintetizou o presidente do conselho de administração da AEP, Luís Miguel Ribeiro, ao ECO.

“Nos últimos dias, a escalada do conflito no Médio Oriente poderá agravar o aumento dos custos de transportes e logística, por via das alterações das rotas e encarecer as matérias-primas e produtos, tal como aconteceu antes”, referiu Luís Miguel Ribeiro, mostrando-se convicto que, “perante a instabilidade global, que deve permanecer nos próximos meses (correndo mesmo o risco de se agravar), é muito provável que venha a ocorrer uma transmissão dos expectáveis aumentos de preços no produtor para o consumidor final“.

Mesmo com custos mais elevados, as empresas estão a tomar todas as medidas para garantir que não há atrasos nas entregas e as prateleiras estarão cheias com os produtos que os consumidores procuram naquela que é a altura mais festiva — e rentável — do ano.

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