Incêndios florestais “consomem” economia, emprego e turismo em Portugal

O impacto dos incêndios florestais é profundo e duradouro na economia, provocando perdas de muitos milhões de euros, particularmente no setor do turismo e do emprego.

Portugal enfrenta novamente uma época de incêndios florestais de grandes dimensões. Apesar de, há dias, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) ter revelado que até 31 de agosto o número de incêndios rurais e de área ardida estavam em mínimos de uma década, contando-se até então 4.457 fogos que consumiram 10.294 hectares, estas estatísticas mudaram radicalmente com os fogos que se propagaram violentamente esta segunda-feira nas regiões de Aveiro e Viseu.

Foram vários os fogos que obrigaram ao corte de troços de autoestradas e condicionaram a circulação ferroviária em diversas regiões do país, levando várias empresas a suspenderem os seus serviços, como ocorreu com as empresas de transportes Flixbus e o grupo Luís Simões. Mas além dos impactos imediatos gerados por este flagelo, os incêndios têm consequências duradouras na economia e no turismo que têm sido quantificados por investigadores ao longo dos anos.

Um estudo de novembro de 2021 de Joana Filipa Henriques e Sousa, da Nova IMS, analisou o impacto dos incêndios na atividade económica dos municípios portugueses entre 1994 e 2019. As conclusões da autora desta tese de mestrado apontam para que os incêndios têm um efeito negativo na economia da região que se prolonga até um ano após o evento.

“Quando a área ardida é superior a 33,3% de um município, o impacto negativo imediato na atividade económica é de cerca de 1,4%. Se a área ardida ultrapassar os 50%, o efeito negativo chega aos 2,5% no ano do incêndio e agrava-se para 3% no ano seguinte”, explica Joana Filipa Henriques e Sousa, tomando em conta a análise do consumo de energia elétrica como indicador da atividade económica. “O consumo de eletricidade está fortemente correlacionado com o PIB e permite-nos ter uma medida ao nível municipal”, diz.

Como o fogo afeta a economia e o emprego

O ano de 2017 foi absolutamente marcante para o país, com os fogos a consumirem uma área ardida de cerca de 500 mil hectares que provocaram 115 perdas humanas somente nos grandes incêndios de junho de Pedrógão Grande e dos fogos de outubro que se alastraram pelo centro e norte do país.

O impacto destes incêndios foi de tal forma avassalador que se estima que entre 14 e 16 de outubro de 2017 tenham ardido mais de 1.700 habitações e quase 800 empresas tenham sido afetadas, com os prejuízos a ascenderem a 275 milhões de euros.

A situação atual está longe dos números de 2017. No entanto, os impactos económicos serão uma certeza. Em 2015, Abílio Pereira Pacheco, investigador do INESC, estimou que entre 2005 e 2014 a economia nacional perdeu cerca de 173 milhões de euros por ano com a devastação criada pelos incêndios florestais.

O impacto dos incêndios florestais é profundo e duradouro na economia. Vai muito além dos custos imediatos de combate e dos danos materiais.

No ano passado, três investigadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e da Universidade de Bern, na Suíça, analisaram o impacto dos incêndios florestais no crescimento económico em Portugal e em outros países do sul da Europa. As conclusões desse estudo apontam para uma redução média na taxa de crescimento anual do PIB regional entre 0,11% e 0,18% nos anos em que ocorrem incêndios florestais.

Embora este impacto possa parecer pequeno, os investidores destacam que ele se acumula ao longo do tempo e afeta de forma diferente os vários setores económicos, notando ainda que os incêndios florestais têm “consequências económicas negativas que vão além dos custos diretos de combate e dos danos materiais imediatos.”

Um dos pontos salientado pelos investidores é o efeito no mercado de trabalho. “Observámos um impacto heterogéneo na taxa de crescimento do emprego”, escrevem os autores do estudo, notando que “verifica-se um decréscimo da taxa média anual de crescimento do emprego nas atividades relacionadas com o comércio a retalho e o turismo (por exemplo, transportes, alojamento, restauração) de 0,09%-0,15%”, que é compensado pelo crescimento do emprego nas atividades relacionadas com os seguros, imobiliário, administração e serviços de apoio entre 0,13% e 0,22%.

Chamas que consomem o Turismo

A ocorrência de um incêndio florestal numa região produz efeitos sobre toda a economia. Um dos setores afetados com grande relevância é o turismo que, segundo vários estudos, acaba por ser penalizado por muito tempo.

Um estudo publicado em 2021 na revista “Environment and Development Economics” analisou o impacto futuro dos incêndios no turismo em Portugal, utilizando dados de 278 municípios entre 2000 e 2016. Os resultados são alarmantes: “Estimamos que os custos anuais para a economia portuguesa devido ao impacto das áreas ardidas em 2030 variem entre 17 milhões e 24,2 milhões de euros para as chegadas de turistas domésticos e entre 18,3 e 38,1 milhões de euros para as chegadas de turistas internacionais”, afirmam os autores deste estudo Vladimir Otrachshenko e Luis C. Nunes.

Estes valores demonstram o peso significativo que os incêndios podem ter na economia nacional, considerando especialmente a importância do turismo para Portugal, que no final do ano passado pesava cerca de 13% do PIB. O estudo vai mais longe e projeta que “em 2050, esses custos aumentarão pelo menos quatro vezes”.

O impacto negativo sobre o turismo é também notado num estudo realizado por quatro investigadores da Universidade do Minho publicado no ano passado. Utilizando dados mensais e ferramentas de econometria espacial, os autores descobriram que “os incêndios florestais afetam negativamente as dormidas no mesmo local, mas também causam efeitos de spillover em municípios vizinhos”.

Mas este estudo também identificou um efeito curioso no curto prazo: “as ocorrências de incêndios florestais estão positivamente relacionadas com o número de dormidas após três meses, sugerindo um adiamento das atividades turísticas”, lê-se no documento. Isto pode ser resultado de reservas adiadas ou de uma diminuição nos preços para atrair turistas após os incêndios.

Torna-se imperativo um reforço das políticas de prevenção e combate aos incêndios florestais, não apenas como uma medida de proteção ambiental e de segurança pública, mas também como uma estratégia crucial para salvaguardar a economia nacional.

No entanto, o efeito negativo a longo prazo é claro. Os autores constataram que “em média, um hectare de área queimada reduz as dormidas em quase 3 unidades após 12 meses”. Este dado sublinha o impacto duradouro dos incêndios na atratividade turística de uma região.

Além disso, o estudo da Universidade do Minho revelou um efeito surpreendente nos municípios vizinhos: “Um hectare de área queimada no município está relacionado com uma diminuição de 0,7 dormidas, enquanto o efeito dos incêndios vizinhos é de 29 dormidas a menos por hectare de área queimada no município”. Isto demonstra que o impacto dos incêndios se estende muito além das áreas diretamente afetadas.

O impacto dos incêndios florestais é profundo e duradouro na economia. Vai muito além dos custos imediatos de combate e dos danos materiais. Estes eventos catastróficos afetam negativamente o crescimento do PIB regional, o emprego em setores-chave como o turismo e o comércio, e têm consequências a longo prazo para a atratividade turística das regiões afetadas.

Os prejuízos estimados são substanciais, com projeções que apontam para custos anuais na ordem das dezenas de milhões de euros só no setor do turismo até 2030, podendo quadruplicar até 2050. Torna-se imperativo um reforço das políticas de prevenção e combate aos incêndios florestais, não apenas como uma medida de proteção ambiental e de segurança pública, mas também como uma estratégia crucial para salvaguardar a economia nacional.

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