Exclusivo TAP propôs pagar à Azul valor abaixo da dívida e contestou garantias

A Azul enviou uma carta à TAP SGPS e ao Governo a pedir uma confirmação das garantias prestadas ou um pagamento antecipado da dívida. Companhia propôs pagar montante abaixo do valor emprestado.

A atravessar uma situação financeira difícil, com negociações em curso com os credores, a brasileira Azul enviou o mês passado uma carta à TAP SGPS a propor que a companhia portuguesa lhe pagasse antecipadamente uma dívida de 90 milhões, a que acrescem cerca de 70 milhões em juros, e a pedir a confirmação das garantias do empréstimo.

A TAP propôs pagar cerca de 50 milhões, bem menos do que os 90 milhões originais, segundo apurou o ECO, o que levou a Azul a ameaçar romper o acordo comercial no Brasil e a alertar os interessados na privatização.

A história remonta a 2015, quando David Neeleman, fundador e maior acionista da companhia aérea Azul, venceu com Humberto Pedrosa a privatização da TAP, ficando com 61% das ações. Além de capitalizar a companhia aérea com os polémicos fundos oriundos da Airbus, por troca de um contrato vinculativo para a compra de aeronaves, o empresário brasileiro levou em 2016 a TAP SGPS a subscrever um empréstimo obrigacionista, convertível em ações, de 90 milhões de euros. A Parpública acompanhou a operação com a subscrição de 30 milhões.

As obrigações têm um juro elevado, de 7,5%, que, além disso, é composto. Ou seja, os juros vão acumulando ao capital inicial e, a cada ano que passa, incidem sobre um capital maior. Segundo o Observador, no final do ano passado, o montante total já ia em 214 milhões, dos quais 160 milhões devidos à Azul, o equivalente a 967 milhões de reais, ao câmbio atual. As obrigações só chegam à maturidade em 2026.

Perante as dificuldades financeiras provocadas pelos maus resultados, penalizados pela queda do real contra o dólar, a Azul entrou em negociações com os credores e tentou encontrar liquidez.

Segundo apurou o ECO junto de fonte conhecedora do processo, a Azul enviou uma carta no mês passado a solicitar um “aperfeiçoamento” das garantias prestadas no âmbito da subscrição das obrigações ou um pagamento antecipado da dívida, com negociação dos juros devidos. A missiva foi enviada ao CEO da TAP, Luís Rodrigues, ao administrador financeiro, Gonçalo Pires, ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento e ao ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz.

Na sequência da carta, a TAP sugeriu o pagamento de um montante muito inferior aos 90 milhões de euros da dívida original sem, no entanto, ter formalizado qualquer proposta.

Tendo em conta a taxa de câmbio média em 2016, os 90 milhões de euros equivaliam na altura a cerca de 350 milhões de reais. Tendo em conta a forte valorização do real contra o euro, agora seria necessário um pouco menos de 60 milhões para perfazer os mesmos 350 milhões de reais.

O ECO questionou a TAP e o Ministério das Infraestruturas sobre a proposta da Azul e a reação da companhia aérea, mas nem uma nem outro quiseram fazer quaisquer comentários.

A tensão entre as duas companhias escalou esta segunda-feira com a entrevista do CEO da Azul, John Rodgerson, à CNN Portugal, em que o gestor ameaça romper o acordo comercial com a TAP no Brasil, que ajuda a angariar passageiros para os voos da companhia portuguesa (e vice-versa). Relata inclusive que já deu conta dessa possibilidade aos interessados na privatização da TAP, que veem na elevada quota nas ligações entre o Brasil e Europa como um dos principais ativos da empresa.

TAP contestou garantias

Antes, a companhia aérea já tinha contestado as garantias associadas ao empréstimo. Ao que o ECO apurou, no início de julho a TAP respondeu à Azul que as garantias apresentadas seriam inválidas, o que foi rejeitado pela transportadora brasileira.

John Rodgerson teme mesmo que a dívida não chegue a ser paga. “Estão a tirar essas coisas boas da TAP SGPS para a TAP S.A., mas querem que a dívida fique na TAP má. Isso obviamente é contra a lei”, afirmou na entrevista. “O que estamos a dizer é que tem de haver garantias ou tem de pagar de volta. O que não pode fazer é esperar por 2026 e depois dizer, está quebrado, porque se tiraram todas as coisas boas que poderiam pagar essa dívida”, avisa.

A TAP SGPS deixou de ser dona do seu principal ativo, a TAP SA, depois das sucessivas injeções de capital do Estado na companhia aérea, que passou a ser detida em 99% pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças e em 1% pela Parpública. Na holding ficaram apenas as participações na Portugália, que o plano de reestruturação prevê que seja integrada na TAP SA, a participação minoritária na SPdH, agora Menzies Aviation Portugal, a participação de 51% na Cateringor e a Manutenção & Engenharia Brasil, em liquidação.

A Azul pretende que as garantias prestadas na altura sejam confirmadas. Uma dessas garantias era o programa de fidelização Victoria, entretanto convertido no Miles&Go.

Segundo uma ata da assembleia geral da TAP SGPS de janeiro de 2017, consultada pelo ECO, foi deliberado por unanimidade “ratificar a constituição das garantias” e a “segregação dos ativos relacionados com o programa Victoria e a constituição de uma nova sociedade que será titular desses ativos“. As ações dessa sociedade serviriam de garantia para os 120 milhões em obrigações, mas nunca terá chegado a ser constituída.

O plano de reestruturação, aprovado por Bruxelas em dezembro de 2021, deixou de fora a TAP SGPS, que não recebeu qualquer injeção de capital. Além disso, o plano vai até ao final de 2025, ou seja, termina antes da data de reembolso das obrigações.

A dívida à Azul, onde David Neeleman ainda detém uma participação económica de 4,49%, pode suscitar críticas ao Governo, tendo em conta as polémicas que envolvem a passagem do empresário pela TAP, muito criticada na recente auditoria da Inspeção-Geral de Finanças, nomeadamente por a companhia aérea ter sido capitalizada com fundos da Airbus, pagos pela própria.

A relação criada entre a TAP e a Azul não se esgotou na subscrição dos 90 milhões em obrigações pela companhia portuguesa. David Neeleman colocou também a Portugália a alugar aviões ATR à Azul. Desse tempo vem também o acordo comercial que contribuiu para dar dimensão à TAP no Brasil e crescer nos EUA. O empresário vendeu a sua participação na transportadora aérea portuguesa em 2020, por 55 milhões, recusando avançar para uma capitalização da TAP após a covid-19.

O Governo brasileiro já avançou com um plano para garantir assistência financeira à Azul e também à Gol. O Presidente Lula da Silva aprovou alterações à lei do Turismo que permite que o Fundo Nacional de Aviação Civil possa ser usar como garantia para financiamentos às companhias aéreas.

(notícia atualizada com mais informação às 7h38)

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