IRS de um não residente faz disparar dívida incobrável

Impostos que o Estado não consegue cobrar ascenderam a 10.419 milhões de euros, em 2023, uma subida de 19,9% face ao ano anterior e representam quase 40% do total da carteira em dívida.

O IRS de um não residente justificou mais de metade do aumento da dívida incobrável, em 2023, que ascendeu a 10.419 milhões de euros, segundo o parecer do Tribunal de Contas (TdC) à conta geral do Estado do ano passado, divulgado esta quarta-feira.

A entidade, liderada por José Tavares, refere que os montantes que o Estado não conseguiu cobrar, devido à inexistência de bens penhoráveis do executado, seus sucessores ou subsidiários, subiram 19,9% ou 1.727 milhões de euros face a 2022 para 10.419 milhões de euros, “valor muito influenciado pela instauração de dois processos de valor excecionalmente elevado, quantificados em 1.003 milhões, referente a liquidações de IRS de um contribuinte não residente”, de acordo com o relatório.

Estes dois processos relativos a um residente não habitual, no valor de mais de mil milhões de euros, justificam “58,1% do acréscimo total da dívida incobrável”. No contraditório, a Autoridade Tributária (AT) refere que está “a apurar a autenticidade/veracidade dos rendimentos de IRS declarados”.

Neste momento, podem usufruir do regime dos residentes não habituais trabalhadores dependentes ou recibos verdes que, nos últimos cinco anos, residiram no estrangeiro e que exerçam, em Portugal, atividades de elevado valor acrescentado. Os rendimentos destes contribuintes beneficiam de um alívio fiscal significativo, uma vez que são tributados a uma taxa única de 20%.

O Orçamento do Estado para este ano alterou o regime que deixou de se aplicar também a pensões e rendimentos para incentivo fiscal à investigação científica e inovação​​ (IFICI), uma vez que passa a excluir pensões e rendimentos de capital. Falta, contudo, a regulamentação do mecanismo, via portaria, pelo atual Governo.

O peso dos 10.419 milhões de euros incobráveis no stock da dívida do Fisco já pesa quase 40%. “No total desta carteira, a dívida incobrável é a mais representativa (38,9%) e também a que registou o maior aumento (19,9%), sendo também de assinalar o crescimento da dívida ativa (cobrável em tramitação corrente), em 721 milhões de euros (10,1%)”, escreve o TdC. Já dívida suspensa – que se encontra a pagamento em prestações ou que foi objeto reclamação ou impugnação judicial – cresceu apenas 28 milhões de euros (0,3%), de acordo com o mesmo parecer.

O total da dívida incobrável, de 10.419 milhões, resulta “da tramitação de 7.861.743 processos de execução fiscal, referentes a dívidas desde 1974”, indica o TdC. “Este montante corresponde ao valor inicial de instauração dos processos, deduzido de eventuais pagamentos. Considerando os juros de mora, 4.809 milhões de euros, e as custas, de 438 milhões de euros, o valor em dívida a 31 de dezembro 2023 ascendia a 15.667 milhões de euros”, de acordo com o parecer.

43 milhões de euros sem identificação do devedor

O Tribunal sinaliza que o montante incobrável mais do que triplicou face ao valor de 2016 (+224,3%), “constituindo um fator de risco acrescido para a sustentabilidade das finanças públicas”. Para além disso, dá nota que desta dívida, há 43 milhões de euros sem número de identificação fiscal (NIF) associado, estando registada nas Finanças em “verbetes”, porque os valores em dívida são anteriores há existência do número de contribuinte. “Nestes casos, como não é possível citar o devedor, o processo de execução fiscal é imediatamente declarado em falhas”, ou seja, é declarado imediatamente como incobrável, indica o TdC.

São vários os fatores que têm contribuído para o aumento da dívida incobrável, “como sejam as crises financeiras, a situação de pandemia de Covid-19 e a crise energética recente“, reconhece o fiscalizador das contas públicas.

“O impacto da alteração da jurisprudência quanto ao efeito duradouro da interrupção da prescrição, que tem conduzido a um aumento muito significativo do número de processos declarados em falhas e a uma redução das prescrições, de 236 milhões de euros, em 2019, para 33 milhões, em 2023″, também tem contribuído para o aumento da dívida incobrável.

Sobre os processos declarados incobráveis, o TdC verifica “que são os contribuintes coletivos”, isto é, as empresas, “que concentram a maior fatia do valor em dívida (66,3%), sendo os contribuintes com atividade cessada em IVA responsáveis por 59,5% deste valor, o que dificulta a respetiva cobrança”. “Em termos de número de processos, mais de metade (58%) pertence a contribuintes singulares”, conclui.

“Os processos são declarados em falhas (dívida incobrável) quando comprovada a inexistência de património penhorável, mas apenas são considerados extintos após a prescrição, pelo que, até lá, integram a carteira de dívida em cobrança coerciva, podendo haver lugar à reativação do processo caso venham a detetar-se bens a penhorar”, esclarece a entidade liderada por José Tavares.

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