Mário Ferreira e Carlos Martins financiam autocarros chineses que estão a “limpar” concursos
Criada por engenheiros do Porto que convenceram os líderes da Pluris e Martifer a tornarem-se sócios, a Energia Fundamental "carrega" a Zhongtong e já destronou a Mercedes nos autocarros em Portugal.
Na lista de vencedores dos concursos públicos para o fornecimento de autocarros elétricos para o transporte urbano de passageiros e respetiva infraestrutura de carregamento há um nome que se tem repetido: Energia Fundamental. Mas, afinal, quem financia e quem manda nesta empresa do Porto, que entrou no mercado em plena pandemia com uma “pedrada” de autocarros chineses para a STCP e que no ano passado matriculou 209 veículos, com uma quota de 54% no segmento elétrico?
Em 2018, uma década após criarem uma empresa de instalação elétrica (BLB – Bilobite Engenharia) que se tornou fornecedor de iluminação LED para a EDP e já entrara nos painéis solares, vendo que esse mercado ia “saturar”, Ricardo Guimarães e Mário Ribeiro pensaram em alternativas na área da mobilidade. Juntaram-se a Pedro Figueiral, ex-gestor de energia da Glintt, e “[foram] parar aos autocarros elétricos”. Com o topo da tecnologia na Ásia — “estão cinco ou seis gerações à frente da Europa na mobilidade elétrica” –, contactaram três empresas chinesas e no verão de 2019 fecharam a representação da Zhongtong em Portugal.
“A estratégia era entrar no mercado com uma ‘pedrada’. Este mercado é muito fechado, com poucas empresas clientes e fornecedoras a nível nacional, e tínhamos o estigma de representar uma marca chinesa. Em 2020 estava a sair o caderno de encargos da STCP e ganhámos esses cinco autocarros. Tinha de ser STCP ou Carris porque são as mais difíceis: concurso público, cliente experiente, com especificações muito detalhadas. A partir daí já começaram a atender-nos o telefone. Apostámos tudo nesse primeiro contrato, de perto de dois milhões de euros. Mas o importante não era o valor, mas ‘fazer a pedrada’”, recorda Ricardo Guimarães.
Seguiram-se vários outros clientes com operações de transporte de norte a sul do país, como a Frota Azul, Sandbus e Translagos (grupo Barraqueiro), Alsa Todi, Metro Mondego, Carris ou Transportes Urbanos de Braga (TUB). Até agora, contabilizando já os 35 para a operação de metrobus na região de Coimbra, que serão todos entregues este ano, já vendeu 265 veículos em Portugal. Em 2023, a Zhongtong matriculou 209 autocarros, destronando a histórica Mercedes-Benz (198) e ficando também à frente de marcas como Iveco, MAN, Caetano ou Volvo. E se a análise for afunilada aos elétricos citadinos, a quota desta construtora chinesa sobe de 22% para 54%.
O gestor de 44 anos, engenheiro eletrotécnico formado na Universidade do Porto (FEUP), garante que “não é só pelo preço que [está] a ganhar os contratos públicos”. Nos veículos para a Metro Mondego nem foi a proposta mais barata. “Maximizamos as questões técnicas e equilibramos o preço. E depois temos competências na área da engenharia e da contratação pública. Outros fabricantes asiáticos tentam vir sozinhos, mas esbarram totalmente na contratação pública europeia”, explica. Internamente, a Energia Fundamental tem apenas seis pessoas e prefere trabalhar com uma rede de subcontratados, como acontece na preparação da entrega dos veículos.
Financiadores abrem a “torneira”
Quando partiram “para esta aventura dos autocarros”, os sócios da BLB usaram uma empresa que tinham criado anos antes para separar os trabalhos de consultoria dos trabalhos de execução para um projeto com a Iberdrola. Tinha alguns contratos plurianuais de auditorias “lá agarrados” e uma faturação residual, mas como não tinha dívidas, estava limpa do ponto de vista bancário e tinha contas positivas, aproveitaram essa sociedade e fizeram um aumento de capital com verbas próprias para poder ganhar o primeiro contrato.
No entanto, donos de uma “pequena empresa elétrica” e numa fase da Covid em que os bancos estavam a “fechar brutamente a torneira”, nem com o contrato da STCP como garantia conseguiram o apoio da Caixa Geral de Depósitos. “Recusaram liminarmente o empréstimo. Não estávamos à espera. (…) A BLB não tinha esse arcaboiço para projetos individuais e precisávamos do dinheiro para comprar os autocarros. Fomos atrás de investimento e batemos a várias portas”, relata Ricardo Guimarães.
Entrada de Mário Ferreira e Carlos Martins como investidores permitiu-nos ter dinheiro fresco com alguma rapidez, mas sobretudo ter alavancagem bancária. Aí abriram-se as portas [dos bancos]. De outra forma não teríamos conseguido.
Foi então que apareceram como investidores no projeto a Pluris Investments, de Mário Ferreira (que também é acionista do ECO), e a Black and Blue Investments, holding familiar controlada por Carlos Martins — entretanto, a participação passou para a sociedade que o chairman da Martifer detém ligada à energia (Enable Energy). A negociação aconteceu na reta final de 2020, com os dois conhecidos empresários a ficarem com 37,5% cada um.
“Isso permitiu-nos ter dinheiro fresco com alguma rapidez, mas sobretudo ter alavancagem bancária. Aí abriram-se as portas [dos bancos]. De outra forma não teríamos conseguido”, indica o gestor da BLB, que mantém 20% do capital e tem também como sócio (5%) Sérgio Mota, ex-colaborador da gaiense Irmãos Mota, construtora de carroçarias para o transporte pesado de passageiros.
A gerência da empresa está entregue a Ricardo Guimarães e a Sérgio Mota, mas “os acionistas envolvem-se muito”, destaca o porta-voz. “Estamos a falar de muito dinheiro. As pessoas têm de avalizar e é bom que saibam e que concordem [com as decisões]. Acabamos por ter quase um conselho de administração informal com reuniões regulares para estarem a par do projeto e darem as suas opiniões e a sua ajuda. Por exemplo, a direção financeira está na responsabilidade de Bruno Marques, que é da estrutura do Eng.º. Carlos Martins. Aproveitamos essa sinergia e são eles que tratam com os bancos. Normalmente as coisas só me chegam para assinar”, expõe.
Teste português e “roda” em Espanha
De 4,5 milhões de euros em 2022, a faturação disparou para quase 80 milhões no ano passado. “Foi uma loucura. Entregámos uma brutalidade de autocarros. Ainda por cima caiu tudo ao mesmo tempo: os subsídios [para a renovação de frotas] e as empresas a precisarem dos veículos para mostrar ao cliente”, frisa o sócio-gerente. Se 2023 foi um ano de execução, este está a ser de “preparação para 2025”, uma vez que “o mercado todo anda ao sabor do timing do lançamento dos subsídios”.
A primeira fase do projeto passa por “estabilizar o negócio” no mercado português, onde a chinesa Zhongtong, que tem agora também uma parceria com uma empresa da Lituânia para o leste europeu, viu uma oportunidade de entrar na Europa com menos riscos. “Portugal é um mercado controlado, periférico e pequeno. Se se estampassem com o parceiro português era diferente de se estamparem na Alemanha ou França, com a projeção [negativa] para a marca”, sustenta o representante português.
Na mira, avança o sócio-gerente da Energia Fundamental, está já a expansão para outros países europeus. “Estamos a trabalhar com eles [Zhongtong] sobretudo Espanha, até porque já temos um cliente espanhol [Alsa] para quem vendemos autocarros para a operação em Portugal. Mas é um primeiro passo para depois ir com eles” para outras geografias, projeta Ricardo Guimarães.
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