O ódio aos jornalistas
Os jornalistas são todos bons? Respondo: mas todos os advogados, canalizadores, médicos, carpinteiros são bons? Claro que não, há é um maior escrutínio e exposição para determinadas carreiras
Em Portugal e no mundo a classe política há muito que atravessa uma via-sacra de ódio dos eleitores perante quem os devia representar. Acresce, também por cá, o mesmo sentimento relativamente a uma dita elite ungida pelos media que punha e dispunha nas grandes empresas e na banca e que levaram os portugueses a pagar todos os seus dislates e incompetências.
Mas há algo que me incomoda bastante: é o crescente e evidente ódio com o qual muita gente se refere aos jornalistas e à sua profissão. Não me passa pela cabeça cercear o direito de livre opinião de cada um, mas devia haver mais respeito e consideração, sobretudo quando o trabalho deles é realizado sobre grande pressão e cada vez com menos meios.
Eu deixei de ser jornalista em 2001, tive momentos fantásticos num tempo em que a profissão era considerada, as redacções tinham dimensão, em quantidade e qualidade, havendo cabelos brancos que davam tarimba aos jovens que chegavam, como foi o meu caso em 1995. Hoje, o panorama nada tem a ver com outras décadas.
As redacções são curtas, mal pagas, ameaçadas todos os dias pela publicidade que dramaticamente diminui todos os dias. São mensais as notícias de títulos que acabam e de cortes das administrações em quem produz conteúdos nas suas diversas dimensões e assim aumentam as pressões, a estabilidade nunca está assegurada e o jornalismo tornou-se uma profissão de risco.
Depois, e isso critico bastante, com as redes sociais, qualquer indivíduo bota “faladura” sobre assuntos dos quais nada percebe, entre os quais comunicação e jornalismo, dos quais o povo acha que tem conhecimento suficiente para opinar apesar de nunca ter trabalhado nesta área. Somemos a isso vivermos num mundo onde a ira floresce, onde a gritaria, a ofensa e a barbárie dos espíritos flui sem amortecedores, para muita gente sem rosto despejar as suas frustrações em cima de profissionais de bem e de títulos diariamente conspurcados por vilipêndios.
Quer isto dizer que os jornalistas são todos bons? Respondo: mas todos os advogados, canalizadores, médicos, carpinteiros são bons? Claro que não, há é um maior escrutínio e exposição para determinadas carreiras. Há erros, claro que sim, mas se não existir má-fé, e para isso há (ou devia haver) órgãos e reguladores, o que se deve é apontar construtivamente o erro. E nunca podemos esquecer que em cada profissional há um ser humano.
Sou um defensor acérrimo da importância do jornalismo. E defendo que as barreiras do gate-keeper subjacentes a quem faz notícias não devem ser esbatidas, até para separar claramente o trigo do joio e colocar quem apenas destila ódio sem qualquer competência ou conhecimento do universo mediático em «su sitio».
Seria bonito dizer que era bom dar mais meios a quem faz notícias. Porém, isso é utópico nos dias de um mercado escasso de receitas. Os jornalistas, também para continuarem o seu sonho e a sua realização pessoal na carreira que amam, vão ter de habituar-se a estas condições de instabilidade e fazerem o possível com menos. Agora, sigam em frente, não liguem a matilhas de analfabetos funcionais e a hienas que se alimentam de ódios e ressentimentos. A sociedade precisa de notícias e conteúdos que a ajudem a ser melhor. Isso, está do vosso lado.
Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
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