Portugal está “muito avançado” na descarbonização, mas indústria ainda é um desafio
Eletrificação é o caminho para tornar a atividade industrial mais verde, afirmou o presidente da ERSE durante a Conferência Energy 2024.
São cerca de 800 mil milhões de euros que a União Europeia (UE) precisa de investir, anualmente, para conseguir competir com as economias norte-americana e chinesa. A conclusão é de Mario Draghi, no relatório de 400 páginas publicado esta semana, que chama a atenção para, entre outras prioridades, a necessária industrialização da Europa. Durante a Conferência Energy 2024, organizada pelo ECO esta quinta-feira, o tema mereceu reflexão. “Creio que nos falta discutir o que é a transformação económica a partir das energias verdes. Há uma oportunidade para pensar a transformação económica com esta reindustrialização”, sugere António Costa, diretor do ECO.
As renováveis têm vindo a ser apontadas como uma oportunidade de ouro para Portugal ganhar competitividade europeia, já que tem recursos naturais – como o sol ou o vento – em abundância, mas também pelo seu caminho de descarbonização. “Portugal está muito avançado neste processo”, garante o presidente da ERSE Pedro Verdelho, que destaca o progresso alcançado nas últimas décadas. “Em 20 anos, duplicámos a penetração da energia renovável na nossa matriz energética”, sublinha.
Porém, não basta reduzir emissões. É preciso extrair valor dos investimentos acumulados nas renováveis e a estratégia de reindustrialização da UE, esta semana reforçada por Draghi, é uma oportunidade que o país não deve desperdiçar. Com os preços “a descer” graças à produção verde e ao crescimento do armazenamento, “isto representará uma transformação geopolítica dentro da Europa” que pode significar alterações profundas “no Sul da Europa”.
A indústria deve ser, por isso, uma prioridade da economia nacional – não só promovendo a sua descarbonização, como também atraindo novos investimentos a partir do estrangeiro.
Eletrificar a indústria é um desafio
Luís Delgado, administrador da Bondalti, acredita que “a indústria tem feito o seu papel” em Portugal e na Europa no que à descarbonização diz respeito. “Reduzimos as nossas emissões de âmbito 1 e 2 na ordem dos 30% desde 2000. O que falta agora é perceber como damos o salto seguinte”, afirma. Em causa está a eletrificação dos processos industriais que, apesar de ser hoje possível gerar mais calor a partir da eletricidade, continua a ser um desafio técnico e financeiro. “No caso do investimento em baterias, só com incentivos é que conseguimos ter um business case positivo”, exemplifica.
Se é verdade que a península ibérica partilha das mesmas vantagens ao nível da geração de energia verde, os tempos do licenciamento para a indústria podem ser cruciais na altura das empresas decidirem onde investir. No caso da Liftium, empresa do grupo Bondalti que atua na cadeia do lítio, a escolha para a localização da nova fábrica de refinação pode mesmo pender para Espanha. “O tema absolutamente crítico é o licenciamento de unidades industriais”, reforça, lembrando que a decisão final ainda não está tomada.
O licenciamento industrial em Portugal “é um processo longo e penoso”, assinala Emanuel Proença, CEO da Savannah Resources em Portugal, que avançou a possibilidade do acionista AMG Critical Material construir uma refinaria de lítio em território nacional. O empresário diz que o país está “a dar bons passos” para se afirmar como um dos candidatos a albergar o projeto e aponta que a decisão final ainda será demorada.
“Há um potencial de transformação enorme para os países que conseguem andar à velocidade de transformação mundial e que conseguem atrair os investimentos que lhes estão associados”, insiste Emanuel Proença sobre a importância de ter uma estratégia industrial para o país.
Financiamento verde é essencial
Para Cristina Melo Antunes, responsável de ESG e Green Finance no Santander Portugal, é crucial que a banca aposte “na capacitação das empresas” para ajudá-las a percorrer o caminho da descarbonização. E para isso é fundamental que as organizações tenham estratégias de sustentabilidade, identifiquem os temas de foco mais relevantes e definam métricas. “Diria que é preciso [as empresas] alterarem o modelo de negócio, mas não para serem financiadas”, aponta a especialista. Em causa está a manutenção da competitividade e o cumprimento de critérios ESG que vão, mais tarde ou mais cedo, impactar diretamente a capacidade de as empresas acederem a financiamento bancário.
“Uma empresa que não esteja preocupada em fazer a transição para ser mais sustentável, terá um risco maior do que as outras (…) e isso afeta a capacidade de devolver o crédito ao banco”, diz.
O financiamento verde é ainda “um mundo novo” no contexto empresarial, mas que a banca tem procurado descomplicar através de instrumentos de capacitação. Um dos projetos passa pela criação de uma plataforma digital, que resulta da parceria entre a banca e a SIBS, para centralizar os pedidos de dados não financeiros e facilitar estes processos.
Redirecionar fundos
João Galamba foi um dos oradores da Conferência Energy 2024, onde reconheceu, a propósito da atual revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), ter sobrevalorizado a importância do hidrogénio na transição energética. “Tenho hoje uma visão em que atribuo um papel menos relevante ao hidrogénio”, disse, justificando com a necessária eletrificação da indústria. “Aqui sim, devíamos concentrar fundos [públicos] porque será preciso alterar processos industriais”, até porque, sublinhou, conhece bem “os riscos que a indústria portuguesa enfrenta por estar dependente do gás”.
“A eletrificação é fundamental para a resiliência e sobrevivência da indústria. Ainda há pouco tempo houve uma empresa de cerâmica que entrou em falência, na Figueira da Foz, pelo preço do gás”, destacou o ex-secretário de Estado da Energia.
Redirecionar fundos de apoio, nomeadamente no âmbito do PRR, seria desejável, defendeu Galamba, que disse ainda ser “contra a utilização de um cêntimo do PRR em painéis fotovoltaicos” por terem um payback curto. A opinião é partilhada pelos colegas de painel, o professor universitário Nuno Ribeiro da Silva e o CEO da Helexia Portugal, Luís Pinho.
“Acho que podemos estar a cometer um erro com a utilização do PRR”, afirmou Luís Pinho, que vê uma melhor aplicação dos fundos comunitários em “tecnologias que necessitam de apoio inicial, como o lítio, o hidrogénio e o armazenamento que ainda têm custos inviáveis”. O CEO defendeu ainda a importância de ser transparente sobre a redução do consumo de gás e a transição para as renováveis, que podem levar “os preços da energia subir” e que vão exigir investimentos avultados.
Nuno Ribeiro da Silva abordou ainda a dificuldade de Portugal exportar energia verde para a Europa e prefere falar numa estratégia de atração dos industriais para o país, tirando partido das vantagens competitivas ao nível energético. “Se não vai a energia ter com eles, vêm eles buscar a energia”, sugeriu. “Portugal e Espanha têm uma oportunidade histórica”, reforçou.
Participante como orador na conferência, o administrador da EDP, Pedro Vasconcelos, reconhece a “vantagem competitiva” da península ibérica não apenas ao nível da geração renovável, mas também do talento deste território que é, diz, “imenso”. Por outro lado, assinala, a Europa tem de ser ponderada na forma como se quer reindustrializar. “Precisamos de relações comerciais que transcendam esta lógica protecionista”, disse, em referência às guerras comerciais travadas entre EUA-China-Europa. “Não temos tempo, pelo menos até 2030, para conseguir garantir a capacidade produtiva que a China tem [nos painéis solares]”, apontou, lembrando que o protecionismo “é penalizador” para a transição energética.
Novas metas para o armazenamento
No encerramento da conferência organizada pelo ECO, a secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira, admitiu a hipótese de o executivo rever “em alta” as metas para o armazenamento de energia prevista no PNEC. A razão é simples: o concurso de armazenamento encerrado esta semana teve uma procura quase três vezes maior do que o objetivo fixado de 500 megawatts. Para o Governo liderado por Montenegro, este “é um claro sinal de que podemos ser mais ambiciosos nesta matéria”, assegura a responsável.
“Em relação às metas de armazenamento de energia, quer hídrica quer de baterias, não descartamos a possibilidade de revisão em alta desses valores”, afirmou Maria João Pereira.
Consciente dos desafios da descarbonização em setores como os transportes e a indústria, a secretária de Estado da Energia admite que o caminho traçado pelo PNEC é “exigente”. “O Governo está a trabalhar para inventar soluções que permitam ter os processos de financiamento mais eficientes, que permitam que sejam mais rápidos e menos burocráticos”, clarificou.
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