Portugal faz parte do boicote à presidência húngara do Conselho da UE, mas embaixadora garante que não fere relação entre os dois países. Ao ECO, Emilia Fabian apela ao diálogo entre os 27.
No ano em que a Hungria e Portugal assinalam 50 anos de relações diplomáticas, o país juntou-se a um conjunto de Estados-membros no boicote à presidência húngara do Conselho da União Europeia, órgão europeu que funciona na mesma ótica do Conselho de Ministros a nível nacional. Não tem membros fixos mas organiza, mensalmente, reuniões com os ministros em função da área política agendada.
No entanto, o mandato rotativo, que termina em dezembro, tem enfrentado obstáculos e até reprimendas vindas o executivo comunitário depois de Viktor Orbán se ter encontrado com os presidentes da Rússia e da Ucrânia sem um mandato europeu.
“A essência da cooperação europeia é falarmos uns com os outros a nível político, mesmo que haja questões sobre as quais não estamos de acordo”, explica ao ECO Emilia Fábian que é, desde 2023, embaixadora da Hungria em Portugal. “O diálogo é o caminho certo para a resolução de conflitos e para nos entendermos uns aos outros“, sublinhou.
Para a diplomata, não é certo que o boicote prossiga nos próximos seis meses, mesmo depois de esta quinta-feira os ministros dos Negócios Estrangeiros se terem reunido em Bruxelas, para um Conselho informal, à revelia da Hungria. No entanto, a expectativa é de que haja cooperação entre os Estados-membros e, acima de tudo, vontade de executar a agenda da Hungria durante a presidência do Conselho da UE.
“Esperamos que os Estados-membros mudem [de posição], mas não podemos garantir que isso vá acontecer“, diz a embaixadora.
No dia 1 de julho, a Hungria assumiu a presidência do Conselho da União Europeia, dando continuidade aos mandatos da presidência espanhola e belga. No entanto, ao contrário das restantes presidências, o mandato húngaro tem enfrentado alguma resistência por parte dos Estados-membros, tendo os primeiros conselhos informais e outros encontros em Budapeste sido alvos de boicote. O governo português confirmou ao ECO que se trata de uma decisão de grupo, assumida juntamente com outros Estados-membros. De que forma encara esta posição adotada pela maioria dos 27?
Estamos apenas no início deste novo ciclo institucional que dura até às próximas eleições europeias, daqui a cinco anos. A tarefa da presidência [húngara] é de iniciar uma discussão política estratégica em todos os domínios em que acreditamos serem relevantes para este novo ciclo institucional e convidamos os Estados-membros e as instituições da União Europeia (UE) a participar nestes eventos presidenciais informais.
Mesmo com uma participação de nível inferior, estas reuniões informais podem ser eficazes, e a nossa experiência diz-nos que as reuniões informais do Conselho organizadas e realizadas durante a nossa presidência corresponderam efetivamente a estas expectativas. Os Estados-membros são soberanos, o que significa que determinam o nível de representação política com base no seu próprio critério, e não é possível negar-lhes isso.
Mas reconhece que é algo sem precedentes, considerando as presidências anteriores?
Achamos que é lamentável, porque a essência da cooperação europeia é falarmos uns com os outros a nível político, mesmo que haja questões sobre as quais não estamos de acordo. A UE é uma organização internacional constituída pelos Estados-membros e a Comissão Europeia é uma instituição da UE. Por isso, não pode escolher com quais instituições e Estados-membros cooperar.
Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, deu uma fraca resposta relativamente à próxima reunião informal dos Ministros da Defesa [28 e 29 de agosto], que terá lugar em Bruxelas, e não no centro de Budapeste. Treze Estados-membros, incluindo os grandes países, eram a favor da realização das reuniões em Budapeste. Cinco países manifestaram-se contra Budapeste e oito disseram que, para eles, era tudo a mesma coisa. O Alto Representante ignorou a opinião da maioria e decidiu não realizar a reunião informal em Budapeste.
Então considera que a resistência vem, também, da própria Comissão Europeia?
Resistência ou não, não há justificação para isto. Achamos que é importante conversarmos [entre os 27 Estados-membros] e tomar decisões em conjunto.
Este boicote afeta de alguma forma a relação que a Hungria tem com Portugal?
Não, temos relações excelentes com Portugal, em todos os níveis. A presidência do Conselho da UE ocorre numa altura em que assinalamos 50 anos de relações diplomáticas com Portugal. Sempre tivemos boas relações, independentemente do que acontece ao nível político.
No dia 2 de setembro haverá uma nova reunião informal em Budapeste. Antecipa que volte a haver um boicote por parte dos Estados-membros?
Não conseguimos prever o futuro. O que quer que aconteça é importante que fique claro que estamos a abertos a dialogar.
Não a preocupa que este boicote possa decorrer ao longo de toda a presidência húngara?
Esperamos que os Estados-membros mudem [de posição], mas não podemos garantir que isso vá acontecer. Mantemo-nos otimistas e com uma mente aberta.
Os principais argumentos utilizados para justificar este boicote são o facto de a Hungria ter liderado “missões de paz” ao reunir-se com Zelensky e Putin sem o conhecimento de outros Estados-membros. O primeiro-ministro Viktor Orbán disse que não se pode liderar as conversações de paz a partir de Bruxelas. Concorda com esta afirmação? Acha que a UE tem feito o suficiente para encontrar uma solução para este conflito?
Estas visitas não decorreram no âmbito da presidência. O primeiro-ministro tem reiterado que fez estas visitas bilateralmente, sem um mandato da UE.
Não considera o timing suspeito? Estas reuniões ocorreram pouco tempo depois de a Hungria ter assumido a presidência do Conselho da UE.
Sempre dissemos – e diremos sempre – que o diálogo é o caminho certo para a resolução de conflitos e para nos entendermos uns aos outros. Portanto, não vejo as coisas dessa forma. Os encontros não decorreram no âmbito da presidência mas achamos que é importante que as conversas continuem entre os Estados-membros dado o papel que podemos desempenhar na resolução deste conflito.
Hoje, nenhum outro líder está interessado em ter conversações com os chineses, russos, ucranianos e turcos e acho que quantos mais países abrirem os seus canais diplomáticos, mais podemos fazer em nome do diálogo e da resolução desta guerra. E o que aconteceu desde de que a Hungria lançou esta “missão de paz”? Os ministros da defesa da Rússia e dos Estados Unidos já se reuniram, tal como os ministros dos Negócios Estrangeiros da Suíça e da Rússia, e os ministros dos Estados Unidos e da China.
A primeira-ministra italiana esteve na China a estreitar laços, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia também, já para não falar do telefonema entre Zelensky e Donald Trump. Isto são desenvolvimentos positivos. A guerra na Ucrânia não será resolvida no campo de batalha.
Resistência ou não, não há justificação para [o boicote]. Achamos que é importante conversarmos [entre os 27 Estados-membros] e tomar decisões em conjunto. Esperamos que os Estados-membros mudem [de posição], mas não podemos garantir que isso vá acontecer.
Mas porquê fazê-lo agora se não for no âmbito da presidência húngara? Por que não mais cedo?
O primeiro-ministro Orbán sempre manteve os canais de diálogo abertos. Claro que agora estes encontros ganharam mais destaque porque estamos com a presidência do Conselho da UE, mas se olharmos para os últimos dois anos vemos que esta tem sido sempre uma prática.
Desde o primeiro momento defendemos que as conversas de paz são o caminho a seguir. Defendemos a Ucrânia e a defesa da integridade territorial é importante. Até porque temos muitos húngaros, que vivem na Ucrânia, também estão no campo de batalha.
A Hungria tem sido encarada como um bloqueio na concretização do apoio dado pela UE à Ucrânia, seja a nível de munições como de apoio financeiro. Agora que decorre o processo de adesão à UE, a presidência húngara pretende manter essa posição?
Somos a favor da defesa e soberania territorial da Ucrânia. E a presidência húngara vai continuar a divergir das decisões e orientações anteriores estabelecidas pelo Conselho Europeu.
Consideramos que o alargamento é uma das políticas mais bem-sucedidas da União Europeia, e precisamos de preservar esta tendência favorável, e é realmente importante e essencial manter esta política de alargamento baseada no mérito, para que se mantenha equilibrada e credível. E é importante que se mantenha assim, sem que sejam dadas prioridades.
Um dos objetivos da Presidência húngara é continuar o trabalho relacionado com a inclusão dos países terceiros na área do roaming, particularmente a Ucrânia e a Moldávia.
“Make Europe Great Again” [“Tornar a Europa grande novamente”]. Porquê este slogan para caracterizar a presidência húngara?
Foi uma escolha nossa que acabou por ser uma boa escolha porque está a dar que falar e fomenta uma boa discussão. E penso que, se formos para além da superfície, coloca questões muito importantes: Será que hoje a Europa é suficientemente forte e autónoma? Será que estamos dispostos a tornar a Europa grande? A UE está intimamente ligada aos europeus, será que os europeus acreditam que a União Europeia está a refletir as aspirações, os desejos e os interesses de cada um?
É neste sentido que defendemos tornar a Europa novamente grande. Temos sete áreas prioritárias do programa da nossa Presidência: reforçar a competitividade; restaurar o desenvolvimento económico e criar uma economia sustentável; desenvolver uma política de defesa; a luta contra a migração ilegal; a coesão da UE; uma melhor política agrícola e uma melhor resposta aos desafios demográficos. Tornar a Europa novamente grande é do interesse de todos.
O slogan é uma clara alusão a Donald Trump e ao que ele representa. Não a preocupa que possa ter uma leitura política diferente?
Estamos confortáveis com este slogan porque achamos que os europeus têm de vir primeiro e para isso temos de trabalhar e crescer de forma sustentável. Se o slogan promove discussão e um debate saudável, então achamos que é o slogan correto.
Viktor Orbán, como referiu, também teve a oportunidade de se reunir com o presidente da China no sentido de reforçar as relações bilaterais entre os dois países. Mas isto acontece numa altura em que as tensões comerciais entre os dois blocos sobem de tom, com a imposição de tarifas aduaneiras extra à importação de carros elétricos chineses e a resposta da China de lançar uma investigação à importação de laticínios europeus. Não será este mais um motivo de conflito com os restantes Estados-membros?
Os investimentos chineses estão a crescer na Europa. Por isso, a cadeia de abastecimento das empresas europeias e chinesas é muito complexa e interdependente. Ao aumentar a confiança e o investimento na Europa, por exemplo, em áreas onde a China é claramente o líder global em algumas indústrias, incluindo a tecnologia verde, acreditamos que os benefícios são tanto para os agentes económicos europeus como para os chineses. Esta relação contribui para a transição ecológica e para a reindustrialização da Europa.
A atual prosperidade global, incluindo a europeia, deve-se em grande parte à cooperação com a China, incluindo a adesão da China à OMC e o desenvolvimento de relações económicas e comerciais com a China. Se esta relação for quebrada, a prosperidade global da Europa e dos outros parceiros comunitários também sofrerá as consequências.
Como sabe, é um facto que a China está entre as maiores economias do mundo. A China está muito à frente do Ocidente e a cooperação com a economia chinesa é uma condição fundamental para o sucesso económico clássico do Ocidente. E, sim, há uma concorrência feroz para o investimento da Ásia Oriental e da Europa, particularmente no setor dos carros elétricos.
A competitividade é um dos pilares do nosso plano de ação. Há alguns anos, qualquer chefe de Governo de qualquer Estado-membro podia viajar para a China. Agora, porque assumimos a presidência e o nosso primeiro-ministro fez exatamente o mesmo, estamos no centro das atenções.
Então não concorda que ao assumir uma posição diferente do resto do bloco, ou da própria Comissão Europeia, estão a gerar mais tensões? Não irá isso afetar a presidência húngara?
Acho que se mantivermos os canais de diálogo abertos, podemos chegar a consenso sobre vários temas. No final do mandato, podemos fazer uma avaliação das ações e dos resultados alcançados.
A China está muito à frente do Ocidente e a cooperação com a economia chinesa é uma condição fundamental para o sucesso económico clássico do Ocidente.
A Hungria liderou a formação de um novo grupo parlamentar europeu, os Patriotas da Europa, que conta também com um partido político português, o Chega. Trata-se de um partido de extrema-direita, caracterizado como eurocético. Faz sentido que o terceiro maior grupo político no PE tenha estas características?
Primeiramente, os Patriotas da Europa não são de extrema-direita. E em segundo lugar, o sucesso do grupo político deve ser encarado como uma mensagem para todo o bloco europeu. Nos últimos anos, temos sido confrontados com várias crises, como a pandemia ou das migrações e a União Europeia fracassou na resposta.
O descontentamento dos eleitores ficou visível nas eleições europeias e o crescimento dos partidos da direita significa que os europeus querem mudança. Os restantes grupos políticos têm estado a encetar esforços para marginalizar os Patriotas da Europa, mesmo sendo eles os principais defensores do europeísmo.
Os Patriotas da Europa estão, de facto, a ser alvo de um cordão sanitário, tendo-lhes sido negado direito de presidir as várias comissões do Parlamento.
O Parlamento Europeu deixa de representar os cidadãos europeus a partir do momento em que marginaliza o terceiro maior grupo político. Estamos a falar de 80 milhões de eleitores que são a favor da mudança. Este cordão sanitário no Parlamento Europeu é uma clara violação dos costumes parlamentares, do património constitucional comum dos Estados-membros e um desrespeito pelo Estado de Direito e pela democracia.
Von der Leyen foi eleita presidente da Comissão com os votos dos liberais e dos verdes, que sofreram as maiores perdas nas eleições para o Parlamento, e rejeitou categoricamente a cooperação política com os grupos de direita que foram reforçados nestas eleições. A presidente da Comissão já identificou os grupos políticos com os quais não vai cooperar e com quais vai fazer jogo político nos próximos cinco anos.
Temos cinco longos anos pela frente na legislatura do Parlamento Europeu. Não é inconcebível, nem está fora de questão, que os Patriotas da Europa se tornem na primeira ou segunda força política no hemiciclo.
E essa ambição seria concretizada com a ajuda de que partidos políticos ou com quais Estados-membros? Estão a ser feitas negociações?
Neste momento, não posso fazer mais comentários.
Mas crê que mesmo com um cordão sanitário essa ambição seja possível de concretizar?
Sim. Os Patriotas da Europa representam 80 milhões de eleitores que pedem por uma mudança. Não podemos agir como se nada tivesse acontecido.
A Hungria nomeou Olivér Várhelyi para um segundo mandato na Comissão Europeia. Várhelyi atuou na legislatura anterior como Comissário para a Vizinhança e o Alargamento, mas a verdade é que teve um mandato que foi alvo de muitas críticas, e houve mesmo alguns eurodeputados a pedir a sua demissão. Pensa que a Hungria poderá nomear Várhelyi para um segundo mandato na Comissão Europeia. Já estão a contar que von der Leyen recuse o seu nome?
O comissário Várhelyi provou, nos últimos cinco anos, que é possível fazer a diferença na pasta do alargamento e vizinhança. E tenho confiança de que fará um excelente trabalho na próxima Comissão. Neste momento, a nomeação dos comissários está a decorrer de forma independente. Não sabemos para que pastas Várhelyi está a ser considerado.
Teme que o cordão sanitário se manifeste também na escolha para a Comissão Europeia?
Vamos ter de esperar pelas negociações que estão a decorrer.
Que pastas na Comissão seria mais interessantes para a Hungria?
Mantemos a mente aberta, e estamos abertos a negociar.
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Boicote à presidência húngara do Conselho da UE “é lamentável”, diz embaixadora da Hungria
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